domingo, 5 de maio de 2019

Lua


A lua derramava o seu tom prata sobre as ruas carregadas de sombras sinistras. Descalça, sentia as vibrações da terra, a liquidez das ervas e a vontade cortante de algumas rochas afiadas. Raras eram as coisas que lhe causavam tamanho prazer. A não ser o perfume da chuva na terra, ou o vento a acariciar-lhe o rosto. Sorria às estrelas que trazia bordadas no manto negro que lhe cobria a cabeça e todo o corpo, e cuja bainha começava a arrastar por causa do peso da lama que se agarrava ao tecido de lã. A noite continuava a abraçá-la de uma forma única e inalcançável para outro ser humano. Desde criança que tinha este ritual: em noites de lua cheia saía de casa sozinha, vestida da maneira descrita e dirigia-se para a barragem. Chegada ao local que poucos se atreveriam a procurar, por estar coberto de rochas e árvores e limos e de uma aura mágica, onde a bruma fazia a sua morada, ela desabotoava o manto com as suas mãos níveas e deixava-o cair no chão. O seu corpo bebia a cor da lua, os olhos cintilavam como pirilampos. Os seios firmes, como botões de rosa a desabrochar, o ventre liso como água escorrendo de um rio, o triângulo enfeitado com a penugem de um pássaro em início de vida, as pernas longas e sedosas, os pés perfeitos a caminhar rumo ao fundo daquelas águas tranquilas. Enquanto o líquido engolia aquele corpo jovem, os grilos cantavam na margem, as rãs coaxavam nas rochas próximas, e um silêncio assomava aos seus ouvidos, num deleite compensador. Ali se mantinha durante uma hora, a flutuar ou apenas sossegada, a sentir a força da água, a adrenalina da escuridão, o equilíbrio do natureza que tanto amava. Por fim, saía lentamente da água, enroscava-se no manto e voltava para casa, fazendo o mesmo percurso. Regressava revigorada, feliz. Chamavam-lhe “estranha”, “bruxa”, não gostavam da sua presença. Tudo o que é distinto causa algum desconforto e desconfiança. Todavia, ela era apenas uma mulher diferente…
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
05/05/2019
(imagem da net)

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