segunda-feira, 25 de julho de 2016

Monotonia


Acende-se o farol da manhã
Cobrindo o manto de flores
Despertam os primeiros atores
Para a batalha diária e afã.


Sentem-se reis e senhores
Do seu destino e do seu clã
E a vontade que nasce sã
Valoriza sonhos e dores

Bocas bocejam, o barulho
Dos automóveis no asfalto…
O mundo, um monte de entulho
Que os toma, assim, de assalto

Passam rostos desconhecidos
E o cheiro a croissants e café
Devolve forças, um pouco de fé
Aos que parecem não ter destinos

Edifícios antigos, o homem comum
Se confronta em olhares furtivos
Numa tristeza de concretos vivos
E o tempo devorando um a um.

Meninos que correm descalços
Sobre as calçadas de pedra dura
A falta de amor, um pouco de ternura
Em repreensões e em abraços


Feito um mecanismo imutável cai a tarde
E com ela mais um dia da vida humana
Que regressa para seus lares, sem alarde,
Desejosa de descanso, isenta de gana.

Finda-se finalmente o sol e a monotonia
Uma estrela acende o véu da noite
Como uma solidão que se acoite
Nos braços da Lua à espera de um novo dia.

Rosa Alentejana Felisbela e Gyl
(imagem da net)

domingo, 24 de julho de 2016

Fé abalada


Em tempos de pobreza de espírito
grassam dúvidas nesta existência
e por boa que seja cada experiência
falta aquela fé no ato vivido, descrito

Na falácia esconde-se benevolência
e cada um mascara o que é interdito
acreditando que tudo, tudo é bendito
esquecendo a própria consciência!

Precisamos repor a perdida confiança
em Deus, nas orações e na nossa verdade
essa, que nos remeterá à bela herança

das Escrituras que preveem a amizade
o amor ao próximo e a paz, e na lembrança
acreditemos em nós e retomemos a serenidade.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Mnemónica


A sós com as gotas de orvalho, abertas à madrugada, sintonizei a memória com a onda da última palavra do dicionário de um olhar…música fadada para a saudade do abraço. A brisa silenciou os acordes das fábulas cobertas de escolhas, pousadas sobre as pétalas da rosa em botão e, no rodopio do ar, emudeci o fragor dos rios que o costume traçou. A indiferença revelou-se pecado mordido na maçã-de-Adão. Ainda repito a mnemónica aprendida por força do orgulho, para não esquecer que o talento não chega para ser atriz. E atiro-me da ponte suicida do nascer do sol ao voo que abre a palavra boreal para um novo poema, enquanto a rosa perfuma os meus sentidos…

Rosa Alentejana Felisbela
(foto minha)

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Desertor


Meu amor, que ao Alentejo vieste
pousar, na seara, olhos sagrados
contempla os campos magoados
p’ las espigas d’ ouro que trouxeste…

De mãos serenas, semear vieste,
est’ Alentejo de segredos e danos
Observa o peso pesado d’enganos
e estes campos que entristeceste!

Sentiram os cardos cravados na retina da terra,
a secura do vento agreste, mas tão abertos em flor
julgaram, por um momento, ser a sorte divina qu’ encerra

ter teus olhos pousados na íris de tanto amor…
Mas cegos de sede e sombra, nas trincheiras da guerra
com o sol, viram-te partir como infame… desertor!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


sábado, 9 de julho de 2016

Ébria de poesia


Fiquei neste cais vinhateiro
à beira das palavras revoltas
como ondas
em dia de temporal,
e as sílabas de gaivotas (tontas)
gritaram de saudade atónita
no meio do vendaval.

Os meus olhos embateram nas rochas,
como muros construídos à poesia,
e ainda agora a água,
salgada de sal,
me arranha a pele
do nascer ao fim do dia.

Se a coragem destas letras
me emergisse do mar profundo,
não haveria prosa nem verso
que não fosse o farol do mundo!

Sou a deriva da falésia
onde convergem sonhos
de brancos barcos,

a vela solta que entontece
com os nós do quotidiano
em acentos tónicos e laços lassos…

Sinto a humildade das quadras
na humidade da espuma
que me beija a planta dos pés
e as palmas das mãos como nuvens
de sumaúma…

Mas hoje irei soltar o meu melhor voo
desd’este cais transversal ao mar
e vou rasgar as nuvens do palato
num paliativo planar entre palavras afiadas
pelo silêncio e o pensamento abstrato

e por fim…

sussurrando indecências
ao sol cinzento da chuva
saciarei com paciência
a fome de um poema
no brilho casto
de uma uva.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 5 de julho de 2016

Falha na erupção


Era o tempo das rochas rubras
em ponto de lava incandescente
que ao simples impulso da terra
vertiam o salivar das águas
numa pulsação rara
das caldeiras dormentes

e os montes inexplorados
deitados sobre vastas planícies
desbravavam caminhos
por entre leitos, deleitados
com as margens viçosas
afagando os braços dos rios


e os pássaros aguardavam
a explanação
convicta da adocicada foz
na pequena nascente de verbos
qual peixe rio acima
contrariando a corrente da voz

somente as guelras
respiravam o oxigénio das membranas
e transportavam as sílabas ao sangue
numa viagem em que as escamas
se importavam
com a cor do dia

e as letras, alertadas
pelo mergulho varonil da cinza vulcânica
explodiam águas subterrâneas com sabor a emoção
volátil, como o ar, como o solo,
como um coração extinto agora,
numa falha na erupção.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 3 de julho de 2016

Promessas


Raiam promessas nas paredes brancas
e esta incompletude da casa cercada
de tanto crepúsculo, a sede encerrada
qual casulo de palavras vagas, francas

bamboleando a cortina à janela sonhada
num conto intenso pelo vagar das ancas
fechando vontades com todas as trancas
perecíveis num gesto de ternura adiada

e o teto abrindo a claraboia ao luar
de dentro o melhor surgindo por magia
como chaminé erguida para respirar

divisões concertadas em todo e cada dia
num pouco de céu, num cheiro de mar
à benesse da mudança, à doce empatia

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)