domingo, 26 de março de 2017

diamante


Como é possível que uma gota de chuva
se revele um diamante?
Fácil, vejo nela o teu rosto e,
para mim, é preciosa.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


mudou a hora...


Estou a pensar em Chronos, esse implacável senhor do Tempo. Desde a nossa meninice que ele nos assombra. Quando as velhas da rua diziam “já estava no tempo do menino nascer…ainda não?” e lá ficavam as mães preocupadas…Ou, quando as crianças nasciam e não faziam o “que já estava no tempo” (quer fosse andar ou falar, ou outra coisa qualquer), era uma grande dor de cabeça! Depois de crescidos somos atormentados pelo tempo de estudar, tempo de acordar para ir a correr para o autocarro, tempo para os amigos…A seguir vem o “tempo de trabalhar, casar e ter filhos”, e depois o tempo de “envelhecer” e morrer. E se não me apetecer? E se eu quiser fazer do meu tempo algo anacrónico? Às vezes apetecia-me começar do fim, porque assim vivia em sabedoria no início dos tempos e voltava a ser inocente. Essa é a altura mais bonita. Aquela em que não precisamos de tempo para nada, a não ser para sermos felizes e sentirmo-nos amados. Queria muito “ganhar tempo” na lotaria! Queria tanto “aprender tempo” na escola. Quem dera gerir o meu tempo sem tempo… E se a vida fosse como a atual “carta de condução”, ia ficando sem pontos até me ser retirada? Assim já fico novamente a pensar…De facto o que eu não quero é morrer já, e a morte “é o que temos mais certo”. Portanto…vamos lá viver cada dia como se fosse o último e fruir o tempo que nos resta! Por exemplo: ficar perto de quem amamos por mais tempo?! Mais faz quem “quer” do que quem “pode”! (já diz o ditado popular) ;)

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net - relógio antigo de pedra)

quinta-feira, 23 de março de 2017

Igreja da Misericórdia


(A história da igreja é verídica, eu só arranjei as rimas para o programa da http://viseualiveonline.listen2myshow.com/ )

A Igreja da Misericórdia
É bem linda, por sinal
Mas não gerou concórdia
Quanto à função inicial

Para açougue municipal
D. Luís gizou a construção
Mas a beleza tão original
Ditou-lhe outra, pois então

Sabem que açougue era o talho
Para bichinhos esquartejar
A modos qu’ a coisa f’cou d’encalho
Até D. Luís ordenar:

“Esse edifício de pedra mor
Qu’eu mandei edificar
Mal empregado é no labor
De animais aí matar

Vai ser igreja da irmandade
Da Misericórdia local
Que Deus ainda há de
Achar qu’é pecado capital

Usar as arcadas tã manêras
Marcadas p’la verticalidade
P’ra prender as bestas entêras
E apois cortá-las sem caridade…

E as nervuras apoiadas
Nas colunas coríntias
Dã-me nervos sabe-las esfoladas
E podendo gerar angústias

Agora só lá quero o púlpito
Pr’ós sacerdotes falarem
Abençoando o espírito
Dos que lá se assentarem

E esqueçom lá a “loggia”
E as parecenças com Florença
Qu’agora é outra história
Vai ter outro tipo de crença

Que Deus abençoe os animais
O novo, o velho, o frade e o sacristão
E nem berros, nem balidos, nem ais
Nunca mais aqui s’ouvirão!”

Mal sabia o infante real
Que as suas nobres decorações
Iriam pr’ó museu regional
Causar grandes admirações

Mas a igreja lá ficou
Para a eterna posteridade
Cada pedrinha vingou
Terramotos, vendavais e até a idade!

É um emblema de racionalismo
Um exemplo d’ arquitetura
Do renascimento e maneirismo
Que até hoje lindo perdura!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem do Portal de Beja)

entre o sagrado e o profano


Bebo dos teus lábios as palavras
sábias
essas que dizes sem pudor
vertidas das tuas doces lavras
água benta que escorre por amor

Sinto-me sede do teu segredo
abandonada ao teu favor
e que sou tua companheira
a metade da tua laranja
em flor

Da tua costela sou a primeira
a tal doce insubordinação
colhida na tua granja, a maçã
trincada sem perdão

Sinto-me o teu poema profano
a “santa” do teu andor
desfiando pétalas de engano
num orgulho usurpador

nua de verbos me entrego
ao céu paradisíaco da tua boca
oração breve, cálice aberto
troféu escrito em voz rouca…
de amor!

Rosa Alentejana Felisbela




quarta-feira, 22 de março de 2017

fé fria?

Culto mudo
Chão sagrado
Respira-se respeito
Veneração

Altar puro
Imaculado
Murmúrio, promessa
Oração

Lápide fria
Inscrição antiga
Túmulo, escuridão

E o amor? no coração?

Talha dourada
Tilintar de esmola
Salvação

Sacrifício, pão e vida
E uma simples
Confissão

Sinal da cruz
Hóstia, cálice
Comunhão

Fausto embuste?
História? Milagre?
Religião?

Eucaristia, credo
Donativo
Perdão

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 21 de março de 2017

amor


Supremo o começo
revelado na reciprocidade
quando fica o laço...

Rosa Alentejana Felisbela

sobriedade


"Quantas vezes adormeço no casulo dos meus olhos
aguardando a transformação dos pensamentos
em asas cobertas de sol, cor e liberdade…

Embalo o coração numa morna melodia
e aconchego a dor aos ouvidos
enquanto me sobra um pingo de sobriedade!(...)"

Rosa Alentejana Felisbela

sábado, 18 de março de 2017

a vida


Os rostos são fonte
corrente e farta de vida

transformando-se em rios
sob a ponte da própria energia

espraiando-se por margens
solenes e montes tardios

desflorando horizontes
desfolhando troncos
e sorrisos frios

Sob os cabelos as plantas
as pedras presas
esperançosas
e brilhantes

e nas retinas a luz preciosa
do sol
a prudência, a paciência
a criação brotando, constante

e o coração singrando
na cordialidade do abraço
(ou do murro no muro, chorando)
compaixão imperiosa do laço
em capicua de roma…

somos tanto e natural
que cada um forma uma parte
da vida, crucial!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 17 de março de 2017

Loucuras


De vez em quando assolam-me loucuras, daquelas que deixam marcas, sem eu querer. Daquelas que me deixam a pensar se sou lida, se sou interpretada, ou se vale mesmo a pena estar ou ficar...Nessas alturas escrevo e fica a pairar a interrogação:

Loucuras

Há um desencanto
percorrendo a ladeira inclinada
do desassossego,
e uma lágrima de saudade,
lenta,
inclinando o momento esférico
para o canto do olhar.

E o soluço cândido,
escondido sob o rubor das faces
contraídas,
escala um sorriso triste,
nos lábios inversos
ao curso do minguante da lua
(maré aberta ao chegar
e partir do areal do rosto).

Só o momento ilusório,
criado pela derme algodoada
dos teus dedos,
florescendo ternuras,
consegue corrigir
a rota da corola labiada
dessa curvilínea flor,
onde um jardim confesso
brota
da gravidez rosada das loucuras!

Rosa Alentejana Felisbela

quinta-feira, 16 de março de 2017

emparedadas


Entre nós há um ciclo de palavras
emparedadas
aguardando um quebrar
de cal e reboco
para aparecerem
limpas da poeira do tempo:
para quando uma nova construção?
Celebrar a abóbada aberta
ao céu do amor
é adormecer no regaço do outro
e beber cada constelação
como quem aquece as veias
de mansas felicidades...

Rosa Alentejana Felisbela
https://www.youtube.com/watch?v=NA-lJAEmpWo&list=PL3xcb8_TbTXQuhlBbuhZ6ty-T9n9UhNu5&index=9

No castelo

(Um dos textos feitos para a rádio viseualiveonline lido ontem no programa "O canto alentejano")



A valsa acorda
ao compasso da lira
dedilhada pela magia
da dama loira
e a fogueira da pira
sagrada suspira
pelo toque divino

o chão de madeira
lustrosa, ardilosa
encerada rejubila
com o peso arrastado
dos passos enlaçados

e as damas embalam
o restolhar dos vestidos
compridos, armados
e os espartilhos
cingidos
reforçando a cintura
e o decote
num calor devastador
serenado pelo
leque num gesto
“coquete”

balançam a lisura
no rosto rosado
e risonho
e evocam uma candura
virgem
numa doce vertigem
num desejo
atiçado…

é então que o consorte
alimenta a fogueira
empunhando o archote

e na loucura do momento
envolve a dama da corte
rodopiando, elevando
o vestido
exibindo o galope
trotando a valsa
como alado servidor
triunfante

e perante a plateia
inalando o perfume
do lenço
-compromisso omisso
do sinal de amor-
acalma o tremeluzir
das velas ritmadas pelo coração
da donzela

como se o restante nas pétalas
das rosas das faces
da bela e
formosa dama
-sem pecado original-
se soltassem por fim
numa chegada de primavera
antecipada
num baile quase estival
no salão da cor do marfim
inclinando os lábios
num sorriso frugal…

Rosa Alentejana Felisbela
13/03/2017

quarta-feira, 15 de março de 2017

folha de papel em branco


Penso, porque não me escreves uma carta?
Pode ser uma daquelas ridículas, onde me contes se, quando a noite parte, sentes a minha falta no frio do nevoeiro do inverno, ou na intensidade da canícula…
Quero que me descrevas os sons do mar, partindo e chegando e se de mim te estás a recordar…
Conta-me do riso das gaivotas, soltas, na imensidão da sua liberdade, e diz-me se te lembras do meu sorriso na tua cumplicidade…
Sei das lágrimas das varinas devotas aos homens que foram navegar, mas desconheço se a minha ausência te faz chorar…
Descreve-me o pregão do pinheiral e o barulho da ladainha do vento, entre as pinhas, as fagulhas e a caruma nas manhãs repletas de bruma, onde os meus sonhos teimam em ir acordar…
Narra-me o ruído da madeira quebrada, nos troncos tontos de tanta memória e antiguidade, e diz-me se recordas as mãos da minha idade. Ensina-me o perfume da resina utilizada na pintura da tua alma, que desconheço a cor, mas que tanto me acalma…
Descreve-me qual o peso que tem o vento quente na balança da tua memória, ou se cada prato está já vazio da nossa história…
Mostra-me na caminhada das tuas palavras, se a subida íngreme dos nossos defeitos, e a descida a pique da razão, ainda escutam o repique do sino às aleluias do coração…
Descreve-me as calosidades das decepções e a morosidade das tristezas, mas mima-me as direções, para onde nos levam as certezas?
Funde as palavras envoltas no som doce da tua boca e sacrifica-as ao papel, quem sabe não entenderei se são feitas de fel…ou mel ou de saudade louca?
Escreves-me uma carta?

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

costurar da noite e do dia

terça-feira, 14 de março de 2017

ninho de palavras


Sei do ninho
de palavras
que nasceu à tua janela;
sabes do poema que criámos
a saborear os nossos olhares
através dela?

Rosa Alentejana Felisbela

Prisão ou razão?


Sentidos lavados
pensamentos arrumados
e a verdade nas extremidades
dos dedos e nas palmas das mãos

linhas cruzadas, enrugadas
as vidas e os tempos mudados
mas as mesmas realidades
impostas pelos universos vãos

Traduzo as curvas dos silêncios
e sigo ao ritmo das linhas retas
os tropeços, os desassossegos
e recomeços até às metas

se o que faz doer fosse
rasurado e reescrito no precipício
dos montes das mãos…

jamais desentrelaçávamos os dedos
saltávamos juntos, deixando
os medos

e a sina ficaria lida
numa escrita de constelações
-Nereida e Tritão dos oceanos
da ilusão- em céu perpétuo
sem prisão!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

casa habitada


Amo a soleira
da porta que pouco se
importa com a tua chegada
e amo o som dos teus passos
e ainda mais os abraços
e o hálito dos versos
da tua boca amada
quando entras e me tornas
a tua casa habitada

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 12 de março de 2017

Despedidas afetuosas


Estou a pensar nas formas que temos para nos despedirmos.
Antigamente havia a formalidade de “um grande abraço”, agora mandamos um “abração” ou até um “xi-coração”. O “com apreço” e a “estima” já viram melhores dias…Geralmente, quando o queremos fazer, mandamos, educadamente, “beijinhos” (ou jhns ou beijocas – que me parecem abreviaturas frias). E fica assim a pessoa a saber que nos vamos embora, mas que deixamos algo “nosso” para se entreter. Há quem goste de acrescentar (como eu) o “olha, gosto muito de ti”! Não porque fica bem, mas porque é realmente o que sinto, e os meus amigos de anos bem sabem que o faço sistematicamente, porque amanhã pode ser tarde e hoje faço questão de o dizer, para não perder a oportunidade. Depois, há quem se despeça com “adoro-te”, que no dicionário significa “prestar culto a…; ter muito amor”. Pois, a amizade também tem destas coisas, há quem seja tão amigo que “idolatre” o outro, pelo bem que lhe faz. Mas também há quem diga “amo-te”. Sim, porque há amor entre amigos, sem outras intenções! No dicionário está escrito que “amar é estar apaixonado”. Pessoalmente, só o digo a quem amo de verdade, a quem não resta a menor dúvida…Mas não resisto a dizer que amo perdidamente o meu gatinho branco – o Bimbo – que é um amor filial e não deixa de ser a minha paixão (sim, os animais também contam!). E agora despeço-me de vós com um xiiiiiiiiiii….coração!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


da vela

quinta-feira, 9 de março de 2017

chorada


Roseira rasteira
arrancada, arrancada!

Mãos firmes, de toldar
e urdir

Mãos de expor raízes
destruir

Mãos de roturas
rotineiras

A sorte rendida
chorada

traiçoeira.

Rosa Alentejana Felisbela
09/03/2017

domingo, 5 de março de 2017

métrica


Combinar o sujeito com o verbo
é sempre uma ocasião especial,
faz nascer o verso com a métrica
correta!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

tempestade de palavras


Hoje apetecia-me uma tempestade
de palavras na minha chávena de chá!
Beber palavras sinceras será considerado
"ludibriar" a razão?
Estou disposta a tentar
só para criar um texto preciso!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

bolhas de sabão


Soprar bolhas de sabão é fácil
mas manter o tamanho
sem rebentarem na cara
é mais complicado...
Gosto de as ver no ar
mas admiro-as melhor
quando as tenho na mão...

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

trilho


Fácil é sair do trilho
mas uma vez no caminho correto
uma promessa não chega:
tem que haver um compromisso
que mantenha as flores viçosas
ou não voltará a haver jardim...

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

transitivo


Tempo: verbo transitivo
na ausência do sujeito que
pode passar...a passivo!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sábado, 4 de março de 2017

branco


Que o branco seja o tom do discurso
natural de quem ama!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem minha)

fragilidade


Mareia-me a música
que tem a tua voz
escorre-me pelos poros
e derrama-se no delta da minha fragilidade...

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 3 de março de 2017

gestual


Hoje que o vento
abunda
no emaranhado
dos cabelos

e que os pensamentos
cruzados
causam às palavras
confusos atropelos

mimo o gesto
na língua

e crio, para ti,
um verso

para a tua boca
o digo, é com ela
que converso…

Rosa Alentejana Felisbela

(imagem de Santos Hu, 1955 | Surrealist painter)

quinta-feira, 2 de março de 2017

tempestade


Aproxima-se a tempestade,
mas o importante é a forma de abrir os braços
e dançar com a chuva no rosto...somos tão pouco
perto da dimensão da natureza.
O medo turva-nos a ação.
É preciso avançar!

Rosa Alentejana Felisbela
(foto minha)

caminhada


Quando cheguei ao último degrau,
percebi como é importante ter a tua mão
e a tua voz para me acompanhar. Dás-me a força
que preciso para a caminhada!

Rosa Alentejana Felisbela
(foto minha)

quarta-feira, 1 de março de 2017

poema dobrado em bemol


Queria transpor para o poema
a brisa
- o perfume do mar –

o cheiro da alfazema
e o vicejar
das margaridas

o ronco das paredes partidas
o grito dos telhados
em ruinas

o aperto das redes
e os sussurros dos tapetes
das colinas

o relincho do cavalo
liberto
bem perto da foz da ribeira

a experiência, o embalo
do abraço amado
-devaneio, tonteira -

a ternura do instante, a cadência
- sol girando
devagarinho, qual girassol-

como se cada palavra pudesse
imitar o desejo
e a urgência da natureza

ou o lirismo
lascivo do amor
- atalho, vereda, caminho -

e tudo transparecesse na clareira acesa
de um simples verso alexandrino
dobrado em duplo bemol…

01/03/2017

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)