sábado, 2 de maio de 2020

Página em branco

Acendi uma girandola na página só para tu veres. Tantas luzes, tantos desenhos em forma de coração, de rosas, até da palavra amor, explodindo. Escorrendo pela página, como se de lágrimas se tratassem. Confesso que ignorei a lei que proíbe o fogo de artifício. Receei incendiar as palavras formando o teto. Tive tanto medo que as paredes de metáforas não resistissem ao calor das fogueiras de alecrim que perfumavam o ar, só para te encantar. Mas escrevi o teu nome na perna esquerda, tal como mandam as tradições, e saltei de noite por cima do abismo. Eu sei que parece loucura, mas dizem nos velhos alfarrábios, que me irias amar para toda a vida. Mas o ritual do teu olhar nem se deteve. Foste um simples sujeito agramatical, pedindo aplausos para o rodapé. Quando nasceu o dia, só vi orvalhos decorando a página. Eram os meus olhos a enlouquecer. As linhas do meu corpo ficaram registadas a negro numa página amarelada pelo tempo. Hoje cuidei dos meus dedos, feridos de tanto fervor. Amarrotei a página e atirei-a para o lixo. De nada vale “amar pelos dois”…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
02/05/2020
(desconheço o autor da pintura, mas inspirou-me...)

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