sábado, 16 de maio de 2020

Espiga

Tenho mesmo aqui no peito
Uma espiga nova a crescer
Ora, se faço nada de jeito
Como foi isto acontecer?

O meu corpo tornou-se seara
O meu coração fez-se papoila
Tenho um sorriso aqui na cara
Não tenho quem o recolha

Sou a fonte onde brota o pão
Nestes tempos de escassez
Minha boca fechada em botão
Não canta de tanta timidez

Procuro a água bem fresca
Nalgum rio aqui por perto
Mas a sede molha-me a testa
E tenho o desaire aberto

Não penteio os cabelos
Não me visto a rigor
Sou fiel aos pesadelos
Meus olhos não têm cor

Tenho uma espiga no peito
E uma papoila no coração
Sou o campo com defeito
Esqueci-me da satisfação

Moro no morro onde choro
Respiro o ar que me sufoca
Não quero saber do decoro
Que o poema me provoca

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

Sem comentários:

Enviar um comentário