sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Ponto


Entre as reticências
protesta um ruído abafado
que na ravina reluz…

E de rompante rufa que rufa
a revolta relembrada
num esgar…

Tantas réplicas
resvalando do relógio

(em)terra!

Reage ao risco do abismo
e um ponto

final
no olhar.


Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

A última caminhada


Meus cabelos são de neve
nos picos do sofrimento
derretendo na bonomia
dia após dia

Meus olhos são janelas
abertas de lembranças
mimadas, cobertas pelo véu
escuro ou branco puro

Minha pele é terra
lavrada pelas memórias
que alimentam a fome
de poemas

Meus braços são força
quebrada pelo cansaço
das horas repetidas
na labuta lenta

Minhas mãos são folhas
de um outono amarelecido
cobertas com o musgo
da sabedoria

Meus pés são plumas
da infância que tenho
na gargalhada
e pesada jornada
que arrasto enquanto resisto

A minha razão é tanta
que num segundo de netos
sou o mais rico do mundo
em dádivas e afetos

Sobram-me as horas
solitárias
quando a reforma ensaia
a última caminhada

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 25 de outubro de 2016

Por dentro das pálpebras do poema


Subiram meus olhos a encosta
íngreme da estrada de lama
e num segundo descuidado
pela sombra das pestanas
alcançaram os sentidos das árvores
que num gemido sofrido
das folhas, choravam
a inevitabilidade do vento
e como numa profecia
de chuva, ardeu-me o sal
por dentro das pálpebras…

desceram meus olhos para o riacho
plano de dúvidas
por entre as pedras enlutadas
polidas e duras
e suspiraram a cantiga ciciante
das águas
como numa oração pedindo chuva
transbordando o caudal
doloroso da vontade
e ardeu-me o sal
por dentro das pálpebras…

e num acesso de loucura
das mãos pensativas de trovoada
rasgaram-se poemas como raios
riscando o céu do pensamento
como se as melhores palavras
se pudessem espalhar em miríades
de versos e as nuvens fossem
desfazer-se um gotículas
de ternura…com um simples olhar!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Riacho ciciante


Desceram meus olhos para o riacho
plano de dúvidas
por entre as pedras enlutadas
polidas e duras
e suspiraram a cantiga ciciante
das águas
como numa oração pedindo chuva
transbordando o caudal
doloroso da vontade
e ardeu-me o sal
por dentro das pálpebras…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


Estrada de lama


Subiram meus olhos a encosta
íngreme da estrada de lama
e num segundo descuidado
pela sombra das pestanas
alcançaram os sentidos das árvores
que num gemido sofrido
das folhas, choravam
a inevitabilidade do vento
e como numa profecia
de chuva, ardeu-me o sal
por dentro das pálpebras…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 23 de outubro de 2016

Lágrima serena


Seguro nas mãos a memória moribunda
De asas lindas no horizonte arriscado
E lá ao fundo uma palavra vagabunda
Junto ao azul um laivo de sangue derramado

E o teu nome, num por de sol violento
Fundeando meus versos num amor morto
Escurecendo o azul, tornando-o cinzento
Seguindo o seu voo, num voar absorto

Beijando a estima num abraço profundo
Deixo-a partir num sonho, ou numa pena
Pois tu, amor, já foste todo o meu mundo

Agora és natureza, obra d’arte algo obscena
Sucumbindo num minuto, talvez num segundo
Ao som de um suspiro de uma lágrima serena

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Da poesia contrafeita


Incomum é o nevoeiro nas palavras
abandonadas há muito
e a sua visibilidade por dentro da alma

há o momento obsceno de malícia
que continua a estropiar
as entranhas em plena bruma

e uma ruina interior
calcando a calamidade no olhar
com sintomas atónitos de vertigem

pede ao sol que venha acender-se
e arder suavemente no peito
porque a semente precisa de germinar

ou guarda o grão nas águas-furtadas
da imaginação, junto das palavras
para eu não morder o veneno

porque os passos precisam
atravessar a ponte contrafeita
da poesia, enquanto a esperança ascende
à luz precária do sonho

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Abraço inesperado


Há uma tranquilidade
trágica
no tato tímido
do inesperado

como se o símbolo
misterioso da graciosidade
fosse a cor âmbar
implícita na derme

qual nêspera no alto
de um vulgar meridiano

suave

na longitude do amado abraço

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sábado, 15 de outubro de 2016

Aurora


Hoje assumi o silêncio
que a boca moveu
sem palavra.

Pousei a borboleta inquieta
do ouvido no vento
que passava e escutei.

Era o roçagar de asas
da brisa que brincava
no pensamento lúcido

enquanto se aproximava
a aurora de luz.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Gatinho diferente


Eu sou um gatinho diferente
Daqueles que se veem por aí
Consigo ver concretamente
A alma dos que andam aqui

Por trás de um coração frio
Há pessoas sofrendo tanto
Como um terreno baldio
Em ruínas e sem encanto

Esses precisam de carinho
E de um pouco de atenção
Deixo-os acariciar o pelinho
Pois é a sua única fruição

Também há gente dura
Sem qualquer compaixão
Desconhecem a ternura
A esses não “dou mão”

Há também os de “superego”
Que se julgam os melhores
O umbigo torna-se cego
Perante tão grandes autores

A esses arranho os dedos
Não quero aproximações
Pois não gosto de enredos
Nem de muitas confusões

Mas também há os fingidos
Que enganam meio mundo
Que pela frente são queridos
Mas o veneno está “no fundo”

A esses apenas viro as costas
E também vou dar uma voltinha
Até prefiro ir caçar as moscas
Do que levar deles a “festinha”

Mas também os há bem docinhos
Carregadinhos de inteligência
Adoro os seus quentes colinhos
E demonstro toda a essência

Arqueio o meu corpo gracioso
Até lhes lambo os cabelos
Sou um amigo muito precioso
Cuido-os com todos os desvelos

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Sensações digitais: como nasce um poema


Labaredas
abrindo asas

desordem
p’lo trigal do silêncio

mergulhando
e emergindo

dura tempestade
da lembrança

acendendo
novas fagulhas

roçar de espigas
maduras

volteios abissais…

Som seco de um poema
ardendo

pura loucura
nas sensações digitais

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Estrela


Estrela
aberta em flor
sobre a terra

raiz raiada
na constelação
do coração

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 9 de outubro de 2016

Para lá do poente


Entardeceu-me a tarde
para lá da ponte
o poente

e eu

única chama viva
diviso
a derradeira luz

derramo a lágrima
da memória

o pensamento

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


sábado, 8 de outubro de 2016

Cantiga da chegada


Trouxeste nos olhos o brilho
do nectar amado por Baco
e o meu coração tão fraco
tremendo seguiu o teu trilho

doaste-me um abraço cigano
percorreste-me de lés a lés
depositaste amor a meus pés
no estio peculiar, alentejano

esfumou-se a tristeza do trigo
abriram-se sementes em flor
e num alegre e terno clamor
poetas foram dos versos abrigo

Ah! Cantiga herege embriagada
de palavras vivas e sapientes
torna meus versos hoje silentes
em terra fértil da tua chegada!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A última carícia


Queria o voo da poesia
na ponta dos dedos
só para descrever
a última
e puríssima
carícia

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Álcool


Brinde brilhante
olhar toldado
veia periclitante

Palavra soletrada
afiada na língua
ferida do instante

Verdade rasa
em boca doirada
ao fundo do palato

Sabor adocicado
amargura na veia
copo transbordado

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Tabaco


Presa nos dedos
golfada de fumo
lágrimas nos olhos

Dor silenciosa
no ar negro-lume
prisão lacrimosa

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Folha


Recorte perfeito
brotando dos ramos
vestidos a verde

na verde nervura
a árvore vestindo
de ternura os ramos

Rosa Alentejana Felisbela

domingo, 2 de outubro de 2016

Frio de outono


Visto-te à revelia do relógio
de bolso
vazio

ainda que as folhas
amarelas amargas
oscilem
de vestígio

e a mágoa
marcada de rodopio
se atenue…

Visto-te e tenho frio.

02/10/2016

Rosa Alentejana Felisbela

secretamente


Há um manifesto lúgubre
inscrito nas folhas
que o outono apodrece

e em cada brisa
soprada pelo fôlego do vento
há um lado de nós
que se esquece

secretamente

Rosa Alentejana Felisbela