quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Lareira de contos


Quando o dia termina de mansinho e a escuridão se instala nos cantos da cal e nas concavidades das paredes salitrosas, a cadeira de bunho suspira pelo meu corpo cansado. As costas de madeira, já puída pela quantidade de vezes que aconchegou as minhas costas, rangem a sua saudade. As labaredas produzem o calmo crepitar da cozedura do jantar (único perfume acolhedor que se espalha pela casa) e o fumo tisna a parede e a panela que o ferro forjou, enquanto os meus olhos demonstram a sua pequenez. As minhas roupas gastas, porém limpas, acariciam-me a pele enrugada da velhice. Tenho as mãos trémulas sobre os joelhos, segurando o livro de contos (oferta da minha nininha, que morreu vítima da idade que o tempo amarrotou). Em tanto procuro a sua voz e entanto vou perdendo a capacidade de a ler e encontrar nas letras…Solitário da luz do candeeiro a petróleo, como as sopas que as horas amargam e deito-me com a doce lembrança das rimas que os olhos da minha nininha me declamavam. E a saudade adormece-me agasalhado por mais um poema, quente com a manta da noite.

Rosa Alentejana Felisbela
(van gogh farmer)

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