domingo, 14 de junho de 2020

Provocações


Pela madrugada, levantavam-se os homens para irem buscar as palmas e verduras para espalhar pelo chão. Durante semanas, as moças mais novas da rua, juntavam-se na casa de alguma delas para recortar e colar os papéis com forma de bandeiras em fios que serviam para enfeitar. A charola, toda ornamentada de papéis coloridos ficava ao centro, onde todos os fios iam ligar-se. Era habitual pedir a uma das vizinhas que cedesse a eletricidade, à janela da qual se colocava a aparelhagem para leitura dos discos de vinil com os êxitos da época. Algumas faziam bolos, que eram sorteados durante a noite, para fazer face às despesas. Muitas vezes faziam rifas, ficando com os dedos da cor dos papéis. Naquela noite, o mastro começou às 21 em ponto, tal era a pressa de iniciarem a dança. Apenas nessa altura rapazes e raparigas podiam sentir o corpo amado e conversar de forma descontraída, sem serem admoestadas pelos pais, embora existisse uma proximidade que devia ser respeitada, ou as raparigas ficariam com má reputação. Costumava-se fazer um mastro por cada zona, e rivalizavam-se os enfeites e formas de angariar dinheiro, bem como as músicas. Por vezes, alguns arruaceiros iam promover mau ambiente, para os restantes mudarem de baile. Ainda não tinham chegado as 23 e já um grupo de 4 rapazes de outra zona estavam a chegar. Começaram por pedir às moças com namorado para dançarem com eles. Obviamente, elas recusaram. Os namorados sentiram que os outros estavam a provoca-los, e resolveram dar-lhes uma lição. Encheram uma garrafa com água e groselha e leiloaram-na como se fosse vinho tinto. Os arruaceiros gritavam sempre mais alto, mais dinheiro. Os rapazes, divertidos, qual atores de teatro, fingiam que se importavam com a perda. Quando já tinham uma soma digna, entregaram-lhes a garrafa. Ao verem que tinham sido ludibriados, quiseram entrar em confronto físico, mas os rapazes em maior quantidade expulsaram-nos. E o baile continuou até às 3 da manhã. Sem mais acontecimentos dignos de nota. Desta forma se resolviam as provocações em outros tempos.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/06/2020
(imagem da net)

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