domingo, 22 de novembro de 2015

Travessia


Imagina um mundo sem mim agora
Sem a minha caligrafia carregada de noite
Sem as minhas palavras negras de ébano sombrio
Sem as minhas sílabas de profundo silêncio e tristeza
Continuarias a comer o sol com a mesma fome?
Deleitar-te-ias na dança das estrelas cadentes?
Comporias a melodia do sonho da mesma forma?
Ou romperias o peito com mãos de aço
numa dor lancinante e cruel?
Gritarias o meu nome num segredo sagrado
ou ressoarias a palavra cor de rosa aos quatro ventos?
Porque as cores são de cinza na fogueira
semiapagada do fogo posto no horizonte
Porque o eclipse dura só mais um minuto
Porque sol e lua estão a um passo
do abismo que é jazigo ou cama
Imagina o coro celeste sem voz nem ousadia
nessa travessia do rio da vida…

22/11/2015
Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Aqui jaz...


Às vezes caem-me sorrisos das mãos
quando sei que não vens ver-me

Não sei bem se é o fogo do nascer do sol
a queimar-me as pálpebras
ou se são as lágrimas a teimarem em cair

Sei apenas que amanheço
e ao longo do dia esqueço-me de viver
porque explodem solidões aqui tão perto…

Ouço-lhes os gritos funestos
e nada posso fazer…apenas escuto.

Já perdi o norte da voz amiga
por entre as músicas que tocas sem parar
e que escuto através da janela aberta

Já não sei que perfume têm as tuas mãos
ou se sabem a beijos ou à última bala
cravada no meu coração

Já não procuras a fogueira acesa do meu sorriso
e não atiças aquela gargalhada na minha escuridão
de barro (quebrado)

Desconheço as rimas dos teus passos
na calçada do dia-a-dia
e ignoro os nomes das ruas por onde passas…

Entendo todas as letras que a distância deposita
paulatinamente nos degraus da minha moradia
mas não percebo de que é feito o vaso
perfeito do amor…

Creio mesmo que plantaste uma rosa de plástico
junto ao pontal da tua praia para homenagear
a melancolia

É de pedra escura a epígrafe que escreveste
na sepultura do terror:
Aqui jaz um grande amor.

Rosa Alentejana Felisbela
19/11/2015
(imagem da net)

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Acorda-me!


Sempre que escuto os gritos abafados
de crianças desamparadas na lonjura,
arde-me o sono. E a busca da ternura
transforma-se em sonhos almejados.

Remo com raiva a favor dos indignados
e alta apatia desequilibra-me a procura
por um só bocado de felicidade que cura
nesta marcha lenta com os desajeitados.

Os pesadelos erguem-se ainda maiores
que a resiliência. E a náusea revolta-me
as entranhas negras em espirais de dores.

Sinto-me monstro estático… Acorda-me!
Antes que novo dia nasça com dissabores
e mais uma lágrima inocente se derrame!

Rosa Alentejana Felisbela
17/11/2015
(imagem da net)

sábado, 14 de novembro de 2015

A cor do nosso amor


Azul é o céu onde desbravo as nuvens
onde recorto os raios do sol
onde te leio a falta que te faço
nas folhas escritas que o vento leva

Azul é a água onde navego os sonhos
onde ouço as palavras dos peixes
onde soletro a profundidade da saudade
e bebo a felicidade do teu afeto

Azul é o verão das minhas faces
onde carinhosamente me beijas
onde encantas as fantasias ternas
nas almofadas do algodão das tuas mãos

Azul é a certeza dos teus braços
onde me envolves num emotivo prazer
onde a idade morre de tanta emoção
por nada mais existir além de nós dois

Azul é a migalha, o grão de pó, de alegria mágica
que nos ampara e mantém unidos na via láctea,
apesar das esperas, apesar das lágrimas,
num límpido e sincero amor!

Rosa Alentejana Felisbela
14/11/2015
(imagem da net)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Náufrago de palavras



Há um sortilégio escondido
no romantismo das palavras:
e as borboletas voam de dentro de nós
em enxame
na direção do mel dos nossos lábios.

São palavras que nos beijam
na suavidade das águas tranquilas
dos pensamentos,
espelho do amor correspondido
entre a pele e as mãos.

Elas provocam o flutuar
inocente
das nuvens de algodão
na superfície calma da imaginação
e eclodem ambrósia
nos dedos do poeta
como brisa profética.

Envolvem os cabelos na lavanda
do anúncio da madrugada
e com ela o salivar
doce
das cores do sol nascente…

Rasgo de saudade aberto de par em par.

Sumaúma brotando sílabas
de um horizonte vago
onde as folhas de papel
se esvaem preenchidas
de poemas
para os olhos amados.

Porém,
acordam as agruras do passado,
mas triunfam num abraço apertado
partindo como cristal
em mil cacos
a solidão.

Delírio de um náufrago
que continua a sentir
o espanto
do mergulho profundo
rumo ao farol da salvação.

Rosa Alentejana Felisbela
06/11/2015
(imagem da net)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Medonho


Enquanto as vidraças da janela
esmorecem de lágrimas copiosas
o meu ar rarefaz-se de poesias
e a pele fica eriçada como
os espinhos das rosas enganosas

Presságio magoado da manhã
nascida para sofrer
na boca um breve adeus
no negro da noite do meu viver

Peço-te só que acendas os olhos teus
para me guiarem nesta escuridão
e coloca a nossa música a tocar
nos teus pensamentos
para silenciar
em paz, o meu coração

Peço-te só que guardes as palavras
nesse baú de ébano a ferro forjado
porque estarei surda para o som
do timbre de anjo
que a tua boca canta no meu fado

Peço-te só que cubras com o véu
da chuva as preces que te quero fazer
pois todos os meus desabafos
contá-los-ei à terra
quando ela me receber

Estou mais perto da cova aberta
a cada hora gasta pelo meu relógio
dou um passo e caio nessa valeta
e nada faço para me erguer

Já o meu corpo em desânimo
adormece por entre as raízes
que me agarram e me amarram
num ninho que me enregela
num frio moribundo
quando a força se esvai…

E a chuva e o barro
cobrem a minha vida
de uma solidão medonha…
e não há ninguém para me aliviar
e não há ninguém para me ajudar
ninguém que se interponha
entre a morte e o meu pesadelo.

Rosa Alentejana Felisbela
04/11/2015
(imagem da net)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Louvor



Como se cada estrela fosse o cometa
Que marcou esse encontro entre nós
Numa lua distante de luz tão encoberta
Tão povoada de sonhos, eu e tu tão sós

Como se a estrela fosse a flor completa
De uma qualquer canção de doce voz
Entregue pelas mãos do meloso poeta
Que és tu, derramando versos na foz

Dos meus lábios, perfumando o meu ser
O meu céu, em balsâmicas rimas de amor
Que aqueceram e te afloraram o enternecer

Num afago brilhante de que foste detentor
Porque me amas e te amo sem entender
Com’um encontro pôde ser digno de louvor…

Rosa Alentejana Felisbela
03/11/2015
(imagem da net)

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Alea jacta est



Contraíram-se ideias de encontro aos muros do crânio cravado de memórias amarradas, entrançadas ao visco da imposição socialmente aceite. Veneno moldado por mãos alheias que carregam o esquema rimático imposto por uma rima sem ritmo, por aliterações segredadas às paredes caiadas de sonhos, vendados por beijos claramente eternos. Marginalizados pela boca, retraem-se os suspiros em metáforas apaixonadas pelas rendas da liga da dama de copas, enquanto o ás de paus repete a onomatopeia das folhas em queda por uma chuva de carinhos deliciosos. Ambos personificam o tom clássico de uma redondilha de amor maior, um poema decassilábico com sabor aos sonetos de Camões, um toque de rima livre de Joaquim Pessoa, uma letra de música romântica de Pablo Alboran, ou mesmo as notas musicais das “Quatro Estações” de Vivaldi. A repetição é tudo o que pedem, mesmo sem o refúgio dos recursos estilísticos, porque a imaginação é tudo o que têm, e a ferocidade da escrita leva-os mais além que as pontes, mais alto que os céus e mais fundo que qualquer oceano. As ideias borboleteiam agora ao ritmo da sensibilidade à flor da pele, numa primavera terminada com o germinar do alaranjado do outono. Quem pode negar que a beleza se encontra no horizonte onde dois amantes se encontram, seja em que estação for? Cada frase é lençol em branco na caligrafia dessa intrincada sensualidade a que se sujeitam as glórias dos sonhos, desprezando os sinais de pontuação a que o português está sujeito. Porque nada mais existe, além da cama desnudada e da ternura partilhada entre dois corações que rimam apaixonadamente. Salvaguardemos ainda a técnica de diálogo perfeito onde os travessões se impõem na maior harmonia, sem reticências ou et caetera(s). E o final do jogo? Alea jacta est…

Rosa Alentejana Felisbela
02/11/2015
(imagem da net)