sexta-feira, 18 de maio de 2018

Lúcia


(Esta história é pura ficção)

A saia comprida rodava num rodopio veloz enquanto dançava. O verde dos olhos embrenhava-se no desejo de cada cigano em idade casadoira, tremeluzindo à luz dos candeeiros a petróleo. Os cabelos presos numa trança balouçavam ao ritmo da viola e das palmas, ao redor da fogueira. O perfil perfeito recortava-se no escuro da noite e a pele trigueira do corpo voluptuoso, era a chama que incendiava a líbido do sexo oposto. Lúcia era a cigana mais bonita do acampamento. Ninguém diria que tinha doze anos. Ninguém entendia porque os pais a deixavam frequentar a escola. Desconheciam a razão pela qual o pai nunca a tinha prometido a alguém das suas lidações. O orgulho que sentia na sua Lúcia impedira-o de tomar decisões. Porém, a barraca começava a tornar-se apertada com tantas propostas, os dotes oprimiam a vontade férrea do pai e a mãe mortificava-se com o futuro, que pretendia promissor, para a sua filha. Todavia, Lúcia era feliz, com os seus brincos de esmeraldas, os seus colares a condizer, as suas roupas mais próximas dos modelos das meninas “não ciganas” e a escola era o brinde que a encantava. Diferente das irmãs e das primas, aprendera a ler, escrever, contar e ser. Num mundo de tabus, ela contava com a amizade dos “gadjés” e apreciava a companhia do Tony. O seu colega de carteira deslumbrava-lhe as ideias, tolhia-lhe a atenção sempre que falava. Envolvia-a num admirável mundo, que ela desconhecia. Embevecida, aprendia cada significado, cada caminho, cada costume. Nos recreios conversavam, sempre que os da sua etnia não estavam por perto. Encontravam-se atrás do ginásio, num desafio à sorte, que poderia ser fatal para ambos. Foi nos lábios do Tony que Lúcia descobriu o primeiro beijo, aquele roçar num repente excitante. Foram os braços de Tony que a enfeitaram de afagos. E no campo de trigo, próximo da vedação da escola, descobriram o prazer dos corpos. Foi um primo que os descobriu num momento de distração. Que levou a novidade aos ouvidos dos ciganos. Tony foi caçado como um animal, e os predadores arrancaram-lhe os olhos. Tony morreu esvaído em sangue. Os responsáveis, impunes, seguiram as vidas em lugares longínquos. Lúcia foi humilhada e excluída da família cigana. Os seus pais, depreciados, desapareceram a jusante do rio num barco. Lúcia fugiu para casa de amigos distantes. Hoje é advogada de causas que considera importantes, como o direito à escolha de noivo e outras semelhantes. Nunca mais esqueceu o Tony. Nunca casou, mas isso tornou-se pouco relevante.

Rosa Alentejana Felisbela
18/05/2018
(imagem da net)

Sem comentários:

Enviar um comentário