domingo, 29 de maio de 2016

Lago


Há um lago manso
que beija as verdades secretas
transformadas em pedras
marcadas com o X da emoção.

A fonte sagrada brota de uma terra
abençoada pelo néctar que se entranha
numa ebriedade tamanha…que o simples
perfume comove
numa entrega pura, abissal…

Ele acerca-se do improviso profundo,
como negra sombra que renuncia
todas as chagas derramadas no mundo
e emerge a luz, qual tesouro
insubordinado, impregnado de ouro,
que reluz e seduz…

O seu sopro é nenúfar vadio
o seu amor provém do rio, o seu hálito
é narcísico embuste para enlouquecer!

E não adiantam as preces, os trilhos
ou as benesses emaranhadas
no visco escorregadio do musgo
pois, nada fica como antes…

Jamais correrão as águas iguais
num mesmo local. Jamais terão um som igual…

Candidamente afogam a sede
numa saudade monocórdica
delegando a sua semente ao doce salivar…
numa emoção total!

E o ciclo recomeça a cada monção
como se cada gota fosse concreta
e final…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sábado, 28 de maio de 2016

Amor ao poema


Uso as palavras como ponte antiga
para a benevolência
do abraço místico,

chave do feitiço inscrito
no sânscrito do olhar que trago
nas pontas dos dedos

E do cimo do ninho dos versos
esquecidos na torre mais alta,
construo a Muralha da China
em torno do coração,

como imperatriz dos sonhos
que domina os cinco elementos

E abro mão do poema
que voa cândido
ao teu redor…

Diz-me se não é uma prova
de amor!?

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Fado queixume do mar



Sabes, ainda sinto
a cicuta
do som da tua voz
em cada palavra escrita
na superfície das ondas
nessa cilada perfeita
da leitura do teu olhar

Ainda me sabe a boca
ao mosto do poema
embebido na ironia salgada
que arrastavas
na derme dos dedos

Em vão, vacilo, perante a história
cingida pela cintura
que a sintonia envolvia na vastidão
desse imenso soletrar

Salivo no rosto
o fogo posto
perante esse sabido
desgosto, tão ténue,
mas tão intenso
como a maré desse mar

Ah! Rugido das águas
de encontro às rochas
da desilusão tão certa
da desilusão tão dura
da descoberta
sedimentando sílabas
desgastando a ternura…

O teu poema é fado
perdido de tão encontrado
na orla do tempo
a vagar…

Emerge do sal e sobe
a amurada das minhas mãos concheadas
e lava o veneno das frases
que poluem as areias douradas
e salva o perfume
do búzio que escuto ao longe
num queixume
a naufragar…
a naufragar…
a naufragar…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 24 de maio de 2016

Vive ou deixa viver!


Anda, vem ver o sorriso triste
cavado no barro das margens deste rio de nenhures

O rosto é esculpido na lama profunda
que os seixos abandonaram

Anda, vem ver os olhos nublados
de mágoas, onde as nuvens largaram as demoras
gota a gota, como quem chora

Anda, vem ver as faces turvas de torturas
como lutas cegas das águas com as raízes das árvores
onde cada golpe é força que se escapa à tempestade

Anda, vem ver o vazio deixado no lugar do coração
que o frenesim do ninho extinguiu-se nesse meandro
sem asas da imensa solidão

Anda, vem debruçar-te sobre a ventania dos cabelos
que cada erva é vã na nostalgia dos regatos tontos
na verve da agonia por não compreendê-los

Anda, devolve as mãos quentes da epifania do sonho
onde as margens delineadas se expõem
como se o grito se quedasse no eco em constante fenecer

Vive, ou deixa viver!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 22 de maio de 2016

Prosódia


Clama o nome
no manuscrito envelhecido
das palavras.

Jamais se concluiu
o anagrama silencioso
dos versos encrespados
à beira dos lábios!

Nunca mordeu o fel
da sua própria prosódia,
mas ainda escuta
a pronúncia dos verbos frenéticos
da loucura
nos poros.

Gosta da morfologia
que adquirem as sílabas
murmuradas paulatinamente
ao ouvido,
quando se incorporam
na líbido do palato.

Mas, o tempo é o términus
da verdade compactada
navegando à bolina
numa frase por escrever.

Porque não rasga o paradigma
e cruza o portal do sonho?

Nem que seja para morrer
da síncope da consoante
cravada no coração
que continua a bater…

Talvez o sorriso nasça
na proa das ondas vocálicas
do olhar
e a sonoridade renasça
pela mão da ironia…

num discurso
onde a voz ativa
seja a luz de um novo dia.

Rosa Alentejana Felisbela


sábado, 21 de maio de 2016

Roca


Já não renasço
como outrora
em cada passagem do tempo

(adormeci o esquecimento)

Agora só remendo
os ciclos das estações
de mais um ano,
fio a fio,
na linha pobre e fraca
de cada entardecer

Já nem costuro
a tristeza às lágrimas,
nem bordo
o coração com ternuras

(tecido antigo da paixão passageira)

O ponto sem linha
foi colocado
nas cores que o fim merece

(beijo perdido no encanto que não há)

E eu sou pano cru
desbotado
de saudade
refugiada num mínimo dedal de amor

(um nó que evaporou no vazio)

E a minha sorte
fica na ponta da agulha
que fere
e sangra as agruras,
no balanço
da roca

que roda de dor.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Miradouro


Passam-me estradas
do lado plano da visão,
como se um miradouro
se apossasse das minhas vertigens
de poeira só.

Evito a borrasca do declínio antecipado,
embora algumas esperanças
se elevem com a neblina.

Celebro o corrimão de madeira nova,
talhado a tempo de voltares
e inspiro o perfume a luz e a mar,
um sopro de verão na deriva
do continente do meu corpo.

Seguro a gaivota d’ouro desse olhar
de menino de mel e,
uma vez mais,
embrenho os dedos nos degraus
dos acordes das ondas…

melodia abençoada nas minhas entrelinhas.

Nada perco no espaço periférico,
sempre que alcanço o abraço de nós,
um mundo de amar!

Rosa Alentejana Felisbela

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Inspiração

"Deixa que os grãos de trigo se ergam
numa ode à fertilidade das histórias
e ainda que as pétalas das papoilas se percam
no vento dionisíaco da paixão
mostra-me o reflexo da profundidade
das ondas e emociona-me a chuva
abraça-me o vento
e mata-me…
de talento!"

Rosa Alentejana Felisbela
(foto minha)

terça-feira, 10 de maio de 2016

Da imperfeição


Imperfeita é a mão marginal dos dedos que trago, onde a pena mais não é, que um final doído e doido da “menina especial” que um dia fui na tua, enlaçada nas letras, enlaçada nas prosas…

Imperfeito é aquele verso vertido no vale consciente da partida, por tão parcos caminhos de tão parca vida, por tão banal despedida encetada e antecipada pelos passos cansados…

Imperfeito é o choro, que chorando me chama para a velha chama de brasas ardidas, de cinzas derretidas, murmurando a nossa música, achada no crepitar da chuva que ouço nas vidraças de algum lugar…

Imperfeito é o pó que apodrece aos poucos os poros dos sonhos medonhos, sem sequer ver os pirilampos a brilhar na pobreza da lua, sem parcimónia, na penumbra crua, do quarto escuro de minha alma…

Imperfeito é o que sinto na solidão do soneto, na saudade secreta do terceto, ou no sonoro som da seta inquieta da prosa silenciosa que se assemelha à centelha vinda do teu sabedor saber…

Imperfeito é este esquecimento constante, que me aprisiona e dilacera o semblante, num ínfimo instante, num fino fio de fuligem cobrindo o rosto de negro sem luz, numa vertigem vã…fluindo para este papel.

Imperfeita…sou eu!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Estrelas cadentes ou sombras


Por favor, silencia essa luz que trespassa
palmo a palmo, do corpo à alma madura
e não me quebres a solidez da armadura
se não trouxeres a música que não passa

se não desfizeres o nó, o feitiço que enlaça
cada poema…Como saberei dessa procura
presente nos astros dessa tão longa lonjura
se cada estrela não marca o sinal que traça

numa constelação definitiva, numa lua aluada
ou numa qualquer via láctea, ou na estrada
submersa por tantos tormentos, tantos ventos

enquanto se juntam, de novo, os elementos
trazendo-nos o alento da sorte esboçada
em cada palavra anelada, amarrada…rimada

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 8 de maio de 2016

Mutismo seletivo


Mordo este mutismo seletivo de frases inacabadas
nas palmas das minhas mãos
e com cuidado, separo o grito aflito da navalha
acobardada
cortando cada pedaço de cicatriz cravada na solidão

sangram-me os verbos, doem-me as penas,
falta-me o hálito segredado
e fustiga-me esta ternura insone que me agrilhoa o pensamento

desbrava-me
silente
num desencantamento que me invade

mas tu vens, chegas de mansinho num poema,
desces os degraus do viço e enlaças-me
num abraço

inspiro ferozmente a amargura das lágrimas
e sobre as pedras, já gastas, de tão puídas
pelos meus pés,

coloco a missiva dentro da lâmpada
aguardando-te, Aladim na minha previsão,
que passes a tua mão no desejo

e descortines, de vez, a presença do sol
que tão bem conheço nas veias
num tartamudeado rubor

quando a frescura da primavera se levanta,
escondida há tanto tempo nas atípicas monções,
na missão cumprida em meu louvor

sinto-te sobreiro profícuo no teu versejar
atónito, nas sílabas saborosas das folhas
e até na cortiça dos lábios suaves…

magia da lavoura das letras que me fazem
curar o sonho de “Bela Adormecida”
ao picar o dedo na roca da paixão desmedida

sou a terra das frases
o barro das palavras, o húmus das raízes
o sol abrasador ou a chuva de gotas felizes

caindo mudas nas metáforas que digo

que dizes!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Vanidade ou encriptação (espelho d.arte)


Disseste que a brisa tornaria a soprar melodias belas perante o luar da meia-noite…e eu, para voltar a ouvi-las, parei a respiração… disseste para colocar os olhos sobre as colinas, para não perder o rumo…e eu esculpi a bússola e esperei…disseste que todos os eucaliptos voltariam a ter folhas e a perfumar mesmo sem a tua tez, e eu guardei-a no búzio das águas, num remanso só nosso…disseste que Chronos, embora implacável, nos devolveria a esperança nos girassóis das nossas bocas, e eu virei os olhos para nascente numa promessa de verão…disseste que a sede seria o sofisma dos corpos num encandeamento suave das salivas, e eu bebi os beijos…disseste “dá-me tempo” e eu tirei os ponteiros ao relógio e dei corda à imaginação…disseste que a amizade seria o pináculo, a luz presa ao sul da saudade,
não que era a caverna escura a pulular dúvidas em cascata na vanidade de contact(arte)…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 3 de maio de 2016

Decifro-te


Perante o tempo vagaroso burlador
Quedo-me branda num lento burilar
De versos cândidos para o teu olhar
Quando vestiste outro papel de ator

Noutra vida, noutro teatro, noutro lugar
Mas, decifro-te céu poético, o confessor
Do meu pecado, no que tens de melhor,
As letras inquietas num terno fervilhar

Moldando o barro da arte sem pressa
Dando forma fidedigna ao silêncio macio
Como artesão sábio que tudo começa

Para depois te tornares verso do tal rio
Voltando ao mar com a serena promessa
Inspirando trovas, odisseias, num eterno estio…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Agressão


Já não tenho a metáfora
mareada
no meu mar de ilusão
que pulsa

Já não me cala o espanto
na prosa
verbalizada
que vende a vontade avulsa

Golpe de sorte nas águas
que correm
solitárias
entre a gente que recusa

outro golpe na alma aberta
à maldade
à incoerência
que causa repulsa

Somos fogos acesos
ao vento
e basta uma brisa
mais forte, difusa

para apagarmos o sonho
e morreremos
na agonia
de uma sorte perdida
e reclusa

Por isso, não quero
a indiferença
prefiro a rebelião,
mais vale quase nada
do que a eterna solidão!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 1 de maio de 2016

Minha mãe


Tens as mãos abertas em botão
Sempre que as lágrimas mergulham os meus olhos
Bebendo deles a sede…

Tens as palavras certas no abraço que te habita
Sempre que o sono vagueia longe
Do teu porto seguro…

Tens a certeza que cura a minha febre
No prato quente do carinho que me cobre o coração
Em dias amargos de temporal…

Tens o alento que me inunda a alma
Em dias frios, como se o teu colo fosse a lã
Que envolve o casulo da minha pele…

Tens a paz tranquila nos cabelos
Já brancos de tanta labuta, e os segredos
Dos campos no olhar da natureza…

E não há “moda” mais bonita
Que o teu riso de alegria, quando ouves a voz amada
No “alto” que nos une, quando o “grupo” por nós passa…

Minha mãe…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)