quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Nevoeiro no pensamento


De mãos cobertas de nevoeiro, colhia abóboras ainda meninas como ela e colocava-as num cesto. Tentava ficar perto da mãe para não se perder. Nem a metade das luvas que cobriam as costas e as palmas das mãos acalmavam as frieiras dos dedos nus em contacto com as gotas de gelo cintilante. Trazia na cabeça um gorro que lhe deixava de fora apenas os olhos pequeninos como azeitonas verdinhas e lustrosas.
Custava-lhe respirar, pois o ar frio entrava a seu bel-prazer pelos pequenos furos da lã e chegava à garganta ressequida e às narinas vermelhas já com feridas, indo ao encontro dos pequenos pulmões cansados da sua tarefa.
Ali perto, ouvia-se um adulto sempre a gritar numa língua desconhecida. Sempre que parava para segurar numa flor bonita que encontrava, aquele homem chamava-lhe a atenção. Ela assustava-se e a mãe voltava a colocá-la no trilho recomendando juízo.
Todos os dias eram feitos daquela brincadeira que ela já achava aborrecida, e que não compreendia. Todos os dias ela se lembrava do local onde vivera feliz com os pais e o seu ursinho de peluche que perdera na viagem. E a cama quentinha? Onde ficara?...

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
08/01/2020
(imagem da net)

Sem comentários:

Enviar um comentário