sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Guerra do amor


Na lança dos dedos
- o vício -
a arma carregada

no hálito dos sentidos
o bulício

no hábito da boca
adocicada

é que me rendo
à guerra do amor
declarada

Rosa Alentejana Felisbela
28/12/2017
(autor da imagem desconhecido)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Embaraço


Não há espaço
mais sublime
que o teu abraço

o perfume adocicado
corroendo
as nervuras
dos meus braços

o traço faceiro
da tua boca
mordendo
palavras dissimuladas

e a fenda do queixo
tomando-me
a vontade
de ficar fechada
nesse embaraço…

Rosa Alentejana Felisbela
28/12/2017
“Couple au baiser” (Beijo do casal), escultura em metal de 2003 do francês Jean-Pierre Augier

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O pé


O pé a planta a ponta
dos dedos

a fé que toma de encanto
os pomos

a delicadeza da pele
sem pelos

o cálculo calado
dos sonhos

Rosa Alentejana Felisbela
27/12/2017
(Cicero D' Ávila - red angel)

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Recordar o propósito


A estrela de cinco pontas
riscou o céu
num traço firme e seguro

é a história que me contas
passo a passo
num apuro

dizes ter sido filho de Maria
e de José; o propósito:
ser salvador

os reis repletos de cortesia
levaram prendas
e amor

mas algo se perdeu entretanto
não sei se o caminho
ou a luz

a estrela já não tem encanto
a família não se une
o calor não se produz

desconheço a boa vontade
que existe agora
no mundo

ignoram-se crianças e verdade
o Natal demora a chegar
ao sorriso do vagabundo

a guerra ceifa paz às vidas
a religião mata a fé
as casas não são lares

talvez o traço não fosse fundo
talvez a história fosse vaga
ou esteja na altura de a recordares…

Rosa Alentejana Felisbela
25/12/2017
(imagem da net)

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Amoroso


Preciso do engaste
do teu ombro
para que o sonho
me baste

Imagino a minha mão
sobre o teu peito
em repouso

pedaço de solidão
escondendo no coração
a gema que não ouso

Fantasio as tuas palavras
pepitas-lapidadas
-meu tesouro-

e o hálito caloroso
da tua boca amada
-caleidoscópio precioso-

E o devaneio é lufada
de aconchego na mente
e meu sustento amoroso

quando a escrita dourada
brilha de amor
como cristal caloroso
e silente

Rosa Alentejana Felisbela
21/12/2017
(imagem da net)

Peixes


Somos peixes
brilhantes e raros
nadando à deriva de um sonho

tenho a polidez
tu tens a graça

tantos são os mares
de abandono

amara na margem
o amparo

recolho a tontura
da bonança

presos na rede
que nos separa

morremos da sede
que nos toma


Rosa Alentejana Felisbela
21/12/2017
(imagem da net)

domingo, 17 de dezembro de 2017

“Non è vero?”


Quando me tiras o véu
parece que nasce agosto
nas rosas das maçãs
do meu rosto

e as velas que trago
nos olhos
acendem ao céu
que venero
como rastilho no restolho

e o bago que tenho na boca
converte-se no vinho
gostoso de sorriso

esse pedaço
de paraíso
tão teu e meu

- “non è vero”?

Rosa Alentejana Felisbela
17/12/2017

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Já não te espero


Como o rio de cimento
que corre p’los tijolos
em silêncio

confundo o muro
confundo o tudo
que tivemos

e a metamorfose
é banco, é branco
é ocre que invento
p’ra não transparecer

e vou morrendo
e vou crendo

que um dia
deixo
de ser

fantasia

num qualquer seixo
de rio
a correr…

Rosa Alentejana Felisbela
11/12/2017
(brad spencer brick sculpture)

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Vem...

Vem murmurar as palavras doces
que o mel guardou no pensamento
da tua companhia...
Dar-me o beijo que a poesia promete
nas nervuras da madeira...
Entregar-me o abraço
que libertaste na despedida
que um dia virá...
Sou-te banco de jardim
aguardando o pássaro
que fugiu do ninho do meu coração...
Amo-te nas asas da imaginação!

Rosa Alentejana Felisbela
(escultura de Jesus Curiá Pérez)

Consciência

Quando a consciência se senta
no baloiço da ilusão,
muitas palavras ecoam,
muitas ternuras se suspedem,
e tantas razões voam
pela boca do coração!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Pousar palavras

Queria pousar as palavras sobre a paisagem de inverno, como ave planando sobre as nuvens que o caramelo lambeu por dentro, ou sobre as árvores que o breu assumiu colheita sua, ou sobre os torrões como crânios carecas onde nasceram pequenas cânulas amareladas. Mas não me recordo do cheiro da terra molhada para poder fazê-lo. Perdi as gotas algures entre um fardo pejado de bafo poeirento, ou nas fendas abertas da cortiça ressequida. Pelo ar um vento bravio bordeja as folhas das azinheiras curtidas pela imensidão. E o sabor a cal penetra nas paredes, numa tentativa de cobrir a caliça desabotoada, folha a folha, da casa. Sento-me no poial desgastado de cimento, onde as inscrições do ano em que foi feito esmorecem a cada dia que passa. Ouço a toada dos cães ao longe e julgo, por momentos, escutar o som de passos…Mas não, foi só a garra do tempo arranhando um pouco mais de recordações.

08/12/2017
Rosa Alentejana Felisbela

(imagem de Filomena Janes Semedo)

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Tenho saudades


Tenho saudades! Admito que errei muitas vezes, mas também acertei muitas outras. Sei que não sou perfeita. Mas quem o é? Podem passar dias, meses, anos, que nunca me esquecerei. O olhar, a voz, o sorriso, as palavras, as gargalhadas e um mundo de recordações. Às vezes ficam mais "frescas" e alvejam-me a memória, provocando as lágrimas. Às vezes ficam a brincar-me no pensamento e nasce-me o sorriso nos lábios. Grávida de ternura, abraço o abraço e fico assim, apenas sozinha na panaceia que me tolda o coração. Sou humana e quero acreditar.

Rosa Alentejana Felisbela

Valorizar


Valorizar o próximo é, no mínimo, embaraçoso para quem tem um ego do tamanho do mundo! Quantas vezes precisamos de um incentivo para continuar, mas negam-nos o "protagonismo" para não se acharem inferiores? Quantas vezes nos olham de lado por dar a mão a quem tem lágrimas nos olhos? Quantas vezes nos acham "seres estranhos" por dizermos "obrigada pela ajuda"...Quantas vezes percebemos que não somos desejados por perto, mas enquanto "fazemos falta", ali somos mantidos? A questão está em não desistir. Continuar de cabeça erguida e teimosamente de sorriso no rosto. Amanhã será um novo dia, pleno de novas conquistas!

Rosa Alentejana Felisbela

Relojoeiro louco


E a brisa veio
despentear as horas
desgrenhar os minutos
como pente sem dentes
ou com eles gretados

E a brisa
desalinhou os ponteiros
desafinou as roldanas
como números sobrepostos
passando desafinados

E a brisa
desmontou todas as peças
uma a uma,
como relojoeiro louco
comendo o tempo (tão pouco)
de um simples beijo –apaixonado!

Era a corda
do mostrador partida
caindo na rotação
incerta do coração
parando
num último suspiro
destroçado

Rosa Alentejana Felisbela
03/12/2017
(imagem da net)

sábado, 2 de dezembro de 2017

Taça de fragas


Beber goles generosos
de sol e mar
em conchas solitárias
de areia

neste varal
onde se suspende
um beijo

é mergulhar no paraíso
de prata
a pique

onde as sombras
das profundezas
brincam ao brilho

-instante eterno-
de vagas

onde te revelas
e vais
a cada momento

e não me sais
do pensamento

nesta taça
feita de fragas

Rosa Alentejana Felisbela
02/12/2017