quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

A dança da vida


O som dos saxofones ouvia-se cada vez mais perto. Aquela voz doce e quente abraçava a alma e o coração. A entrada estava mal iluminada. Um casal abraçado vinha a sair a sorrir de felicidade. Quase iam de encontro a ela, mal conseguindo evitar o contacto. Ela sentiu o perfume deles, misturados, e um leve odor a suor emanava das suas roupas. Sentiu algum constrangimento pela proximidade e por permitir-se intuir tanto daquelas pessoas desconhecidas. O corredor era estreito, ela avançou devagar, deixando que a música a chamasse. Os seus olhos foram em direção à luz ténue da sala. Iluminada em locais precisos, permitia ver os casais a dançar na pista. As lantejoulas dos vestidos das mulheres, contornando-lhe os corpos sensuais eram fascinantes. Os homens estavam vestidos de negro e moviam-se com graciosidade quase feminina. No entanto, um olhar mais atento permitia-lhe ver a sua masculinidade de gestos mais robustos. Ela foi contornando a pista até encontrar mesas e cadeiras. Sentou-se observando a envolvência com toda a atenção. Mas ficou só por pouco tempo. Um homem ofereceu-lhe a mão propondo-lhe dançar uma rumba. Ela aceitou e retirou o casaco pesado que lhe ocultava o corpo esbelto. Ele levou-a para o centro da pista, largou-lhe a mão e afastou-se. Ao sinal que lhe deu, ela avançou para ele com toda a elegância e seguiu-lhe as indicações. Eram o par mais belo do salão. Não se conheciam, mas entendiam-se como se fossem um só. Os restantes pares afastavam-se sempre para os deixar brilhar. No final das cinco músicas, ela agradecia-lhe sorrindo, pegava no casaco e desaparecia. Todas as quintas-feiras se encontravam no salão. Passavam toda a semana desejando que chegasse aquele momento. Porém, ele nunca tivera coragem para lhe fazer qualquer pergunta. Ela nunca tivera coragem para lhe explicar nada. Ao chegar a casa, ela abria a porta e uma voz perguntava: ”És tu filha?”…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
09/01/2020
(imagem da net)

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