segunda-feira, 22 de junho de 2020

Fraco fado


O meu peito
é um jardim
de feras mansas

rebolando de cio
ao som
das doidas danças

meu corpo inteiro
é um rio correndo
cheio de lembranças

nas minhas mãos
crescem orvalhos
abundantes

e nos meus seios
intumescidos
instantes

são só lendas
são só baladas
são só girandolas

os feitiços
as mãos abertas
a quiromancia

um fraco fado
no céu azul
da distancia


Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
22/06/2020

domingo, 21 de junho de 2020

Fábula


Hoje não vejo as garras afiadas da tristeza, sobejam-me possibilidades! Sinto a mão macia da benevolência, afrodisíaco da alma maior. Brotam grilos e cigarras das bermas das estradas onde caminham os meus pensamentos. Transbordam borboletas, entre barrancos e valetas para céus de tule e esperanças que eu tenho. Um rosmaninho quedou-se atento ao movimento do meu corpo, virado para norte, como os búzios do passado. A papoila acalenta o perfume que tem a rosa da minha pele e dança a dança do sol brilhante. Meus braços são alados, dois marinheiros afogados na serra que alegria encerra. Meus pés reúnem pirilampos caminhando passo a passo, conhecedores dos recantos que me levam à constelação. Acendo a vela de alecrim, iluminando o perfume que o eucalipto namora. Sou eu a certeza de outrora. A maga de manto branco, sobre o corpo vibrante. Um fio de estrela escorrega e pela sombra sabe o lugar exato onde a vida recomeça. Sou a “Fénix” feliz, efabulando o futuro que sempre quis!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
21/06/2020

sábado, 20 de junho de 2020

Tranquilidade


O cheiro das ervas, das eras, das violetas, do rosmaninho infiltra-se nos meus sonhos constantemente. Quantas vezes abraço um eucalipto, um sobreiro, uma oliveira como se de braços se tratasse. Ouço o bater do coração da terra sagrada nos troncos. Ao longe, o voo repentino de um bando, brandindo as asas num respirar de infinito e vontade de liberdade, chama-me. Os cascos dos animais e seus chocalhos chocam-me a atenção. Ao virar-me para o Sol sinto o calor dos versos, a magia das rimas iluminando a minha imaginação. Uma ternura rosada emerge das minhas mãos formando uma bolha onde um lugar fica vago. Letras imersas em amor dissolvem-se em átomos sorrindo nas linhas douradas das palmas que tão bem conheço. Um poder alquímico alvitra que está na hora de mergulhar no azul do oceano da minha introspeção. Os meus olhos abertos seguem sempre a mesma direção.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
20/06/2020

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Tu

A luz que me i
lustra
a palavra que me a
mansa
o beijo que me a
doça
juntos na mesma dança

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Mantra mágico


Dorme o teu nome na minha boca, solta-se a Lua, lucerna do céu. Aconchego os teus olhos quando te chego ao colo, retiro-lhes o pó estelar com as minhas mãos mudas. A tua boca arrisca o sorriso raso que me conforta. Fecho a porta perto do peito, para não entrar o ar com a poeira da maldade. Abro os braços e desembaraço-me das feridas feitas por falsos testemunhos. Canto-te o mantra da mãe natura enlaçando as nossas mãos, caídas nas mantas sem ruído. A lucerna cabe-me na concha que deposito a teus pés. A luz intensa acende o incenso perfumado do quadro na parede. Nessa foto, sou eu a menina casadoira de vestido branco e coroa de flores sorrindo de felicidade e esperança, num tempo em que as horas eram eras subindo os muros brancos. Porque não vens despido de mágoas? Porque não colhes as flores para me enfeitares o peito de mulher feita? Sou eu quem te doa o sol, a lua e o fogo. De uma só vez acorda o teu nome na minha boca…TU. Meu mel de mar bravio.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
18/06/2020

quarta-feira, 17 de junho de 2020

abóbada celeste


Sob a abóbada celeste sinto
um arco que me
irís
uma beleza que me a
linha
uma força que me em
laça
e uma presença
que me em
purra rumo ao infinito!

Agradeço à vida - minha e
terna guia!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
17/06/2020

terça-feira, 16 de junho de 2020

escarcéu


Roçagava o fio de luz
ao vento rente ao céu
o pássaro roçava as patas
no azul em grande escarcéu
desatento esvoaçava
não lhe voavam as penas
mas tanto ele vacilava
que o poeta lhe escreveu
poemas

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
foto de Maria Manuel Neves

domingo, 14 de junho de 2020

Provocações


Pela madrugada, levantavam-se os homens para irem buscar as palmas e verduras para espalhar pelo chão. Durante semanas, as moças mais novas da rua, juntavam-se na casa de alguma delas para recortar e colar os papéis com forma de bandeiras em fios que serviam para enfeitar. A charola, toda ornamentada de papéis coloridos ficava ao centro, onde todos os fios iam ligar-se. Era habitual pedir a uma das vizinhas que cedesse a eletricidade, à janela da qual se colocava a aparelhagem para leitura dos discos de vinil com os êxitos da época. Algumas faziam bolos, que eram sorteados durante a noite, para fazer face às despesas. Muitas vezes faziam rifas, ficando com os dedos da cor dos papéis. Naquela noite, o mastro começou às 21 em ponto, tal era a pressa de iniciarem a dança. Apenas nessa altura rapazes e raparigas podiam sentir o corpo amado e conversar de forma descontraída, sem serem admoestadas pelos pais, embora existisse uma proximidade que devia ser respeitada, ou as raparigas ficariam com má reputação. Costumava-se fazer um mastro por cada zona, e rivalizavam-se os enfeites e formas de angariar dinheiro, bem como as músicas. Por vezes, alguns arruaceiros iam promover mau ambiente, para os restantes mudarem de baile. Ainda não tinham chegado as 23 e já um grupo de 4 rapazes de outra zona estavam a chegar. Começaram por pedir às moças com namorado para dançarem com eles. Obviamente, elas recusaram. Os namorados sentiram que os outros estavam a provoca-los, e resolveram dar-lhes uma lição. Encheram uma garrafa com água e groselha e leiloaram-na como se fosse vinho tinto. Os arruaceiros gritavam sempre mais alto, mais dinheiro. Os rapazes, divertidos, qual atores de teatro, fingiam que se importavam com a perda. Quando já tinham uma soma digna, entregaram-lhes a garrafa. Ao verem que tinham sido ludibriados, quiseram entrar em confronto físico, mas os rapazes em maior quantidade expulsaram-nos. E o baile continuou até às 3 da manhã. Sem mais acontecimentos dignos de nota. Desta forma se resolviam as provocações em outros tempos.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/06/2020
(imagem da net)

sábado, 13 de junho de 2020

cicuta


Se me trouxeres a cicuta
da palavra que não escuto
juro que a substituta
subentendida se arrisca
arisca a ser trocada
e nessa paz afunilada
fere com asas de ladra
a alma que escuta
e é tocada
estilhaça-se perdida
em poeira estelar
e eu – sozinha –
não mais te hei de
perdoar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
13/06/2020

sexta-feira, 12 de junho de 2020

popular


Além daquela janela
sinto do alecrim
o perfume a lume
a fogueira a poeira
a mastro o lastro
da cerveja da sardinha
na marcha descalça
do costume...
saudade que é só minha!

Rosa Alentejana Felisbela
12/06/2020

segunda-feira, 8 de junho de 2020

sede


um copo cheio
de nada me bebe
com sede que cede
até me secar
vazia volteio
vozes de candeio
procuro voltar
mas logo incendeio
no teu olhar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

domingo, 7 de junho de 2020

Lua


Sobe a lua
Sabe a vento
Sente a nuvem
Suja a mente
Solta o escuro
Apressado
Segue a noite
Somente
Segura-me
Sinto-me demente
Sem ti a meu lado

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sábado, 6 de junho de 2020

Pureza da alma


Percorri as águas com os olhos benevolentes de quem jamais se afogaria. Bandos de pássaros quebravam os restos de luz do dia, com as suas asas. Os brilhos finais das cores do sol saltavam de gota em gota, como quem procura um remanso para ficar. O frio da tarde agredia-me as faces, como se os açoites me fizessem voltar à escuridão que teimava em chegar. Os faróis dos carros, ao longe, emitiam os seus raios ao passar para lá dos meus pensamentos. Camuflei, mais uma vez, a dor da amargura. Ainda ontem me beijavas à beira margem, me abraçavas com tanta sofreguidão, que o ar rareava e eu nem acreditava em tamanha felicidade. Recordei a mesma hora, o mesmo não. Apercebi-me que nada mais havia a fazer senão gritar. Mas a povoação ficava longe. Já os teus dedos ficavam perto demais, a tua boca assumiu o comando em lugares que eu julgava serem só meus. A tua força quebrou-me a alegria em mil estilhaços. A tua arrogância arranhava-me a garganta. Era como se eu sempre te tivesse pertencido, quando isso não era verdade. Nunca fora de ninguém senão minha. Julgas que a vergonha me tirou as forças? Não. Neste momento, consigo ver a beleza do meu corpo e a beleza da paisagem que me rodeia. Apagaste a minha imagem? Sabes bem que só o meu mel te adoçará a boca, só o meu perfume ficará na tua pele quando tocares outra qualquer. Foste o meu espelho? Nunca! Eu jamais me tornaria nessa imensidão de egoísmo. Abriste-me ao meio? Pois voltei a estar inteira, como sempre o fui. Com a certeza de que sou hoje e serei sempre, uma enorme mulher. Tenho a força de um tufão e o meu amor será o vulcão que queima de desejo o homem que eu escolher para mim. Volto os olhos para as águas e vejo um peixe saltar. Como é bela a pureza de uma alma…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
06/06/2020

Caminhando


estrela
às costas
imigrante
sentinela
gigante
como sol
vontade
de ferro
culpa
calcula
cálculos
enfadonhos
corpo ermo
sentimentos
sonhos
o não
enterra
segue e soma
passos
arriscados
arrastados
lábios finos
fechados
oportunidade
gritante
lágrimas
eternas
instantes…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
06/06/2020

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Natureza morta


O aquário vazio
secas as pedras do rio
a sala silenciosa
um fadário forte
ameaça de morte
a rosa dentro da jarra
pendente silente
calvário sem sorte
sem água
luz baça escassa
sobre a pobre mesa
da casa pobre
ambiguidade
a rola a arrulhar
atrás da janela:
saudade

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

terça-feira, 2 de junho de 2020

Os peixes


Havia numa casa dois aquários lado a lado. Cada um tinha um peixe. Um azul e um vermelho. O azul pertencia a uma menina, que lhe enfeitara o lar com a arca de um tesouro, plantas e pedras, e todos os dias conversava com ele. Antes de ir para a escola deitava-lhe um pouquinho de comida e dava-lhe os bons dias. Prometia-lhe voltar cedo. Quando estava de volta, contava-lhe o dia na escola, o que correra bem e o que correra mal. Por vezes, levava-o à janela para receber sol. A menina aproveitava todos os bocadinhos para cuidar o seu peixe. O vermelho pertencia ao irmão da menina, que todos os dias o alimentava, mas tinha apenas pedras no seu aquário. Raramente se aproximava dele durante o dia. Com o passar do tempo, até se esquecia de o alimentar ou mudar a água. Com o tempo aconteceu que o peixe vermelho morreu. O menino ficou inconsolável. A irmã tentava minimizar-lhe a dor, mas não conseguia. Porque o menino percebeu, nesse momento, que não lhe tinha dado a atenção merecida. Que não tinha sido um bom cuidador. Conseguem imaginar a dor do peixe vermelho, ao ver todos os cuidados e atenções que o peixe azul tinha?

(Imaginem-se a cuidar de alguém, a amar alguém)

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
02/06/2020
(imagem da net)