terça-feira, 28 de junho de 2016

Dos sonhos (a)mar


De olhos vendados pelo sono às pálpebras,
dormentes p’lo frio da noite,
abandonada ao “deus dará” dos tristes sonhos,
cubro os ombros com o xaile do fado,
deixando os pés nus
de quem percorre quilómetros
de nuvens geladas…

Sinto o cheiro da madeira penetrar
amargamente
nos sentidos adormecidos
e duas lágrimas sufocam
a escuridão da minha ilusão
num tolo versejar…

Aproxima-se o som do mar
que me consola o respirar
tranquilo
dos resquícios das alegrias
loucas, marejadas…

Desperto para o dia insólito
no albergue
fazendo a fronteira
entre o sonho e o amor ao mar
sem o peso diário
nas minhas costas…

Sinto a boca seca
morrendo de beijos
quentes
no ar da silhueta bailando nas ondas
tão longe…tão longe…

O mar…é a sepultura a prolongar-se
de olhares pesarosos
e quebrados de choro
e as gaivotas
cantam à maresia dos olhos
como carpideiras
de sol esventradas!

Só o ouro do engano
me molda a pele
numa vaga
vingada.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Da fonte


Se o impulso de ser fonte
se elevasse ao nível do teu olhar,
rareavam as águas nascentes
e a pureza desse navegar

reflexos de verdades cândidas
imergiriam dos leitos sãos
e as coordenadas perdidas
tornar-se-iam a rota das mãos

Moldar-se-iam palavras flutuantes
numa magia incolor
e as sílabas inodoras, cintilantes
debruçar-se-iam sobre o amor

E num poema matava-se a sede
da secura que o meu olhar pressente
nessa ausência que precede
a esterilidade da terra carente.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)


quarta-feira, 22 de junho de 2016

ARTES


Vagueia-me
A mente por aquela música
Guardada em búzios de calmaria
Que sons, que notas, que vozes teria
Sem os acordes dessa mágica?
Sinto
O embalo perfeito na dança
Do meu corpo junto ao teu
Abraço terno que me ofereceu
A arte desta louca esperança
Desenho
Os nossos corpos numa tela
Esboçando a minha ternura
Na face doce de uma donzela
Mostrando os olhos da minha ternura
Esculpo
O teu corpo no barro da vida
Pedaço da terra dos tempos idos
Em segundos de abraços rendidos
Em tristes beijos de despedida
Agradeço
No palco dessa vida distante
Todas as cenas do Teatro apaixonado
Vibrantes no cenário passado
E em aplausos e luzes exuberantes
Escrevo
Cada diálogo em tons que a Literatura
Mais não faz do que esclarecer
Que sem ti a vida não me vai oferecer
Poemas doces e com a mesma ternura
Vejo
Flashes de luz nas Fotografias
Que conheço de cor em cada parede
Na vida em trapézio sem rede
Onde tento equilibrar as poesias
Mas
Cada filme em cada sala
De Cinema traz a emoção
Que povoa o meu coração
E a minha tristeza embala…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Escrito em poesias


Foi no azul que o mar moldou
Que moldei eu a minha vida
Tão concreta como definida
Numa vaga que o vento levou

Acordei meus olhos ao mar
Pensei nos pesos agrestes
Resolvi cortar os ciprestes
Do cemitério desse amar

Voltei meu corpo p’rá brisa
Que embriaga o meu anseio
E olvidando qualquer rodeio
Recebi a cor que a pele suaviza

E esse ouro que o mar beija
Transbordou na minha mente
Querendo a sorte que bafeja
O marinheiro forte e insolente

Peguei no rumo da embarcação
E galguei ondas gigantes, bravias
Afundei a âncora do meu coração
Nesse (a)mar escrito em poesias!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

Beira mar


B_eirando as margens desse corpo moreno
E_mergindo do fado das ondas dos cabelos
I_mponentes vírgulas na alquimia dos olhos
R_iem esses lábios deslumbrantes
A_cariciando as mãos sapientes

M_urmura-me marés de anémonas coloridas
A_braçando o sal doce da pele macia…
R_ogo a Iemanjá essa terna oferenda, essa magia!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 16 de junho de 2016

Marinheiro


Ergo em nuvens perfume a incenso
Escondido naquela solitária madeira
Do tal albergue prazenteiro na beira
Da praia dourada desse mar imenso

E lanço sinais na palavra verdadeira
Para teus olhos, mergulho suspenso
Num amor proibido, de odor intenso
Embriagante qual gesto a vida inteira

Inclino meus lábios em beijos morrentes
Para uma silhueta bailando nas ondas
Tão longe dos abraços que já não sentes

Miragem do marinheiro em luas redondas
Acenando o adeus em frases decrescentes
Veleiro da ausência na história que contas

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Invicta brisa fria


De janela aberta ao vento norte,
percorre-me uma invicta brisa fria
a pele…convite declinado
de uma emoção
que range
nas junções das portadas.

O sol incendeia os campos
neste “por de mar”
entre os vales
tristes e sós… enquanto
as nuvens escuras
se aproximam
do temporal
das minhas têmporas…

Fecho os olhos e afago-te
a mão invisível:
“Não te preocupes,
há de haver um novo sorriso,
um novo amor à poesia!”

Mas as letras não se conjugam
e a história mareia
na seara

que o verão morreu.

O silêncio entranha-se
como foice obrigatória
de um refrão
que perfura durante horas
as espigas d’oiro.

E brotam poemas nas pétalas
acriançadas
das papoilas
navegando-me
e naufragando-me
na boca.

Fui tão pouca praia
para tão grande oceano…

que transformei os grãos de areia
no rochedo do Adamastor.

Agora posso agigantar todo o meu amor.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

domingo, 12 de junho de 2016

Santo António


Ai meu rico Santo António de Lisboa
Por favor vem até aqui para ajudares
Que eu quero é sentir essa brisa boa
Vinda da fogueira dos santos populares

Traz-me o cheiro a rosmaninho e alecrim
E o sabor do pão com a sardinha assada
O som da música em cada novo festim
E as danças divertidas toda a madrugada

Protege-me as oliveiras dos pardais
Para que o azeite bom nunca me falte
Para alumiar os altares e os missais
E as minhas orações nunca sejam debalde

Guarda o pão para os pobres com fome
Arranja o noivo para a jovem menina
E prometo não dizer mais o teu nome
E acender a vela na tua linda capelinha

Ah! Meu querido e rico Santo Antoninho
Sente o cheiro do manjerico que vejo
E faz-me um último milagre… pequenino
Devolve o amparo às gentes do meu Alentejo!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sábado, 11 de junho de 2016

A noiva


Naquele tempo havia o ébano contraste
com a colcha branca da manhã
e um terno sorriso nos olhos luzentes,
enquanto as faces rosadas eram a dádiva
ofertada a meia voz
(com o silêncio que o bom dia despertava)
e o único quadro sobre a cama emergia
envergonhado ainda pela noite virgem
desflorada a pano cru e flor-de-laranjeira
e erguia-se o véu na cadeira já gasta,
coroando a graça
de ser (tua) mulher!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A força de um poema


Conheço o mundo segredado
pelo calor de agosto
mas a soma de todos os medos
magoa-me os sentidos
e oferece-me uma inércia que dói,
uma dor tão profunda
quanto o mar…

e descanso os olhos sobre a janela
do cansaço…

dirijo-me à porta da alma
e vejo que chove
um silêncio de gotas minúsculas…

saio e rasgo o vestido
desbotado, de costuras
cosidas a linhas pobres…

recebo cada gota
no milagre da minha pele
de braços abertos
num abraço único e só meu

e danço de pestanas cerradas
a música que tropeça
na saliva da minha boca,
e sinto-a percorrer
a valsa plana
nas curvas das minhas margens…

danço o feitiço das horas
germinadas na minha vontade
como num mergulho sem mar…

danço o impulso do sorriso
que a felicidade emana do perfume
a terra molhada
de uma sofreguidão lânguida…

e sinto-me feliz!

A escuridão oculta as angústias
e a chuva lava-me a flor de sal
que encubro na pele…

adivinho o planeta
que as mãos aconchegam
no vinho da embriaguez
que tem a força de um poema!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Planar de emoção


Não julgues o bater de asas, suave, quando não sentes a luta por dentro da quilha, rente às penas. Enquanto a dor salgada da maré se embrenha nos pulmões, é o osso oco que protege as vírgulas, sustendo a respiração nos pontos finais. Porque o ar, por si rarefeito, arranha as entranhas, formando um esgar angustiado. E as asas crescem num aflitivo pairar, músculos alerta nas cores camufladas de isolamento, e a vontade é tudo o que resta. Graciosidade ou simples abandono, assim é o voo da vida.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

quarta-feira, 8 de junho de 2016

Alquimia-escuridão


Tenho um momento meu guardado
No silêncio que só em mim se gasta
E como do calor devastador se afasta
Abro uma porta ao mundo espiralado

Recebo o bafo da chuva anoitecida
Nos segredos que os dedos magoam
E ergo as sílabas pálidas que ecoam
Nas gotas de raiva rasa e enlouquecida

São cálices de um vinho encorpado
Plenos de voos rubros numa melodia
Que o temporal abafou em rebeldia
Numa falta soturna, brio evaporado

E embriago-me desse vício tão feliz
Do encontro sereno, desprevenido
No encaixe das dermes, escondido
Pela dança que só a vontade quis

Abraço as árvores e acaricio as folhas
Bebendo os pingos da alquimia-escuridão
E sinto o tamborilar doce da tua mão
E perco-me na doçura quando me olhas!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

terça-feira, 7 de junho de 2016

As palavras

As palavras:

do símbolo ao significado das mãos

o peso do prumo
que o sentido abalroa
numa onda caindo
rumo ao precipício

o som coagulado do silêncio
em torno do sangue fervente
que uma lágrima deixou

o pouso tranquilo
no fio da vida inquieta
num equilíbrio periclitante

o pousio perfeito
em terra arrumada
nos socalcos da fantasia

e cada acento é a grave urgência
ou a aguda sensação
de que algo ficou por dizer

sempre haverá a morte
no abismo da sinonímia
que transgride a lembrança doce

porque a foz do orvalho germina
a jusante dos lábios entreabertos
que a língua saliva

e as penas que pensas
com o coração
aninham-se
num ninho só

eclodindo mais palavras.

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Corvos


Mantenho o segredo
sereno
das searas douradas
no meu rosto,
enquanto o estio nefasto
te afasta de mim,
nas asas dos corvos

(perpétuos calvários)

vestidos das sombras
dos poemas…

Já perdi o perfume
das açucenas
trazido pela barra
onde o teu nome
refletia o meu!

E o sol moldado
a barro morrente
nas minhas mãos
desmorona-me as rimas
sem arte…

Ainda o sabor que a mina refulgia
num simples sorvete
melado de amor
se abre ao abraço
sem margem
num desassossego
triste
e sem calor...

E sussurram as águas
a canção muda
que o Guadiana
silenciou…

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

sábado, 4 de junho de 2016

Palavras amenas


Amarrotou a folha que o papel abriu
às letras de uma prece tão impura
como beijos carregados de ternura
em rosto falso que verdade assumiu

Atirou-a longe do cetim da brandura
e gritou um grito sádico que brandiu
a mágoa que o ponto final destruiu
na margem branca que tinha doçura

Desfez-se o poema em mil pedacinhos
numa carrancuda cascata de penas
quando o vento mensageiro de carinhos

o envolveu em seus braços, apenas
como se os próprios sopros paulatinos
devolvessem as palavras… amenas!

Rosa Alentejana Felisbela
(Imagem da net)


quarta-feira, 1 de junho de 2016

Criança


Ah! Como é bom ter o berlinde do mundo
entre os dedos naquele rodar maravilhoso
enquanto o tempo passa a mil, tão buliçoso
que mais nos parece apenas um segundo

Oh! Como é bom ter as tranças brilhantes
caídas sobre as promessas do vestido
naquele prazer de brincar descontraído
sem apreensões, viver apenas os instantes

Ah! Como é deliciosa a tal companhia
da bola de futebol debaixo do braço
numa pressa de se acabar o espaço
e marcar o golo que à equipa dará alegria

Oh! Como é deliciosa a boneca de trapos
esfomeada pela atenção da mamã
enfeitando os braços de cada manhã
de ternuras e juras em doces farrapos

E como são virtuosos os tais direitos
perdidos tantas vezes na selva adulta
por egoísmo e loucura que se diz culta
mas que os mantém apenas escritos

Todos os dias são dias de venerar
a geração mais mimosa e pura
sempre é tempo de lhes dar ternura
sempre é tempo de aprender e ensinar!

Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)