segunda-feira, 28 de maio de 2018

Pesadelo de domingo à noite

Na insónia da noite, um muro fantasma acompanha o poço silencioso da minha silhueta, curvada pela solidão de domingo. Caminho em passos lentos, sobre a terra, onde ainda é madrugada. A terra é fermento, é raízes mortas, pedaços de pensamento agarrados ao musgo das rochas. Tenho feno seco no rosto, sedento. A linha dos meus lábios é a única de água. Todavia, escuto o germinar do grão do ciúme, ouço a semente a formar-se, e o caule a percorrer o seu caminho de luz da lua. Vejo o fruto intocado dentro púcaro da tua boca. Ela que me mataria a sede inventa uma desculpa e foge. Começo a deslocar-me mais rapidamente, corro e persigo-a até à varanda da tua casa, onde pousa na janela aberta e desaparece, com a brisa. Ousa escorregar para o interior. O meu coração agarra-se às grades da tua ausência. Dispara em silêncio o peso do teu nome, uma e outra, e outra vez. Nenhum som. Nenhum espaço é preenchido pela tua sombra. A noite esvai-se em pétalas de cravos noturnos sobre o horizonte. Os meus olhos, raiados de sangue, recusam-se a perder a fé no sono. Mas o que resta de mim? Uma moldura humana caminhando ao som do matraquear dos ossos. Uma vagabunda arrastando a magreza das roupas pelo chão aberto de par em par. Uma vadia atirada para a cratera, sem dinheiro nem charme para acender um cigarro. Se ao menos tivesse um vestido vermelho e um salto alto, poderia prostituir a verdade e encontrar um fio condutor. Um fino fio de fumo ergue-se na escuridão e percebo que é segunda-feira. Estou sentada na cama, evadida na espera, de braços estendidos ao redor do coração. Percebo que se abriu uma pedra, em locais puídos dentro de mim e nasceu uma árvore. Tento subir ao cimo dos ramos e colher o sol. Apenas deste modo, descobrirei os mistérios que a noite encarna. O desapego renasce-me nas mãos e eu…abandono a cama num duche que me lava do “sim”.

Rosa Alentejana Felisbela
28/05/2018
(imagem da net)

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