sábado, 6 de junho de 2020

Pureza da alma


Percorri as águas com os olhos benevolentes de quem jamais se afogaria. Bandos de pássaros quebravam os restos de luz do dia, com as suas asas. Os brilhos finais das cores do sol saltavam de gota em gota, como quem procura um remanso para ficar. O frio da tarde agredia-me as faces, como se os açoites me fizessem voltar à escuridão que teimava em chegar. Os faróis dos carros, ao longe, emitiam os seus raios ao passar para lá dos meus pensamentos. Camuflei, mais uma vez, a dor da amargura. Ainda ontem me beijavas à beira margem, me abraçavas com tanta sofreguidão, que o ar rareava e eu nem acreditava em tamanha felicidade. Recordei a mesma hora, o mesmo não. Apercebi-me que nada mais havia a fazer senão gritar. Mas a povoação ficava longe. Já os teus dedos ficavam perto demais, a tua boca assumiu o comando em lugares que eu julgava serem só meus. A tua força quebrou-me a alegria em mil estilhaços. A tua arrogância arranhava-me a garganta. Era como se eu sempre te tivesse pertencido, quando isso não era verdade. Nunca fora de ninguém senão minha. Julgas que a vergonha me tirou as forças? Não. Neste momento, consigo ver a beleza do meu corpo e a beleza da paisagem que me rodeia. Apagaste a minha imagem? Sabes bem que só o meu mel te adoçará a boca, só o meu perfume ficará na tua pele quando tocares outra qualquer. Foste o meu espelho? Nunca! Eu jamais me tornaria nessa imensidão de egoísmo. Abriste-me ao meio? Pois voltei a estar inteira, como sempre o fui. Com a certeza de que sou hoje e serei sempre, uma enorme mulher. Tenho a força de um tufão e o meu amor será o vulcão que queima de desejo o homem que eu escolher para mim. Volto os olhos para as águas e vejo um peixe saltar. Como é bela a pureza de uma alma…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
06/06/2020

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