domingo, 25 de outubro de 2015

Lugar nenhum

MOTE XXX:
"Arranca metade do meu corpo, do meu coração, dos meus sonhos. Tira um pedaço de mim, qualquer coisa que me desfaça. Me recria, porque eu não suporto mais pertencer a tudo, mas não caber em lugar algum."
______________________ José Saramago

Lugar nenhum

Perdida da tua metade, julgo escutar ao longe a tua solidão. Ela arrasta-me entre a multidão. Fere-me entre as pedras plantadas por uma sociedade que não fica feliz com a nossa alegria. Maltrata-me as palavras doces, esmaga-me as horas e pisa-me despudoradamente para me fazer sentir um pássaro preso na sua gaiola. Algures, entre a corda e o pescoço existe uma nuvem escondida dos olhares alheios. Apenas o seu algodão amacia a minha forma de redigir os sonhos e me recorda o trejeito que fazem as tuas sobrancelhas quando me olhas, ou a forma como os teus lábios se movimentam quando verbalizam o meu nome, até a postura exata da tua cabeça quando nos abraçamos. Podemos ficar longe durante uma vida, mas saberemos sempre de cor cada concavidade e a medida exata das nossas mãos entrelaçadas, o perfume que tem o cabelo do outro, a palavra calada no olhar quando nos amamos, inclusive a maneira como respiramos os segundos no mesmo ar rarefeito. Sem dúvida seremos sempre inacabados enquanto estivermos separados. Por isso, peço-te que me recries. Que me alcances na esquina da frase onde te venero, na orla do istmo onde abundam as reticências, no meandro percorrido pelo texto amargurado, mas colhe-me como rosa, orvalhada pelo choro copioso da manhã, ao cadafalso desta sociedade mesquinha. Planta-me no solo fértil da tua terra e rega-me todos os dias para que nunca morra. Eu prometo perfumar todos os teus dias. E enquanto não chegares sinto que não pertenço senão a lugar nenhum…

Rosa Alentejana Felisbela
25/10/2015
(imagem da net)

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