quarta-feira, 20 de junho de 2018

Perdidamente

A tarde corria mansa, descendo os degraus do por-do-sol. Uma brisa cálida roçava ternamente as faces da menina de 10 anos. A barragem gemia, num pranto arrepiado, a sua melancolia. A saudade movia-se com ares de superioridade, e quem sabe, até de alguma perversidade, nas suas engelhadas memórias: as faces coradas de vergonha, as mãos trémulas, o coração a bater descompassado, e as palavras “és tão linda” a arranharem-lhe os pensamentos. Voltando de um passeio, o eucalipto depositara-lhe a sombra no banco e, delicadamente, perfumara-lhe o primeiro beijo. Foram tantos dias roubados, tantas palavras tocadas com a leveza de uma pétala quase adolescente. Julgavam-se invencíveis, os reis do amor mais alto e seguro. Mas, a distância interpôs-se entre eles e levou a melhor. ”Bem-me-quer-mal-me-quer” muito, pouco, nada… Agora, quarenta e três anos mais brancos em alguns cabelos, umas rugas mais vincadas nas faces, Linda descobriu o que havia de saber para sempre: nunca tivera ninguém que a fizesse tão feliz e tão triste, ao mesmo tempo. Nem uma vida inteira chegaria para suplantar aquele tempo em que não tinha que cavar a terra, nem tinha calos nas mãos, e em que era ela a planta verde a crescer. Linda sabia que nunca tivera sido tão bela como no tempo em que amara perdidamente.

Rosa Alentejana Felisbela
20/06/2018
(imagem da net)

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