sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Acordas-me


Às vezes apetece-me escrever-te desde a ponta mais sagrada dos meus dedos. Desfio cada fragmento de memórias e escrevo. Descrevo os suspiros entre as dermes, o rubor das faces afogueadas, o olhar penetrando as sinceridades e os dedos cruzados sobre os pensamentos mágicos do amor. Toda uma pintura de Klimt entre as nossas mãos. Recordas-te? O beijo eternizado no jardim aberto dos nossos peitos e o som crescente dos pássaros a roçar a orgia dos sentimentos abertos de par em par. E eu poetizando os nossos risos. E tu a quebrares as taças da alegria ao por do sol. Um momento feito de açúcar e canela na expectativa de um luar. Quando a lua sobe o monte despindo o véu do nevoeiro, reconhecemo-nos. Somos almas puras na constelação do porvir. Abre-se o sonho em mais uma noite de fascínio: aguardo que me venhas acordar na tua voz de desejo.

Rosa Alentejana Felisbela
30/11/2018
(imagem da net)

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Tanto


Diz-me do meu amor brando
a brisa soprando
entre as cortinas

lembra-me dos lençóis brancos
amarrotados
pela luxúria divina

e na fachada de azulejos
que reverbera
nossos toques e beijos

escuta o som do jardim
das rosas crescendo
dentro do peito

é a nossa casa de amor
suportando o calor
de quem se quer tanto…

Rosa Alentejana Felisbela
26/11/2018
(imagem da net)

domingo, 25 de novembro de 2018

Chuva


Corre um rumor
de trovão
pela via-férrea

um tremor
um grito

- o apito estridente-

E a dor e o torpor
da despedida
iminente

mas voltas sempre
com o abraço
e o amor

e o coração
que sente

é a chuva que traz
a pureza
à alma da gente…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Desistir é para fracos


O autoconhecimento deve ser a primeira premissa para agir de forma correta perante os outros. Se a autoestima denunciar alguma forma de medo, não é caso para desistir dos sonhos. Somos essencialmente humanos, e o medo faz parte do que é “viver”. Não como uma fraqueza, mas como uma defesa que existe desde os primórdios da humanidade. A pequena solidão que nos permite meditar sobre os factos deve fazer-nos companhia diária. Chorar é humano. Reinventar-se, reconstruir-se, seguir em frente estimula-nos a encarar os problemas. Ter dúvidas sobre a forma como resolvê-los é legítimo e torna-nos mais humanos. Dentro de nós há essa mistura a que chamamos “coragem” e que nos ajuda a curarmo-nos das feridas dos erros e a valorizarmos os acertos. Acertar na forma como procedemos com outro ser humano é uma questão de autoconhecimento e capacidade de nos colocarmos no lugar do outro. Desistir? É para fracos.

Rosa Alentejana Felisbela
23/11/2018
(imagem da net)

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

A alteração


O final da história...

O assistente operacional da Academia levantou-se da cadeira, assim que a Lena entrou. Cumprimentou-a com a cortesia habitual, e ficou a admirar as suas formas, assim que ela lhe virou as costas, a afastar-se para a aula de “pilates”.
Segundos depois entrou Carlos, com o seu saco de desporto, dirigindo-se aos balneários para trocar de roupa e encaminhar-se para a aula de “body combat”.
Ambos estavam desconcentrados inicialmente, mas com o decorrer das aulas divertiram-se e relaxaram.
Foi no corredor que o som das vozes foi abafado. Foi entre uma porta e outra que o mundo sucumbiu.
Foi no exato momento em que Lena saía, a conversar e a rir com colegas, que o marido a agrediu. Agarrou-lhe o “rabo-de-cavalo” e tentou arrastá-la para a rua. A sua violência verbal e física foi brutal e rápida. Ela, atónita, nem reagiu. O seu corpo batia nas paredes sem oferecer resistência.
Valeu-lhe Carlos, que se apercebeu da barbárie e empurrou o marido. Valeu-lhe Carlos que não ficou indiferente e o agarrou e colocou na rua. Valeu-lhe o assistente operacional que fechou a porta e chamou as autoridades. Valeu-lhe Carlos.
Quando ambos se olharam, Carlos reconheceu-a, abraçou-a com um abraço amigo, compreensivo.
Lena chorava agradecida. Entendia agora as reações do marido. Era aquela violência contida que a assustava. Não queria alguém de génio brutal a seu lado. A sua vida iria ser modificada a curto prazo.
Carlos procurou tratar das feridas externas de Lena. As internas demorariam um pouco mais, mas estava disposto a ajudar.
Voltariam a encontrar-se muitas vezes naquele local. Carlos estava otimista, mas não feliz. Vê-la triste e a passar por uma situação tão delicada, não era a sua forma mais apreciada de aproximação. Mas estava satisfeito por ter decidido, na semana anterior, ir para aquelas aulas, justamente na Academia que ela frequentava.
Lena estava destroçada, mas os colegas iriam ser suas testemunhas na acusação contra o marido. Nessa noite não voltaria para casa, mas para junto de amigas no domicílio destas.
O tempo seria o amigo de que precisava para refazer a sua vida…

Rosa Alentejana Felisbela
19/11/2018
(imagem da net)

domingo, 18 de novembro de 2018

Desmoronar


Nessa tarde, ela chegara a casa muito antes do marido. Pendurara a mala e a gabardina no bengaleiro e dirigira-se ao quarto para trocar as roupas que trazia vestidas pelas de treino e ténis. Amarrou os cabelos num “rabo-de-cavalo”. Tencionava ir à aula de “pilates”. Ajudava-a a descontrair e a focar-se nas coisas importantes da vida. Por certo também a mantinha em forma, mas esse era um objetivo secundário.
A sua cabeça fervilhava de ideias para enfeitar as montras da loja onde trabalhava. Contudo, também se preocupava com as atitudes que o marido vinha a demonstrar ultimamente.
Durante a aula também decidia o que fazer para o jantar do dia seguinte, a hora a que iria deixar as camisas do marido na lavandaria, quando teria tempo para ir comprar o cinto novo que ele lhe pedira…A professora chamava-a à atenção amiúde, pois ela andava desconcentrada.
Foi à cozinha comer uma maçã e beber um iogurte e pegava nas chaves de casa quando o marido chegou. Ao perceber a chave na porta, o seu coração deu um salto gigante e aguardou.
Ele entrou, olhou-a de soslaio, passou por ela embatendo o seu ombro no dela e foi até à cozinha. O rosto dela ruborizou de raiva e disse-lhe:
- Boa noite! Ao menos cumprimenta-me! Quase me magoaste…
Ele olhou para ela indiferente e respondeu:
- Estavas aí? Nem te vi! O meu jantar está pronto?
Ela nem respondeu, virou-se, caminhou decidida para a porta e saiu para a rua.
Encontrou o ar frio e cortante. Nunca encontrara a subida tão íngreme. Nunca as pernas lhe doeram tanto. Nunca o coração batera tão apressado. Nunca as lágrimas lhe tinham corrido com tanta rapidez pelas faces bonitas.
Perguntava-se onde errara. O que o levava a ter aquele comportamento. Ele que era tão meigo, tão doce antes do casamento, neste momento não o reconhecia.
Pensara que aquele amor seria eterno, que viveria feliz para sempre, mas passados dois meses, acreditava ter feito alguma coisa que o transformara. Talvez existisse outra mulher…

Rosa Alentejana Felisbela
18/11/2018
(imagem da net)

sábado, 17 de novembro de 2018

A curiosidade


Sacudiu a gabardina ao chegar ao parque de estacionamento. Aquela humidade enervava-o sobremaneira.
Sentia-a nas pestanas longas que lhe escureciam ainda mais os olhos, sentia-a nas maçãs salientes do rosto, ficava suspensa na barba aparada, como minúsculas pérolas periclitantes, e nas pontas do cabelo liso que lhe caíam suavemente sobre a testa, embora estivesse curto na nuca.
A gravata vermelha estava demasiado apertada, por isso, levava a mão ao nó e tentava ajustá-la, constantemente. Desde que vira aquela mulher que tudo o incomodava.
Desapertou o colarinho alvo da camisa, desabotoou o casaco do fato escuro de bom corte, deixando vislumbrar o cinto negro. Abanou as calças e bateu com os sapatos bem engraxados no chão. Tudo por causa da humidade. E ela nem sequer o tinha olhado nos olhos. Desejou poder voltar atrás, e dizer-lhe que achava inconcebível ela nem se ter dignado a olhá-lo nos olhos. Ele entregara-lhe o lenço…
Retirou as chaves da pasta que carregava, mas elas caíram sobre o chão húmido, ficando cobertas de uma mistura de folhas alaranjadas e terra. Contraiu os maxilares e abriu as narinas, tentando manter a calma sem praguejar. Não o fazia habitualmente, porém sentia-se desorientado. Uma leve raiva aflorava-lhe o pensamento. Aquela mulher…Nem lhe tinha visto o rosto.
Desconhecia qualquer pormenor da sua identidade, vira a aliança na sua mão e isso deixava-o impotente. Quando por fim, entrou no carro, ligou o ar condicionado e principiou a sentir-se mais calmo.
Todavia, quando virou o volante para passar na rua onde ela desaparecera, deixou-se inundar novamente pela curiosidade. Mas não sabia como voltar a encontra-la.


Rosa Alentejana Felisbela
17/11/2018
(imagem da net)

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Tarde


Era uma tarde alaranjada como qualquer tarde entardecida pelo outono. Corria uma brisa fria pelas ruas empedradas, escorregadias da humidade. E os tacões altos batiam ao ritmo apressado, afastando-se da multidão.
Sobre os sapatos azuis novos, caminhavam uns pés cansados, envoltos numas meias pretas que subiam pelas pernas torneadas, perdendo-se de vista quando os olhos chegavam à bainha do vestido de algodão bege.
O busto volumoso, cingido pelo tecido justo, oscilava seguro ao compasso dos passos. Um casaco grosso aos losangos bege e vermelho abraçava-lhe a silhueta. A cintura afunilava num espanto feito de idade verde.
Os cabelos loiros e longos, envoltos no véu diáfano do nevoeiro, completavam o quadro e as sombras emolduravam as formas da mulher.
Ao passar perto dele, inocente e ausente em pensamentos desconhecidos, de rosto coberto pelos cabelos, quis o destino que deixasse tombar um lenço sobre a calçada.
Ele, figura esguia encoberta pelas sombras do toldo da esplanada do café, acorreu solícito para lho devolver.
Ela parou surpreendida e olhou para a mão que segurava o lenço e agradeceu. Uma mão segurava a mala presa ao ombro direito, a outra, que estava livre, exibia uma aliança brilhante.
Agradeceu e seguiu caminho.
Nunca lhe viu o rosto, mas sentiu o peso do cadeado na sua motivação.
Seguiu em sentido contrário pela estrada empedrada, sujeito aos tropeções devido à humidade daquela tarde de outono.

Rosa Alentejana Felisbela
16/11/2018
(imagem da net)

Estrada


Na sombra do escombro
se esconde um olhar
- preso na convenção-
relicário da sociedade

e o corpo ausente
num sopro de sal
veste de negro o que sente
num prazer infernal

sabendo que é gente
- quem sabe o “santo Graal”?-

inspira silêncios
nos ruídos da cidade

escreve o coração
nos muros da saudade

mais nada a prende
na gota ou na enxurrada
-cinzento poente-
em estrada inacabada…

Rosa Alentejana Felisbela
16/11/2018
(imagem da net)

domingo, 11 de novembro de 2018

O avental da minha avó Ana


A minha avó Ana tinha um avental de xadrez. Toda ela emanava amor. Tinha braços de baloiço de sono, pele macia e enrugada de tanto transbordar de ternura. Os seus olhos meigos aconchegavam a nossa chegada, como quem guarda tesouros bem fundo no coração. Da sua boca brotavam beijos repenicados de amor e palavras furtadas à saudade, mesmo que a tivéssemos visitado na véspera. E eu era o mais novo dos seus cuidados preferidos.
A minha avó Ana recebia-nos à entrada do monte com o avental a limpar-lhe as lágrimas por nos ver chegar. O sorriso desmanchava-se até aos olhos. Recordo-me do seu abraço e do cheiro do avental. Podia sentir o aroma à capoeira, de onde tinha trazido os ovos para o bolo que estivera no forno, junto do pão que amassara pela madrugada, invadindo a cozinha com o seu perfume.
A minha avó Ana tinha sempre remédio para tudo. Limpava as nossas feridas com o avental de xadrez, sempre que caíamos do baloiço feito de corda com um pneu de borracha pendurado na árvore das traseiras. Limpava-nos as palavras gravosas dos desentendimentos e aquietava as nossas discussões. Conduzia-nos para as cadeiras da cozinha, sentava-nos à mesa da concórdia e com uma colher de água-mel e um pedaço de pão mole amenizava os nossos olhares ressentidos. Não havia lugar para melindres, todos esquecíamos rapidamente as razões dos arrufos.
A minha avó Ana tinha um avental de xadrez que enrolava em torno dos braços frios que o inverno trazia. Quando a neve caía no meio do quintal, o corpo roliço da minha avó deslocava-se até à montanha, de machado na mão, e cortava ramos e acarretava-os no avental. Acendia a lareira e o aroma da caruma anunciava a proximidade do Natal. E eu sabia que o tempo do chocolate quente não tardava a chegar. Ouço ainda o crepitar da lenha e vejo o calor da lareira nas suas faces rosadas, e ela a segurar nas panelas com o avental, para não se queimar.
A minha avó Ana tinha um avental de xadrez que protegia os seus vestidos negros do luto do avô e limpava-lhe o suor de tantas canseiras. Era dela o trabalho pastorear as ovelhas, de as ordenhar e fazer os queijos frescos de que eu tanto gostava. Nas férias éramos nós a ajudar a avó nesse trabalho. Como recompensa, era nosso o labor de comer o pão quentinho com o doce de tomate ou a marmelada feita por ela, trazendo os frutos do pomar no seu avental de xadrez.
A minha avó Ana tinha um avental de xadrez que lhe enchia o colo de contos e canções de embalar nas noites quentes de verão, ao abrigo das estrelas cadentes. Os desejos percorriam os céus ainda virgens de maldade, e anunciavam um tempo desconhecido. Um tempo em que a minha avó Ana não se encontra presente. Um tempo em que os valores familiares vão rareando.
Mas eu sei que a minha avó Ana era real, bem como os seus ensinamentos. Hoje recordo-a, mas não sei o que foi feito do seu avental, e nunca mais encontrei à venda nenhum que tivesse a mesma qualidade ou o mesmo valor…Talvez porque os sentimentos e os valores não se comprem.
Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Só porque...

Só porque estou a ler um livro que considero interessante chamado “Os vícios dos escritores” de André Canhoto Costa:

Estou a pensar nas pessoas que escrevem. Não me peçam para distinguir as “cultas” das “incultas”, porque não o sei fazer por uma razão muito simples: o que sei eu das leituras feitas pelas pessoas ou do seu grau de sapiência da vida? Nada. Estão certos de que quem foi “condecorado” com um grau académico é mais culto que um mecânico ou uma cabeleireira? Não o podem afirmar. Quem me garante que a sensibilidade e arte moram neste e não naquele? Há muito que desisti de participar em antologias, coletâneas e afins. Também desisti dos concursos que têm como prémio a edição de um livro. A verdade é que nunca ganhei nenhum, nem sequer uma menção honrosa. Na verdade, também não sou apresentadora de televisão, nem sou famosa, não fiz nenhuma barbaridade a ninguém, nem sequer pertenço à esfera política. Sou uma mera cidadã que vive do seu trabalho como milhares de outros. O que não faz de mim alguém especial. Não me sinto inferiorizada, apenas triste por não ter um antepassado rico que me comprasse o título…Uma coisa é certa, eu não copio os escritores antigos (nem atuais), nem escrevo o que as pessoas querem para obter mais “gostos” ou “adoro”. Tenho é um grave problema: de vez em quando tenho “coisas” para dizer!

Rosa Alentejana Felisbela
08/11/2018

Sobra

Sobra a chuva chorando
sobra o vento uivando a tristeza
sobra o frio acobertando
a sobra que sou por natureza...

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Vela


Vela que cruzas o vento
presa ao mastro
de madeira antiga

Vives da brancura do lastro
soprada pelo tormento
e tantas vezes perdida

Toma o caminho da sorte
manobra as cordas
rumo ao porto de abrigo

Abraça-te ao farol do norte
e aponta a proa
às amarras da vida…

Rosa Alentejana Felisbela
05/11/2018
(imagem da net)

sábado, 3 de novembro de 2018

Cogitando


Sou a raiz da esperança
Sou o ramo de alento
Que dança

Sou o vento
Que passa e rumoreja

Sou a folha
Que flutua e peleja

Sou caminho
Que sigo sem escolha

Sou sorriso brando
de menino

Sou a bolha
de sabão soprada
no meio de um milhão

Sou chão…e estrada
Aprendiz da vida sitiada

Rosa Alentejana Felisbela
03/11/2018
(imagem da net)