terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Atroz


Entro na sombra
sagrada e arredia
e murmuro a oração

que me queima
por dentro
qual pecado libertador

não sei se te chame poesia
ou simplesmente
meu amor

já que o enigma
é hóstia mastigada
por um rumor apagado

numa vela acesa
clareando levemente
o imenso corredor

e a abóbada cruzada
na encruzilhada de nós
já não abraça os olhos

nem acolhe com asas
de anjo
mas de albatroz

outrora a esperança
trazia o hálito sereno
e a calma sobranceira

hoje o veneno abarca
o corpo e a lembrança
do beijo é faca feroz

o silêncio é ensurdecedor
e a voz é carrasco
da sina mais atroz

27/02/2018
Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

O muro empedrado do quintal


O perfume lavado
a sabão azul e branco
acordado p’la aurora maternal
corando ao sol de verão

amaciava as mãos
passadas em água morna
salpicava o muro de pedra
-naquele tempo tradicional-

pareciam pequenas janelas
abertas ao trigueiro trigal
acolhendo o ninho da cobra
arrancando-lhe as escamas
antigas e desajustadas
tornando-a jovial

e a cimbalária crescendo
na sombra escura infernal
era enfeite da imaginação
da criança medrando
junto ao muro desnivelado
do quintal

Rosa Alentejana Felisbela
26/02/2018
(imagem da net)

precipício


Nunca estarás só
apenas o precipício
é único
tal como a tua força
comparável com a maré
- os dias sucedem-se
e a tua vontade também!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Sonhos doces


Todas as noites recolho sonhos doces,
polvilho-os com pó estelar
e saboreio o presente.
Acordo a gula do palato
e desperto a aurora da língua
num desenlace de chocolate
no recheio das veias!
Boa noite...
Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Parêntesis versus anuência


Quando subimos os degraus
ainda as mãos dadas
sentiam o calor dos nossos corpos

tentando abandonar o geologia
das entranhas, esquecer as grutas
os abismos da inocência perdida

até a superfície ardia de orgasmos
- à boca das palavras -
nos rituais da pele

dilacerada pelo graal
dos nossos lábios
no prazer das sílabas

o ninho, o limbo dos gemidos
agridoces no sabor da cal
do compêndio do nosso amor

sorrimos no tropeçar dos olhos
que marcaram segundos escondidos
no enfoque daquele dia…

enquanto os ponteiros
foram unânimes em marcar
a nossa ousadia

seremos
- para sempre - ilegais
na terra de alguém?

ou será que
- um dia –
iremos juntar os labirintos?

das nossas encruzilhadas
sobram abismos
- novamente -

voltaremos a pisar a mesma relva
rente aos pés - em uníssono -
mais um dia?

Não me devolvas
os parêntesis
da tua ausência

quando o que preciso
é da anuência das tréguas
do tic-tac do relógio -love me like you do!

Rosa Alentejana Felisbela
25/02/2018
(imagem da net)

sábado, 24 de fevereiro de 2018

O búzio das tuas mãos


Nada sei sobre as marés, a não ser que a mão da lua estreita e alarga o areal a seu belo prazer. Conheço as formas sinuosas das suas franjas e o seu olhar sedutor envolvendo os mastros dos barcos ou as hastes dos chorões-das-praias. Também eu choro perante a maresia. Emociona-me a suavidade do capim dos Pampas rosado acariciando-me as palmas das mãos ao sabor da brisa estival. Enfeito os lóbulos das orelhas com as campainhas coloridas e pressinto o perfume do alecrim nos cabelos soltos e livres. Visto as dunas e calço as algas, num acesso de descaso pela ausência do sol. Nunca me senti navegar tão docemente como no teu barco de penedos altos, um precipício constante. Continuo a plantar fé nas arribas, onde as gaivotas fazem um ninho seguro. Quero continuar a colher o milagre do voo e voltar para onde o sol aquece mais do que um pensamento. A lenda continua ao som do búzio das tuas mãos.

Rosa Alentejana Felisbela
24/02/2018
(imagem da net)

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Valorizar


O valor que lhe doas

- atenção –

é marco importante

- resolução -

no horizonte propagado

e a ternura
é vislumbre

a cura do coração

quando o sinal é dado
e começas a ceder…

Rosa Alentejana Felisbela
02/01/2018
(imagem da net)

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Mendigado


O amor que mendigas
é anzol no cérebro
em cama onde te deitas
sem lençol

que te arrasta
que te leva
e dilacera
em ferida - etanol -

não há isco
que compense
a farsa

nem engodo
que prometa a meta
do amor em cama de dossel

da cor do mel e do sol

Rosa Alentejana Felisbela
02/01/2018
(imagem da net)

A nossa casa


Já não tenho
a clareira acesa
no meu ventre

conheço apenas
a brisa ténue
que me despreza

sigo o atalho
perdido no silêncio
contra a corrente

e rente ao chão
o cheiro a feno
que me trespassa

sei que não volta
o verão azul
da tua presença

mas perfuma-me
o teu abraço
- a nossa casa.

Rosa Alentejana Felisbela
19/01/2018
(imagem da net)

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Sorriso fácil


Quando olho
os teus lábios
de sorriso fácil

saboreio o vagar
de quem contempla
sem ousar tocar

a saída suave
a derradeira vertigem
a vontade virgem
a salivar

e um pigarrear devasso
envolve o pequeno
espaço

entre as faces rosadas
ai…e esse sorriso fácil
de encantar!

Rosa Alentejana Felisbela
17/02/2018

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Ontem


Ontem à noite
adormeci contigo
nos sentidos

mordi as amoras
dos teus lábios

ouvi o canto de amor
das silvas da tua voz

enfrentei o encanto da luz
furtiva dos teus flancos

e quando cada lugar
dos corpos era lume
a florir nas pupilas

dilatadas as estrelas
entornaram o seu pó
na relva rasteira
do meu corpo nu

sabes, eu não abdico
do perfume de verão
das nossas metáforas
de carícias

e muito menos das delícias
com sabor a farófias
a mel e a caju

17/02/2018
Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Manso litoral


Chegou a doçura
nua da manhã

às colinas
do teu corpo
iluminadas

e a pele que te cobre
temporã
é cal feita de nuvem
acidulada

as pálpebras
levemente
quebradas

as pestanas
escuras
sobre as maçãs

são folhas de fogo
apaziguadas
refreando a luminosidade
de afãs

teus pulsos são poentes
caídos
na almofada de nenúfar
do teu lago

esse leito lascivo
de verão
tão dolente
como um ninho de afagos

tua boca pregada
num ponto sensual
em botão

lembra-me o íntimo
jardim
do teu hálito

que me fascina
e me tira
a razão
de repente

e retenho por um instante
a respiração

receando acordar teu sono
com o bombear fatal
do meu sangue fervendo

ansiando
arder de fome
pelo teu quente e manso
litoral

Rosa Alentejana Felisbela
18/02/2018
(imagem da net)

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

O adro


Havia no adro um rasto
de poeira
benta

nos tijolos desgastados
uma labuta
lenta

os cedros emproados
acenando
do eirado

gritavam uivos sonoros
ao branco
empedrado

e os sinos no campanário
tontos
p’la revoada

vibravam ecos de brancura
pelas paredes
caiadas

apenas as vozes miúdas
quebravam velozes
o sinal

eram só corpos tenros
desconhecendo
da vida o final

Rosa Alentejana Felisbela
16/02/2018
(desconheço o autor da foto - Igreja de Nª Sª da Conceição em Beringel)

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

O sal da tua pele


Quando me abraças
lentamente
todo o corpo é momento
de eternidade

e se colho o teu olhar
à ladeira que tem a lonjura
é no poço da tua boca

que recolho a loucura
do eco da bica
fresca de água a borbulhar

e depois… mergulho
na melancolia do vício
que salpica de desejo

a pele de precipício
vibrando de amor
pelo teu mar…ai! O teu mar…

Rosa Alentejana Felisbela
15/02/2018
(imagem da net)

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Por fim


Conheço os passos
da tua voz
quebrando as folhas secas
da tarde alaranjada

e o momento após
o abraço branco
dos teus braços de vontade
orvalhada

sei do frio que escorre agora
por entre os dedos
do instante

mas quero a corrente de ar quente
do teu sorriso
nos meus lábios

e a nossa música a tocar
num looping hábil
de leito lento

para poder beijar
liquidamente
o teu pensamento

e afagar a rouquidão
dos nossos olhos
quando o calor da porta

se fechar por dentro de nós
num sossego brando
de doce chegada

Rosa Alentejana Felisbela
10/02/2018
(imagem da net)

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Ardente


Perco-me na noite breve
no cálice profano
na boca escrava
no toque sedento

Encontro-te na neve
da cama que amo
no lençol de lava
na almofada de vento

No vulcão dos sentidos
de todas as formas
entornados
ficamos rendidos

E sem ar julgamos
ser a imaginação
ardente
por tudo culpada!

Rosa Alentejana Felisbela
08/02/2018
(imagem da net)

amo-te


Na pureza das tuas mãos
de neve entrego o meu coração
- amo-te!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 4 de fevereiro de 2018

A última carta


Releio a última carta
que o amor escreveu
em uníssono com as tuas mãos
e a pele é brasa nas faces
e a boca é toda saliva morna
e eu sou rosa a desabrochar
por dentro em beijo húmido
no banco de jardim

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Janela