sexta-feira, 30 de março de 2018

Das partidas


Não me partas
que quem parte
leva um pouco de mim

E tu tens essa arte
de partir sem me levar
e me deixares só enfim

Sem teus cuidados
eu fico
sem tuas mãos e afins

Não me partas
que me falta o ar

do ar que cheira
ao teu alecrim

Não me partas
que vais rico
com as palavras de cetim

E eu? Como fico?

Fico Rosa desfolhada
no meu imenso jardim

acaba-se o namorico
e eu transformada
em estopim

serei chama, serei fogo
ardendo das memórias
assim…

Rosa Alentejana Felisbela
30/03/2018

sexta-feira, 23 de março de 2018

Comissura


Sopra o vento
valente

quente
comissura de ti

envolvente
em minha pele

carente
do teu perfume

-cacharel-

no nosso abraço…

Rosa Alentejana Felisbela
23/03/2018
(imagem da net)

terça-feira, 20 de março de 2018

Devagar


Agarra o ovo
o verde a vereda

e vê o vale
e a planície distante

recorda a poça
perto do monte
recorta a silhueta

e esconde-a
longe
do mirante

roça a asa da ave
e deixa que a lebre
escave a toca

depois
abre a boca
de surpresa

e encaixa a cor
castanha da terra
e a manha da flor

sussurra o som
da abelha zumbindo
ao ouvido da primavera

e escuta o sol dormindo
defronte da fonte
da espera

chega de vez
nos braços da natureza
em chávena a fumegar

bebe o eco do vento
e devota uma oração
aos meus olhos nos teus

devagar, bem devagar…

Rosa Alentejana Felisbela
20/03/2018
(foto de Maria Manuel Neves)

segunda-feira, 19 de março de 2018

Deserta


Trazes-me a bandeja
prateada com a lua

e um suspiro
ao fundo da garganta

e esse mastro que veleja
no barco rumo ao retiro

que suplanta a maciez
das algas e corais

reclama a saudade
e os ais

das ondas abertas
em flor de amor

na ilha deserta
do meu coração

Rosa Alentejana Felisbela
19/03/2018
(foto de José Sobral)

sexta-feira, 16 de março de 2018

A um marinheiro


Espera-me naquela nuvem
branca como breu
que ainda agora vi no céu

essa que tinha a marca
das tuas palavras
brandas

Espera-me naquela onda
mais alta, levantada
pelo sopro do vento
- a nortada -

antes que se esconda
a vela no vale da fundura
onde o barco absorto vá marear

Consegues ver-me ao sol e no escuro
nesta praia onde te procuro
vestida do luto da tua ausência?

Pergunto-me:
- quanto tempo irei ficar?

Se as pegadas se vão apagando
e eu não sei, amor,
até quando

meu corpo aguenta
esta tormenta
de o teu corpo desejar!

Rosa Alentejana Felisbela
16/03/2018
(a foto foi tirada por mim, casualmente, na Fonte da Telha)

quarta-feira, 14 de março de 2018

Tuas mãos amadas


No centro era o fogo
primeiro brando

atiçado
labaredas logo

e aquela ternura
espiralada

envolvendo
em dedos de vento

a procura eterna
a saudade suprema

nas mãos amadas

Rosa Alentejana Felisbela
14/03/2018
(imagem da net)

segunda-feira, 5 de março de 2018

Tritão


Tudo o que tenho
é água turva
naquele regato

E não contenho
o vento a revolta
a curva do recato

Levanta sonhos
redemoinha
e arrasta ingrato

memória doce
daquele rosto
lindo e risonho

Quisera o rio
no embaraço
do nevoeiro

ou o piar
de uma gaivota
o dia inteiro

Quisera a ponte
ou um abraço
daquela foz

Levada em braços
p’la voz viril
do marinheiro

ou então vergada
p’lo bardo duro
-capaz timoneiro-

amparar a rocha
do rabelo
traiçoeiro

beijar as ondas
uma a uma
do seu cabelo

gravar-lhe o nome
no meu corpo
e jamais prendê-lo

Rosa Alentejana Felisbela
05/03/2018
(imagem da net)

domingo, 4 de março de 2018

sede que mata


Irónica a sede
que mata
e tira da rota
a nora, a roda
apesar da chibata
-loucura?-
uma gota
hidrata...

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

“Post-it”


Deixa-me fechar a porta atrás da dúvida. Mas lembra-te que a primavera irrompe na sua frescura precária e extenuada de água seca. De onde estou, vejo o pequeno ponto branco da floração dos alámos, e ele alastra na minha mente, qual linho tecido na tecitura da minha pele. Atravessa-me constantemente os lábios, como gume, num nome tresloucado de fundura. Agarra-me os braços como hera, antigamente, e prende-me os pés como visco, bem presente. Encurrala-me as raízes da mente – demente – desmentes? E acabo por abrir a porta para a desordem do costume, ou a janela, num impasse conveniente. O confronto não interessa a ninguém! A não ser que o vento venha e polinize as sílabas que me enchem a boca, numa teia emaranhada de marés de seda opaca, e da metamorfose eclodam aguaceiros difíceis de explicar na previsão meteorológica. Pode ser que a agitação marítima traga Ennio Morricone a tocar a balada dos nossos desertos e só os corações batam entendimentos. Tradicionalmente, só o lápis corre pela folha de papel, repondo as estradas cortadas pela neve atemporal. Só a inquietação da escrita fica no “post-it” na porta do frigorífico, com o recado do costume: “Sorri: estás a ser amado!”

Rosa Alentejana Felisbela
04/03/2018
(imagem da net)

Riacho

quinta-feira, 1 de março de 2018

distância completa


Perto demais
de uma distância completa
que a idade nomeia
como derradeira
- sonho perdido -
vida.

Rosa Alentejana Felisbela

Não escrevo poesia


Não sou eu
que escrevo poesia,
são os teus olhos
que encontram
nas minhas letras
as flores
que enfeitam
o teu próprio jardim!

Rosa Alentejana Felisbela

já não sonho


Já não sonho
com um livro de letras,
mas com um de páginas
em branco para viver
cada página intensamente.

Rosa Alentejana Felisbela

Idioma por decifrar


Tens um idioma por decifrar
na polpa dos dedos
mas nenhuma alba
o consegue descodificar
ou quer...talvez demasiado
orvalho faça deslizar
cada tentativa infrutífera
e também a falta de vontade...
o frio morde a almofada
das entranhas e a alma aluada
alucina em lágrimas de rio
tamanhas que o mar
não é água suficiente
para te afogar.

Rosa Alentejana Felisbela
01/03/2018
(imagem da net)