sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Pousar palavras

Queria pousar as palavras sobre a paisagem de inverno, como ave planando sobre as nuvens que o caramelo lambeu por dentro, ou sobre as árvores que o breu assumiu colheita sua, ou sobre os torrões como crânios carecas onde nasceram pequenas cânulas amareladas. Mas não me recordo do cheiro da terra molhada para poder fazê-lo. Perdi as gotas algures entre um fardo pejado de bafo poeirento, ou nas fendas abertas da cortiça ressequida. Pelo ar um vento bravio bordeja as folhas das azinheiras curtidas pela imensidão. E o sabor a cal penetra nas paredes, numa tentativa de cobrir a caliça desabotoada, folha a folha, da casa. Sento-me no poial desgastado de cimento, onde as inscrições do ano em que foi feito esmorecem a cada dia que passa. Ouço a toada dos cães ao longe e julgo, por momentos, escutar o som de passos…Mas não, foi só a garra do tempo arranhando um pouco mais de recordações.

08/12/2017
Rosa Alentejana Felisbela

(imagem de Filomena Janes Semedo)

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