segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Presente


Desembrulhando verbos
sentidos, saudosos, submersos
no nevoeiro
provocado pela carência da tua voz
resplandeceram-me os olhos
nus…

Rasgaram-se as prosas
entrelaçadas de fitas coloridas
nos cabelos descritos
a camélias, margaridas e rosas
enquanto as gotas depostas
solenemente nos beirais
segredavam os nossos “ais”
em carícias prazerosas…

Acordaram-me as veias
vibrando-me o corpo circunscrito
à filosofia das palavras amadas
e como véu tamborilando
ao ritmo da ansiedade
gritei:
sou louca demais!

Louca perto das tuas mãos
em concha nas minhas faces…

Louca perto dos teus olhos
ardilosos amantes fixos nos meus…

Louca perto da tua boca
faminta dos meus beijos…

Louca perto da tua cintura
encostada à minha…

E abri o presente do sonho
acordada pelo teu amor
num poema
truncado a letras de ternura
lambendo os dedos
molhados em tanto…mel.

Rosa Alentejana Felisbela
31/08/2015
(imagem da net)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Livro



Hoje dei por mim a pensar porque te amo. Sempre imaginei que não existisse ninguém que me completasse tão bem, que isso era coisa para filmes e canções e poesias. Mas eis que me surpreendeste com a facilidade da palavra e a forma de conduzir as horas, como se fosses o dono de todos os tempos! De facto, a liberdade que doas aos vocábulos inscritos na “brochura” onde a nossa vontade impera, é verdadeiramente desconcertante. Impeles-me a tomar decisões e exiges de mim um horizonte jamais imaginado, e eu sei que sou capaz de lhe tocar! Porque, simplesmente, confio na quiroscopia das frases, nas entrelinhas. Descobri o “amor-próprio” agregado à valorização das desvantagens que já sofri, no corpo e na alma. Ele já existia, mas afastaste o véu do feito como tesouro recuperado retomando ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Como se as nuvens de um quebranto ocultassem as letras e eu não soubesse formar as palavras certas. Através do diálogo duradouro incitas-me a atuar e a recuar como numa história em que as personagens entram na vertigem de uma demanda, vivendo aventuras, perdendo e ganhando até conseguir o seu intento. Porque ganhar é um bem maior, se fizermos tudo o que estiver ao nosso alcance, mas perder também pode ser possível. E não é o fim do mundo. Ensinaste-me a afiar os sentidos para que a escrita saia coesa e equilibrada, numa caligrafia que se entenda… sim, é isso! Mas, tens de ler-me com o cuidado do jardineiro quando cuida das suas rosas…aprecia a fragilidade que se torna força e nunca percas o perfume que exala das minhas mãos…guarda as pétalas das minhas palavras pois, enquanto reflito, percebo que és a metade que me faltava. Lembras-te que falei de uma “brochura”? Pois escrevamos juntos o “livro” da nossa existência, porque estamos sempre a aprender a amar.

Rosa Alentejana Felisbela
26/08/2015
(imagem da net)

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Minuciosamente


Ao som dos acordes daquela música que amamos…penso em ti.

Foram as Cassiopeias de luz, aglomeradas pelo espaço sideral dos dias, que conspiraram a nosso favor. E digo-o, com toda a certeza, porque jamais poderia cruzar o teu carinho no horizonte deste céu, neste caminho compassivo e absoluto, nesta pedra polida da cor do ébano, cravada no solo estéril onde me encontro. E digo-o, porque foram inúmeras as vezes em que coloquei a mão sobre os olhos da permanência, mas havia sempre um encandeamento, próprio da luz no branco dos muros altos, caiados de tão pouca emoção… Foi necessária a paciência das pombas do quintal dos meus sonhos e a firmeza das gaivotas da varanda das tuas manhãs, para a inquietação nascer dentro de nós. Claro que o conluio exercido pela brisa do teu mar influenciou o germinar do sentimento nas searas de onde brotaram as papoilas dos nossos lábios. Opções tomadas pela terra rubra dos vulcões anteriormente cabisbaixos e tristes, quase extintos. Erupções do elixir da juventude da experiência radicular que trazes nas palavras. Sim, foste tu que as provocaste, com a cor esverdeada das ondas do mar, misturadas com o castanho ocre do tronco dos sobreiros no olhar. Subjugaste as fogueiras na minha pele, a teu bel-prazer, e espicaçaste a loucura na ponta dos meus dedos. Alucinaste as sombras do meu passado e o terror estampado no meu peito…e unificaste os densos nevoeiros das minhas palavras nas entrelinhas dos meus poemas. Fizeste do meu ventre a tua casa com a perícia dos gemidos produzidos em forma de estrelas cadentes. Chegaste a pintar a alquimia do prazer nas paredes feitas da nossa vontade, tal foi o regozijo da generosidade das tuas mãos. Sempre soubeste mimar-me até ao ponto de me perder no rasgar do vento vindo da tua pele, sobretudo quando saboreámos as cerejas do pensamento. Por isso, é com toda a lucidez que me permite a desordem interior que me provocas, que me ergo nestes versos, qual sacerdotisa das brumas, e te venero como único perfume que ainda me desperta a sede, me incentiva a fome, que me estimula a luxúria… Afinal, de que é feito o amor, senão dos momentos incólumes onde a ternura nos desarma?

Rosa Alentejana Felisbela
23/08/2015
(imagem da net)

sábado, 22 de agosto de 2015

nostalgia


Sinto uma calma vazia no tempo suspenso da tua ausência. Perdi o rumo que leva a saudade nas dobras daquele lençol, amarrotado de esperança, sobre a cama com dossel. O que foi feito dos abraços cruzados onde nos sentíamos tanto? O que foi feito do teu peito cansado e das minhas mãos hesitantes entre o sol escaldante do meio-dia e a estrada em braseiro onde nos fomos perder? Dentro de mim há a lua e tu, meu menino, que embalo dentro dos seios, que acolho no ventre onde pertences, que me mata a sede no sabor da saliva quente…ópio enrugado a salmos de clemência a quem me vergo como deus do prazer. Sorrio ainda deitada na nostalgia que sentes…e tu…?
Rosa Alentejana Felisbela
22/08/2015
(imagem da net)

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

a tua foz


Pelos moinhos do meu coração
rolou uma pedra perdida
das paredes de palavras,
erguidas como guardiãs
do arco que fez o vento…

Na curva da porta entreaberta
criou raízes
nas raízes da roseira
de metáforas
quase perdidas de saudade
e fez-se Deus dos campos
poéticos…

Estava escrito…

Por um beijo eterno seria
capaz de abrir as asas das palavras,
como se os castelos de sonhos
fossem cúpulas cúmplices
e sencientes
a roçagar os lábios
ao som de um bolero
e incentivar ao voo…

Enquanto espero o som da tua voz
seguro a pedra junto ao peito
com carinho
sem perder de vista
a tua foz.

Rosa Alentejana Felisbela
19/08/2015
(imagem da net)

sábado, 8 de agosto de 2015

Mel


São aquelas palavras,
onde nos cruzamos um no outro,
que nos tocam como viagem
impressa nos sonhos,
que sabem a tanto,
que sabem a pouco…

São ecos confidentes
dos mundos nos corpos
que nos pertencem,
como se os sons das rimas
nos fizessem
estremecer as pestanas silentes…

Porque os carinhos trocados
pelos dedos,
cálidos contornos fulgentes,
clamam no sangue,
crepitam na pele,
como se a beijassem
doce e encantadoramente…

E que nem a obscuridade sedutora
do oásis do nosso amor encubra
a nudez ávida de cada vórtice
na quietude insubmissa
do teu abraço que é tão meu…

Todavia já caem pétalas de pura ternura
no chão dos nossos passos
tão mudos de distância
e tão perto do caminho
enamorado de brandura
que perfaz o nosso céu…

Anda, dá-me a tua mão
e partilhemos a lua
meu menino
de mel

Rosa Alentejana Felisbela
09/08/2015
(imagem da net)

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Paixão


Ainda há pouco abriste
a porta
do quarto arrumado
a pés silenciosos,
e já o abraço se soltava
como vacilo de mar
embatendo
na deriva dos braços amados.

Na troca de olhares
subscreveste anseios,
desvendaste mistérios
e entregaste palavras
na bandeja da saliva
que misturaste
em forma de coração
para matares a sede.

Ostentavas a maciez
da pele madura
e não escondias
os sinais marcados
pelos caminhos menos
felizes
percorridos com acidez.

Soltaram-se segredos revelados
e partilhados
na medula da consciência,
sem pausa para respirar,
porque o tempo urgia.

Levantaste o escudo
e esboçaste a frescura
na pintura dessas ganas
expressas em poemas
rimados
com as cores do dia
e tanta ternura…

Mas, foi quando inclinaste a cabeça
e mostraste a inocência
do grito rouco
que a energia
do ponto fulcral se espalhou
qual pedra caída no centro do lago,
em longos círculos
até às margens
e se espelhou a franqueza
da realização
concêntrica do prazer.

Ainda as sombras se alongavam
na frescura das paredes
e já o perfume se entranhava
nos poros aveludados
pelas frestas das janelas
e as cortinas não chegavam
para cobrir o dia.

Foi-te devolvida a vida
em segundos mágicos…
como sentimentos clássicos
de amor permitido
entre as aspas platónicas
do vosso olhar.

União sublime
entre o espírito cultivado
e a cultura sonhada
pelo encantamento
expresso num diálogo
subliminar
presente nas entrelinhas
de uma paixão.

E todos os dias
repetirias a lenda
ao filho que breve
nasceria…

Rosa Alentejana Felisbela
06/08/2015
(imagem da net)

sábado, 1 de agosto de 2015

Não é um adeus, é um voo livre


Por favor silencia
a proibição no teu olhar

Não lhe dês visibilidade
para o retrovisor
colocado propositadamente
no local estratégico,
à beira do coração

Não a escutes,
não te tornes Narciso
nas esperas,
nem olhes nos olhos
a Medusa do passado,
porque o teu caminho
é agora

Se necessário for
alberga os sonhos
no baú da esperança
e não os deixes voar
sem tentar colocá-los
no estendal da vida

Deixa-os agarrar os raios de sol,
interiorizar os pingos da chuva,
acolher a brisa do vento
e rasgar as dúvidas
em miríades
de estilhaços

Porque o momento é a lua azul
enfeitada
por colares de estrelas
formando um caminho
de amor-próprio…

Vês o menino que brinca
com a varinha mágica?

E os sorrisos coloridos
de berlindes
em forma de bolas de sabão?

Ele construiu um sopro
de pura liberdade,
a magia da vida
na escrita pela tinta
dos dedos
de um poeta
numa folha de papel
como recordação!

Por isso migra
as partidas
atravessa pontes
vive o que a ilusão
te deixar voar
e sonha.

Rosa Alentejana Felisbela
01/08/2015
(imagem da net)