sábado, 9 de junho de 2018

Poeta banal


Dois potes de mel na voz
e uma guitarra a tocar na garganta
Olhos com asas negras de corvos
voando círculos em “v”
Nariz de pétalas que só cheira flores
no pensamento
Boca de canário rosado
corado de tanto amor pela vida
No peito cresciam raízes
de sonhos passados
e as mãos eram conchas
desfiando a harpa da insubmissão
com todo o carinho
Embriagava-se
quando a família se ausentava
há tanto tempo
Sobre os joelhos havia uma linha
separando o passado do presente
Enquanto os sapatos lustrosos
de tanta dor passeavam
nos olhos dos transeuntes
Vestia o fato impecável
dos mendigos
E desempenhava a sua personagem
como a caneta namora o papel:
era um poeta banal…
Trazia a luz do sol às costas
e um dicionário informal
no bolso,
para alguma eventualidade.
Um dia foi flechado
pelo cupido
pelas costas, à socapa,
e considerou um crime hediondo
ter a melancolia a subir-lhe
pelas pernas.
Ficou em silêncio, fumando
o céu coberto de escamas de peixes
e as lágrimas sufocando a desilusão…
A musa não correspondia
e desabrochava nas gaivotas do mar
e ele sentou-se numa pedra
para sempre
a pensar.

Rosa Alentejana Felisbela
09/06/2018
(imagem da net)

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