quarta-feira, 31 de agosto de 2016

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Porto – Torre dos Clérigos – 02 de agosto de 2016


Hoje o sabor subiu a pique
pela língua íngreme
de letras onde as vogais
abriam o som do sol

Hoje pressenti a solidão
que a subida pensava erma
na brevidade de um segundo
quando os degraus aluíam

Hoje marquei o X embevecido
porque a viela não podia
prever o toque das badaladas
do relógio imparável

Hoje resvalei no precipício
do sonho mais alto
que a cidade erguia
e não pude deixar o suspiro
sem saudade…

Rosa Alentejana Felisbela

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Droga


lótus fragrante
no vício do calafrio
tremor toldado

tremendo a flor
nuvem cinzenta
frio fragante: vício baço

Rosa Alentejana Felisbela


Livro


Flor que abre a mente
pétalas de sabedoria
regada.

Rega a mente
a flor de pétalas
que é árvore.

Rosa Alentejana Felisbela

domingo, 28 de agosto de 2016

Mãe


Mornas as mãos
mimando infinito
em face rosada

Sol posto na face
infinito mimo
mãe adorada

Rosa Alentejana Felisbela

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Ouro liquefeito


Entrelaça os olhos
nas entrelinhas do papel
ainda pardo de dor
mas sabedor de encruzilhadas
das regras da reescrita

gotejam pingos de negro
no asfalto da estrada
mas as bermas florescem
da cor faminta da levada
que a cascata grita

e o sabor do inesperado
ainda crepita na voz
que a secura dissolve
na água

mas as letras
adquiriram o tom
raro
que a pureza não perdoa

castiga

ouro liquefeito
que a sombra acobarda

Rosa Alentejana Felisbela

domingo, 21 de agosto de 2016

Partiste


Olhos sobre o ombro
lentamente
num abraço triste
às águas do rio

pestanas silenciosas
na luz promiscua
da certeza

assombro que abriste
à boca da rosa

e num sopro fugaz
apagou-se
a beleza

e partiste

Rosa Alentejana Felisbela


sábado, 20 de agosto de 2016

Porto, 05 de agosto de 2016


Vim ver-te, meu amor
ver-te ao Cais da Ribeira
mas descobri que a tua vontade
não era estar à minha beira

Vim ver-te, meu amor
ver-te à Torre mais alta
mas os Clérigos confidenciaram-me
que eu não te fazia falta

Vim ver-te, meu amor
ver-te à Rua Passos Manuel
mas as pedras da calçada contaram-me
que não seria só meu o teu mel

Vim ver-te, meu amor
ver-te à Câmara Municipal
mas os Aliados disseram-me
que eu não era, para ti, a tal

Vim ver-te, meu amor
ver-te à Igreja das Carmelitas
mas as beatas transmitiram-me
que havia amores bem mais catitas

Vim ver-te, meu amor
ver-te ao jardim do Palácio de Cristal
mas as árvores lembraram-me
que eu, para ti, não era especial

Vim ver-te, meu amor
ver-te ao belo rio Douro
mas os meus suspiros quebraram-se
e eu, livre, aguardei O amor sincero
e mais duradouro.

Rosa Alentejana Felisbela

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Letras estéreis


Ainda que as letras
moldadas pela tinta côncava
dos dedos
se deitem sobre o papel
numa atitude fastidiosa,
abertas às sensações,
jamais darão à luz
o poema escrito
pelo olhar,
falta-lhes a semente
que germina na imaginação!


quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Porto, 01 de agosto de 2016


Quisera eu guardar-te
nas entrelinhas
deste caminho de ferro
que percorro
numa estrofe
que a pedra assinalou

Quisera eu guardar-te
entre as metáforas matreiras
desta brisa que sopra
do lado do Douro
e que pressinto
como poema
que o ar destilou

Quisera eu guardar-te
entre a sinonímia do rugir das ondas
neste rabelo moldado de madeira
que o machado esculpiu
ao entardecer

Arrebol bendito
mostra o sorriso infinito
no mosto do meu paladar
segredando-me versos
que o esquecimento
sempre irá lembrar!

Rosa Alentejana Felisbela

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Coimbra – Igreja da Sé – 29 de julho de 2016


Lá fora chilreiam as vozes
das crianças e o bafo
do estio ensaia o golpe fatal

Cá dentro o som do silêncio
é ensurdecedor e ressoa
nos passos cansados do chão
de laje puída

Lá fora a rua desemboca
no tropel dos carros
e a luz procura, desenfreada,
cada recanto das fachadas

Cá dentro o sussurro
da água benta refresca a fronte
presa aos dedos no sinal da cruz

Lá fora abre-se a secreta
esperança de um fado feliz
na face ancestral
dos escritos em latim

Cá dentro emana um frescor
lavado na toalha branca
e perfumada do altar

Complementam-se os dois
como faces antigas da mesma moeda
e a vida corre ligeira
ou queda…

Rosa Alentejana Felisbela

domingo, 14 de agosto de 2016

Gerês – Hotel S. Bento – 08 de agosto de 2016


O azul das águas acordou tão claro
que o som dos sinos sorriu
de portas abertas
até ao amanhecer

Borboletearam-me as pestanas
ao ritmo da luz do dia
e abriu-se a rosa dos lábios
à água fresca do orvalho
dos teus

Quando os meus olhos
levantaram voo
já o verde das árvores
se abria, cúmplice,
à luz da manhã
em ninhos de alvor

Assim que a pele
recebeu os braços da água
navegou em mim
um barco
de nova esperança

Que nunca nos falte
a morfina da natureza
que relaxa os músculos
e nos devolve a fortaleza
dos dias

Rosa Alentejana Felisbela

sábado, 13 de agosto de 2016

Coimbra – Jardins da Quinta das Lágrimas – 31 de julho de 2016


Quantas lágrimas caras derramadas
Emergem na fonte onde tudo terminou
A carícia, o beijo ou um abraço sobrou
E tantas alegrias de amor esperançadas

Daquele rosto, as únicas formas lembradas
São o espelho gasto de onde tudo brotou
Como aquelas rosas que o jardineiro amou
E cujo perfume agora são águas passadas

Serpenteando de forma mansa e reluzente
Ficando presas na terra pouco a pouco
Elas são a única e trágica beleza inocente

Que neste inglório local se faz presente
Como prova da dor de um homem, quase louco
Que amordaçou um tal segredo tristemente

Rosa Alentejana Felisbela

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Coimbra, 29 de julho de 2016


A sonoridade da viola
acaricia-nos os ouvidos
como bruma envolvendo
a cidade, em cada canto
em cada abrigo

Soltam-se os pombos emproados
debicando as migalhas
de alegrias, de tristezas, de saudades
pousando nas calçadas
ou voando ao som das palavras

Juntam-se as capas negras
sobre os ombros de olhos cansados
que a noite foi longa
enquanto as vozes se afinam
quando passam casais de namorados

E o sorriso de cada passo
reverbera na gargalhada
da criança, do velho
para a foto que fica
para sempre
registada.

Rosa Alentejana Felisbela

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Constância, 27 de julho de 2016


No leito luxuriante
do rio confluente
de duas vidas
correm as palavras
da fonte
do poeta

e mais adiante
surge a relva revigorante
como semente
que a terra mima
rumo à felicidade
do poente

perfuma-se o ar
da cor verde
em vários tons
e as cigarras
segredam
sorrisos de verão

e o nosso beijo decalcado
de amor…lembra uma rosa
abrindo em botão
mas com asas de condor
vogando livre
na vontade
que conhecemos de cor!

Rosa Alentejana Felisbela

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Oração do meu olhar


Crepitam sonhos desfeitos
pelas paredes brancas
num ritmo infernal

alastram as labaredas
da raiva provocada
pela água menor de idade

queimam-se os verdes
aos gritos do cão
medonho

e cada arfar doloroso
é mais uma acha
para a fogueira

soltam-se lágrimas
da pele sequiosa
e murcha a força nos braços…

cada passo é pedra
rubra nas solas já mancas
de tanto correr

Quem me dera que chovesse
uma chuva de bênçãos
que circunscrevesse
os estilhaços das chamas!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)