domingo, 3 de fevereiro de 2019

O melhor companheiro


Lembras-te? Ele cruzava a rua a correr desesperado, como se não houvesse um amanhã para concretizar o que tinha em mente. Não se importava com o frio cortante, ou com o calor estonteante. Tinha um fito. E nada o poderia demover. De nada adiantava gritar-lhe e pedir que tivesse cuidado com os carros. Eles haviam de parar quando o vissem. Mas o que mais te confrangia era esse desejo que ele tinha por cheirar a parte traseira das visitas. Por mais que lhe pedisses para não fazer isso, instintivamente, ele tinha que saber informações sobre as pessoas, tal como fazia com os seus amigos. Saltava-lhes para o colo, e havia quem detestasse. E tu, da forma mais gentil que conhecias, pedias para estenderem a mão no sentido de que ele pudesse cheirar e deixá-los em paz. Uma vez, quando uns familiares vieram visitar-nos, ele fez xixi na perna das calças da tua irmã, o que te deixou envergonhado (eu ri-me imenso). Porém, era a sua maneira de expressar o nervosismo de ver tanta gente em casa, habituado a ver apenas três pessoas diariamente. O carinho que ele demonstrava ao ver-nos chegar a casa era algo que te deixava encantado, recordas-te? Os saltos, rodopios, corridas em círculo à volta da casa, uivos e derrapagens, deixavam-me tonta, mas divertida. O pior de tudo era quando tu atendias o telefone. Primeiro sentava-se a olhar para ti. Depois latia bem alto. A seguir ia buscar o comando do televisor ou outro objeto que te fazia falta e roía-o…Ficavas irritado e tinhas que pedir desculpa e desligar o telefone. À hora das refeições sentava-se a olhar-nos com olhos de quem não comia há semanas. Depois levantava as patas e batia com elas nas nossas pernas, para que lhe déssemos atenção e caísse alguma coisa na sua boquinha gulosa. E naquela vez em que eu chorei e ele veio para o meu colo, muito atento, a ganir e a lamber-me as lágrimas? Abracei-o e ele não me deixou sem que eu parasse de chorar. E sempre que tinhas uma ferida? Ele ia sempre tentar lamber o local, como se o quisesse curar…Na rua era diferente. Lembro-me quando tu ias passear com ele. Em pequeno, eras tu a “passeá-lo”, puxavas pela trela dele porque queria cheirar tudo e deixar a sua marca em todos os contentores de lixo. Depois que ele cresceu, era ele a “passear-te”, mal aguentavas segurá-lo por causa do porte pesado e cheio de vigor. E são assim os nossos animais: mimados, mas os melhores companheiros. Alguns são tratados como se fossem da família que os acolhe. Outros são tratados de forma desumana…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

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