sábado, 31 de outubro de 2015

Imortalidade



Há uma promessa de natureza viva nas asas da fénix que nasce todos os dias enquanto houver esperança naqueles que são vindouros. Há um ritmo próprio de voo, que cruza os céus numa volúpia impenetrável a olhos vistos, enquanto um rito camuflado de serenata à luz da lua cheia se espalha pelas penas prateadas. Há uma asa quase quebrada que se renova através das contingências que moram na obscuridade do interior, mas que se alimenta das memórias adocicadas pelo mel do entardecer, enquanto o sol derrama a sua paleta de cores na pele dos montes poentes. Há um presságio de fogo num piar longínquo, que acorda as labaredas desde a quilha até à tertúlia de um coração moribundo. Esse que acorda o grito de desejo de viver. Há uma força inquebrantável nas garras da vontade férrea, dourada, brilhante, num ciclo de vida composto por letras amáveis na combinação do bem-querer, que jamais expira, e só nos faz crescer. Há uma pira acesa com os ramos de canela, sálvia e mirra perfumando as horas e as demoras mornas, quando os olhos entristecem. Mas há a piedade encantada na enciclopédia dos versos por escrever, nos sonetos por interpretar, nas odes a Ícaro ou nas orações a Hermes, para que nos encaminhem mensagens. Há no íntimo uma virtude que nos impulsiona. Há um voo pautado agora e para sempre no ninho onde mora a existência, cujo rumo é pensado à imagem da inteligência inscrita numa plumagem bela. Essa que nos torna reflexo do sol, enquanto a felicidade na alegoria perfeita da conexão é o símbolo que envolve a liberdade onde a partilha irá sempre…reviver! Porque é preciso amar. Porque não esquecemos o amor. Porque o amor há de vencer.

Rosa Alentejana Felisbela
31/10/2015
(imagem da net)

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Diana


Quando o tempo se esconde
nos ramos da hera que sobe
sem cessar
e as ruas ficam nuas de ti…

a algazarra das folhas
recolhe-se no último
suspiro do dia
antes da chuva chegar
e eu… vagueio perdido…

perdido
da brisa da tua pele
do perfume das tuas mãos
com a boca salivante
do teu beijo…

sou banco solitário na rua

órfão da tua sombra

mendigo da tua voz

tenho ganas de subir
ao último ramo e gritar,
gritar, gritar o teu nome
até que o frio queime
as minhas mãos
e eu caia sem forças

porque te sonho
porque te desejo
porque te escondo
no meu segredo

e cada palavra venera-te
e pertence-te como tatuagem
numa folha de papel
branca como a tua pele
de anjo
nesse corpo de menina

minha deusa Diana
caçadora do meu coração
malícia casta em tons de mulher
veste-me a tua força
para um dia..te ter!

Rosa Alentejana Felisbela
27/10/2015
(imagem da net)

domingo, 25 de outubro de 2015

Lugar nenhum

MOTE XXX:
"Arranca metade do meu corpo, do meu coração, dos meus sonhos. Tira um pedaço de mim, qualquer coisa que me desfaça. Me recria, porque eu não suporto mais pertencer a tudo, mas não caber em lugar algum."
______________________ José Saramago

Lugar nenhum

Perdida da tua metade, julgo escutar ao longe a tua solidão. Ela arrasta-me entre a multidão. Fere-me entre as pedras plantadas por uma sociedade que não fica feliz com a nossa alegria. Maltrata-me as palavras doces, esmaga-me as horas e pisa-me despudoradamente para me fazer sentir um pássaro preso na sua gaiola. Algures, entre a corda e o pescoço existe uma nuvem escondida dos olhares alheios. Apenas o seu algodão amacia a minha forma de redigir os sonhos e me recorda o trejeito que fazem as tuas sobrancelhas quando me olhas, ou a forma como os teus lábios se movimentam quando verbalizam o meu nome, até a postura exata da tua cabeça quando nos abraçamos. Podemos ficar longe durante uma vida, mas saberemos sempre de cor cada concavidade e a medida exata das nossas mãos entrelaçadas, o perfume que tem o cabelo do outro, a palavra calada no olhar quando nos amamos, inclusive a maneira como respiramos os segundos no mesmo ar rarefeito. Sem dúvida seremos sempre inacabados enquanto estivermos separados. Por isso, peço-te que me recries. Que me alcances na esquina da frase onde te venero, na orla do istmo onde abundam as reticências, no meandro percorrido pelo texto amargurado, mas colhe-me como rosa, orvalhada pelo choro copioso da manhã, ao cadafalso desta sociedade mesquinha. Planta-me no solo fértil da tua terra e rega-me todos os dias para que nunca morra. Eu prometo perfumar todos os teus dias. E enquanto não chegares sinto que não pertenço senão a lugar nenhum…

Rosa Alentejana Felisbela
25/10/2015
(imagem da net)

Segredo de Zeus


Quisera que fosses Zeus na sua infinita sabedoria
Para que comandasses as nuvens e nos ocultasses
Por um minuto, por uma hora, por apenas um dia
Por trás da bela nuvem dourada e me acordasses

Eu espalharia o azeite ambrosial nas minhas faces
A cinta de todos os encantamentos em mim colocaria
Para o leito de flores de lótus deixaria que me levasses
Enquanto o meu corpo, de gotas reluzentes, brilharia

Seria etéreo o perfume dos teus lábios em profusão
A espalhar-se sobre a minha pele em terna libação
Ao vinho do prazer que tão doce e lentamente sabes

Beber e doar aos meus lábios afagando-me o coração
Tornando-me a única, beijando-me o rosto e a mão
Numa magia segredada para, a ninguém, revelares!

Rosa Alentejana Felisbela
24/10/2015
(imagem da net)

sábado, 24 de outubro de 2015

outono primeiro


Este é o outono
que visto
à luz do sol das tuas palavras
exposto ao poema
da tua pele

Enquanto o vento
matreiro
acolchoa o pensamento das ruas
com as primeiras folhas
quentes de amarelo ardente
caindo salpicadas de saudade
a chuva molha a manhã
das lembranças
e o cheiro a terra abre
os suspiros que te sussurro
embrulhados no meu olhar…

mistério declamado
sob a efígie da tua voz
em nuvens inocentes
que me permito
sonhar.

Rosa Alentejana Felisbela
24/10/2015
(foto de Truko Kanto)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Anjo



Meu amor, canta-me a canção
que o teu olhar insinua
que eu prometo desvendar
os segredos do sol e da lua
com as minhas mãos másculas
ansiosas pelas tuas…mimosas
e puras!

Meu amor, senti-me tantas vezes
perdido no cavalgar dos teus desejos,
como se cada pegada me privasse
dos teus beijos
da tua fome do meu peito
e só me trouxesse
dor…

Meu amor, no sobressalto dos teus seios
onde me perco nas delícias
e anseios
sublima-se a minha boca desvairada
em soluços de harmonias
desregradas…

Meu amor, nas curvas dos teus montes
de Vénus…nos teus vales convexos,
onde a alegria poisa e a vida se liberta,
existe um pedaço de céu
onde os nossos sexos
descobrem uma vontade
concreta!

Ah! Meu amor…minha pérola encantada,
descobre-me e lê-me na toponímia
do espelho que nos une
abraça-me enquanto é tempo
dá-me a mão e sigamos juntos
a mesma estrada.

Rosa Alentejana Felisbela
23/10/2015
(imagem da net)

domingo, 18 de outubro de 2015

Desflorar de nuvens



Existe uma quase-morte
nos beijos que o vento deposita
nas folhas alaranjadas

Existe um quase-amor
na valsa que a chuva mima
em torno dos ramos da árvore

Existe um quase-gemido
no ranger do tronco nodoso
forte, como os braços amados

Existe uma quase-excitação
na raiz de cada árvore
pela água que purifica a seiva

Existe uma quase-carícia
no perfume da terra
quando a chuva cai sem dó

E existe uma quase-tentação
de voar com raízes rumo
às nervuras do sol quando
as nuvens se desfloram…

Rosa Alentejana Felisbela
18/10/2015
(imagem da net)

sábado, 17 de outubro de 2015

Voo comum


Chove nesta manhã de sábado. Mas chovem alegrias de regressos ao lar que o coração engendrou para nós. Somos o fado abençoado pela música que a chuva canta sobre as vidraças. O hino que o parapeito sopra ao tamborilar desenfreado pelo vento. O chapinhar que se move ao ritmo das rodas dos carros ao longo da rua deserta de transeuntes. O destino que brilha em cada gota na metade que deixou de nos pertencer. E sabes a razão? O meu abraço reflete o teu quando o frio chega. O meu sorriso completa-se na tua boca ainda trémula da saliva comum. Os meus lábios têm o sabor dos teus sabendo o mesmo segredo. A minha pele respira na tua há tanto tempo que a sudação sabe os locais certos por onde deve correr. E o meu olhar tem a hora exata de convocar o teu para a familiaridade, pois obedecemos ao mesmo impulso de estar juntos. Somos o novelo colorido a duas cores que a fortuna enovelou e que a vida desenrola nas mesmas mãos, qual Penélope, no sentido do relógio. Porque este amor reclama o seu jardim secreto, qual tapeçaria na parede do nosso quarto, exposto às bátegas desta chuva de carinhos e saudades. E o perfume…ah! O perfume pousado na pele abre as asas no voo que tão bem conhecemos!

Rosa Alentejana Felisbela
17/10/2015
(Imagem da net)

sábado, 10 de outubro de 2015

Água


Estou consciente da chuva que cai serenamente
No meu chapéu negro, negro como a noite cega
Mas, são essas mesmas gotas sinónimas da rega
Que a vida necessita para brotar da sua semente

Aquela água que a tristeza encerra e até carrega
Também transporta o fruto farto na sua corrente
Ela mata a fome e a sede aos seres tão-somente
Enquanto o Homem, eterno descobridor, a navega

Já eu carrego as galochas vermelhas e lustrosas
Símbolo de alegria e divertimento contagiante
Pois adoro correr pelas ruas e saltar nas poças

Sou só criança pura no meu ritmo alucinante
Tão preso à pressa da certeza das mariposas
De quem vive a vida e devora cada instante!

Rosa Alentejana Felisbela
10/10/2015
(imagem da net)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Vinho


Mansamente te recordo
por entre as sombras das parras
maduras
pelo sol a pino

sobre a pele, acelerando-me o sangue
carregado de ternuras
inspirando perfumes
e poemas
deleitando-me os sentidos
em doces branduras

marejando-me a língua
com o teu português
de delícias
nas uvas dos teus lábios
que vou mordiscando suavemente
embriagada
pelo álcool pleno de carícias

nos dedos a sensibilidade
dos magos
colhendo os cachos sapientes
matando e morrendo de saudades
nos bagos ainda
quentes

Recordo-te de olhos vendados
na minha vida, minha sina
és a cepa mais robusta
que tocaram, alguma vez,
as minhas mãos de menina

casta guardada em tonéis
de esperança adocicada
pronta a verter no meu cálice
moldado

poema
prestes a explodir da garrafa
no som abafado
do meu fado

tu inspiras-me
só tu me invades
e me fazes
sorrir!

Rosa Alentejana Felisbela
07/10/2015
(imagem da net)

domingo, 4 de outubro de 2015

Poeta: rei no jardim do seu castelo de ilusão


Atrai-me sobremaneira o malabarismo que as palavras assumem nas mãos do poeta. Elas deixam um perfume a sândalo e inspiração sem quebra de margens no vagar das folhas, como se a condução se devesse ao vento arruaceiro e não às mãos sábias e transformistas do homem! Amo o “flirt” entre o seu acento grave, atónito com a chuva de corações cor de romã madura, e o sorriso indecente na boca amada, como a doce marmelada das frases copiosas com as cores do fim da tarde! São efeitos visuais que o poeta, prestidigitador dos sonhos próprios e dos que o leem, consegue através da sua voz de jogral, empunhando a sua “Excalibur” feita de letras… Apenas ele destrói as armaduras de muros omissos, mais duros que o metal, e sobe os degraus como um conquistador destemido das mentes e grita: amor! Quantas vezes o poeta reúne as suas vivências em torno da Távola Redonda da sua maestria e rasga verbos proibidos ou acaricia a saga das consoantes como animais de estimação… Ele é rei que liberta a pontuação do jugo dos interlocutores, mas também alberga debaixo dos seus tetos o respeito pela “pirofagia” dos críticos de rostos carrancudos! Admiro esse poeta, saltimbanco de ideias, que caminha entre sonetos, quadras, versos soltos ou textos poéticos, tratando-os com a calma que o deleite de uma meia-lua insinua no seu peito…Ele é o eterno amante que não faz refém a palavra, mas que a liberta como pássaro no azul da simbologia. O poeta é o Eco de um turbilhão de ideias consecutivas no jardim do seu castelo de ilusão.

Rosa Alentejana Felisbela
04/10/2015
(imagem da net)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

É outono


Subestimei a árvore
que se desnuda inteira
por um rodopio de vento…
dei-lhe o benefício do rubor
colhido pelo tronco
numa fase de lua vermelha
e na dúvida
acertei no regato que corria
ali ao lado
desenfreado
por uma raiz astuta…
saltou-me o colorido das rochas
ao âmago dos olhos
e assim brotou o outono
de uma folha
a que chamei trovoada
no amarelo
que desbotava
o tempo!

Rosa Alentejana Felisbela
01/10/2015
(imagem da net)

Promessa de outono


Combinemos o preâmbulo, pouco ético, entre a chuva e a terra molhada deste outono. Na verdade, todo ele será poético, uma vez que se sente o aroma das madressilvas impregnado do hálito de Pã, enquanto Chronos converte o tempo em fénix renascida. Sabemos que, enquanto houver uma romã, os lábios serão o alvo frágil do mosto proposto por Baco. E que as uvas amadurecem a inquietação no sangue, e os trovões obrigam o céu a relampejar incessantemente perante as letras do nosso dicionário. Tudo o que observamos tem a forma de uma castanha ainda refugiada no seu ouriço, com o receio do contágio das gotículas que caem nas folhas abertas às cores do arco-íris. Também elas caem agora, perante as propostas indecentes de Éolo, murmurando a ladainha do vento que arrepia a alma, trazendo consigo o mesmo olhar e o presságio do doce de abóbora que combate as desilusões espalhadas pelo chão. O único consolo são as vidraças da janela, de olhos marejados pela chuva e encantados com o arrulho das pombas no fio dos telefones, apesar do pranto dos céus. Na certeza, porém, de que o Oráculo da natureza será preservado enquanto as minhas mãos puderem escrever uma única palavra de apreço ao prazer de beber um chocolate quente. Não existe caudal mais lindo e puro do que esse preâmbulo aberto às palavras de um poema por nascer…uma promessa!

Rosa Alentejana Felisbela
02/10/2015
(imagem da net)