quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Acordei

Quando partes retenho a cor dos teus olhos, o perfume da tua pele e o hálito da tua boca. Memorizo o som dos teus passos, e o som cristalino da tua gargalhada que invento, como se o ferro em brasa da saudade me tatuasse a memória. Sei que um arco-íris de alegria me levantará, todos os dias, da cama de gotículas de orvalho onde sempre me deito. Carrego os tons cinza da tua partida nas nuvens que me escurecem o olhar. O fardo desse mar magoado de angústia pesa-me sobre os ombros. O piar da gaivota muda de adeus quebra-se em miríades de estilhaços sobre a vidraça da minha janela. Escorrem lágrimas dos beirais dos telhados periclitantes de vidro baço, sob os quais me protejo do temporal. Todas as páginas brancas ficam suspensas no limbo da imaginação cruel, tão cruel! Mas um sopro do vento Norte transporta-me as folhas de um outono em tons de laranja, castanho e amarelo e eu abro as mãos e deixo-as voar. Novas cores florescerão no sacrifício das velhas árvores. Bani as falsas promessas do campo largo da minha visão. Na verdade, limitei-me à curta distância de olhos semicerrados acreditando na tua ausência definitiva. De repente, abro os olhos e vejo que adormeci. Reparo que estás de volta, no teu andar lento e manso, branco, de orelhas afitadas e olhar atento. Somos só nós dois, nesta ilusão de romance de amor. Vens devolver-me os afagos que sonhei. Hoje sorri. Acariciei-te. E sei do teu sorriso porque acordei.

05/09/2018
Rosa Alentejana Felisbela
(imagem da net)

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