domingo, 9 de setembro de 2018

Homenagem aos oleiros - Beringel

Ontem, dia 8 de setembro foi um dia especial. Os oleiros de Beringel, entre os quais o meu pai, foram homenageados pela Junta de Freguesia e pela Associação de desenvolvimento de Beringel - Badajan. Fica o registo do momento emocionante e de recordações saudosas bem como o texto que escrevi, e de onde foram retirados elementos para o texto patente na exposição. Muito obrigada <3 A olaria – José António dos Reis Baião (Petisco) São 9 horas da manhã de um dia qualquer, e José Baião (Petisco) levantou-se há pouco. Não por preguiça, mas porque do alto dos seus 79 anos, reformado há tanto tempo, tem direito de o fazer. Tempos houve em que se levantava tão cedo quanto o sol. A conversa começa pela lembrança da infância. Cerca dos 9 ou 10 anos abandonou a escola e começou a ver familiares a trabalhar o barro, a pedalar na roda dias seguidos e o desejo de experimentar tomou conta dele, até porque tinha que ajudar a ganhar dinheiro para a família, e começou a trabalhar no dito ofício. Recordou que cada roda custava à volta de 50 escudos. Primeiro trabalhava em rodas emprestadas e começou pelos “testos”, ou seja as tampas das panelas. Cada panela valia 3 tostões na altura. De salientar que a roda onde trabalhou tinha 2 rolamentos - coisa pouco vista na ocasião -, um espigão em aço e uma “rela” em pedra – que é uma pedra com um buraco no meio. Usava uma “linha de meia” para cortar os testos, uma “alpenatra” – que era um bocado de chapéu velho, usado para alisar a loiça - uma cana para medir e desenhar nos potes – dizia-se que era para “dar barriga à loiça”. Depois passou a fazer infusas pequeninas, que valiam 6 tostões cada uma. Se fizesse um cento ganhava 6 escudos. Lembrou a casa do tio João (Petisco), lugar onde passava dias e dias a ajudar, com o primo da mesma idade, até que começou a fazer as suas próprias “fornadas” – era uma grande quantidade de loiça que ia a cozer ao mesmo tempo. Utilizava “formas” feitas em barro para fazer a metade de baixo de um pote, e outras em madeira para fazer a metade de cima dos potes. Pagava 5 vinténs por “poia” (que era o aluguer para cozer as fornadas no forno do tio). Quando o preço subiu para 10 e 15 vinténs, resolveu construir um forno no próprio quintal. Contou que levava 12 a 15 dias para fazer uma fornada inteira (desde “galhetas”, “infusas” grandes e pequenas, vasos, potes e até salgadeiras). Cada fornada valia 120 a 150 escudos. Mas houve uma vez em que cobrou 1 conto e 800 por uma fornada mais avantajada. Recordou quando saía por volta das 4 da manhã de casa com os amigos “Miúdo”, “Russinho” e o mestre Cruz para irem buscar barro às terras, primeiro em carroças – cada uma custava 4 contos -, depois em “galérias” (tratores com atrelado). Às 10 da manhã, depois de terem o barro carregado, já estavam na horta do mestre Cruz, onde o José Baião fazia as sopas de toucinho ou comiam pão com linguiça. Foram tempos duros, mas a amizade entre todos os oleiros era fator fundamental que ajudava a ganhar algum dinheiro. Os tempos mudaram e teve que emigrar para França. Foi fazer temporadas de 6, 9 ou 13 meses nas podas das árvores de fruto. Mas a saudade da família fê-lo voltar ao barro em Portugal. Quando abandonou a roda, passou a comprar a loiça a outros e a vender pelos montes neste Alentejo profundo, incentivado pelo padrinho Martinho, de quem guarda um enorme carinho. Depois do pai, foi a pessoa que mais o ajudou na vida. Depois de mais uns anos decidiu reformar-se. Entretanto já são 11 e 30. Comove-se quando repara que nenhum deles “está cá” e que pode esquecer-se de alguma coisa importante. Por enquanto, continua na arte das memórias, já que a do barro, não a passou a nenhum outro familiar. Rosa Alentejana Felisbela

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