segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

incongruências

a sala conta os dias falta pouco para o sofá cantar com voz de criança e as manchas subirem pelas paredes o fogão abrasado limpa o suor o frigorífico toma o ar e fica em apneia com os doces que chapinham no gelo fazendo corridas eternas entre a mesa e as bocas escancaradas das portas um cheiro quente atreve-se a chamar por ti e a cama corre para os teus pés em sinal de remissão um pecado nunca vem só aqui estou para te afagar Felisbela Baião

sábado, 28 de novembro de 2020

sorte

Raspa o código de barras Descobre o número escondido Homem sim, homem não Acerta na lotaria Fica com o teu quinhão Desflora o malmequer Hoje sim, amanhã não Oferece a flor A quem merece a cor Rubra Paixão Escorrega o óculo Não vês o ósculo? Aperta a mão Felisbela Baião

sábado, 21 de novembro de 2020

taciturno

Tenho um sol taciturno no olhar de brumas turvado e uma necessidade de ombro momento, etapa, turno na escada da vida partilhada subo e sento-me cansada novelo, enredo emaranhado e um naco de pão congelado aguardando carinho, encurvado… Felisbela Baião 21/11/2020

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

não perdoa

Sopro as palavras da mão Voam agrestes pelo ar Ardem na ferida como limão Gemem esmorecem revivem O coração a sangrar São medidas mesmo ao jeito Do sermão e cabem justas no olhar Quase a rasgar São lágrimas a que não vergas Conheces o som ao cair Sabes-lhe o perfume e o paladar Reconheces o erro ortográfico Mas não as queres rasurar Desafio o lápis que trazes A corrigir o poema A borracha estará pronta Para apagar a trama, sem pena Dó ou piedade… A idade não perdoa! Felisbela Baião

terça-feira, 10 de novembro de 2020

sou e serei

Apanho o resto do rasto Deixado pelo teu feitiço Uma tocha, uma pedra, uma faixa E coloco tudo no lixo Sou a besta bestial que te foi fiel Que te adorou no pedestal A santa impura que atiraste Para a igreja no funeral Sou a caixa de Pandora nunca aberta por fora Mas por dentro destilo o veneno Que me mata devagar Sou a sorte e o azar Mas nunca duvides que te amei Até me lambuzar Guarda o frasco do perfume, mais o lume E podes arder que nunca mais Te irei apagar! Felisbela Baião
Um anjo beijou faces em lágrimas E de joelhos acariciou as costas num abraço de tréguas Seu hálito aqueceu mãos frias dolorosas e aí deixou um ramo de rosas Felisbela Baião 10/11/2020

ao meu lado

Que bandeiras e espadas Que alegrias e ódios Se soltam das tuas asas Quando nem sequer te toco Que vontades e chamas Se alimentam quando Te evoco Que caminhos Que montanhas Se elevam no compromisso No castelo de sonhos Se chegas sem aviso Mas que voo tão sonhado Que engaste mais desejado Quando és o meu abrigo E te trago para o meu lado… Felisbela Baião 08/11/2020

quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Lamento...

Lamento as sombras. Lamento as lágrimas. Lamento o tempo perdido. Só não lamento o carinho que dediquei. Porque é ilimitado. Eu sou amor ilimitado, para os que me querem bem. Porém, existe em mim um NÃO tão redondo que nem consigo agarrar. Um CHEGA tão espesso que me é impossível ultrapassar. Dei e recebi. Muitas lições ficaram dentro do coração, outras deixei-as de fora para não me manipularem. Protegi-me como pude. Só não me protegi do amor. Ele vive em mim, sempre. Só não sou capaz de o passar para o papel. Isso dói. Magoa. Apodrece-me as palavras. Elas que são as raízes. E que árvore consegue vingar sem a sua raiz? Uma delas foi-me levada e nunca mais suportei a perda. Hoje a noite está negra… Felisbela Baião

domingo, 25 de outubro de 2020

Este ano

Este ano está marcado de noite contaminado tem fases da lua iguais tem planícies montados estações e hospitais asséticos médicos enfermeiros professores auxiliares desempregados tem pregos nos caixões ladrões de liberdade muita palha e fardos cada vez mais pesados famílias famintas e ideias geniais todas na rede como animais rebanhos vegetarianos obedientes alarmistas mentiras e tiras nas máscaras faciais corações iludidos cabisbaixos e fascistas e comunistas e arraiais cada vez com mais espetadores propagando a propaganda de extremistas mas a felicidade está dentro da casa que sabe ao sabor da vida! Felisbela Baião 25/10/2020

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Trevo

Procuro o trevo atrevo-me a querê-lo porque a paz passeia na ideia de o possuir não se trata de ver com os olhos focados mas de comer a sorte em bocados e sorver o travo para não enlouquecer Felisbela Baião 02/08/2020

domingo, 11 de outubro de 2020

Predição

Pela divisão corria uma luz etérea. Vinha das estrelas que a janela deixava entrar. Lídia e a irmã, encostaram-se uma à outra, brancas de aflição, vestidas de negro. Branca era a parede onde uma bailarina parecia dançar em pontas os seus pliés. Brancos eram os dois galgos espantados, que a olhavam de soslaio, lançando uns uivos e latidos medonhos. Brancas as rendas suspensas, que anunciavam as brisas mágicas, qual fantasmas a assombrar o compartimento… Sobre a mesa havia bolas de cristal, movimentando-se de um lado ao outro da mesa, descendo a toalha, percorrendo o chão, numa azáfama sem mãos que as tocassem. Para completar a atmosfera, do lado oposto, encontrava-se um corpo com cabeça de pode branco, sentado num banco. Este acenou a cabeça. As meninas mantiveram-se em pé e fizeram a pergunta que vinha cravada nas gargantas: “Senhor, onde se encontra o nosso pai, que saiu de casa há dois dias e não voltou?” Nesse momento, nuvens escalaram as paredes e ocuparam o teto, como previsão de mau augúrio. Ele respondeu que o seu corpo se encontrava no desfiladeiro a Norte, mas teriam que correr para o apanharem vivo. As meninas agradeceram e saíram a correr para alcançarem o pai ainda vivo… 10/10/2020 Felisbela Baião (imagem da net)

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

As sete bruxas

Sete bruxas se encontraram. Sete juras se firmaram na encruzilhada escura. Sete unhas rasgaram ramos e sete lareiras acenderam. Por luz traziam sete velas, as sete bruxas mais belas que a noite já pariu. Sete línguas arrastaram, pela terra. Sete vezes piou o mocho, de olhos arregalados. Sete gritos ecoaram nos sete cantos do mundo. Sete pecados vibraram num sismo atroz, bem fundo. Sete sombras se ergueram bem alto, e tão alto que os céus tocaram. Sete anjos acordaram com seus braços erguidos. Sete rezas rezaram e correram e voaram, e as lareiras apagaram, esconjurando as setes bruxas. As luzes das velas pingaram, na escuridão formaram e multiplicaram cada uma sete estrelas. Por isso, o céu fica tão iluminado, com as estrelas guardado, pelos anjos que as benzeram. E as bruxas correram, gritando de medo e susto, seguindo o seu Belzebu. Felisbela Baião 08/10/2020 (ilustração de Paula Rego)

domingo, 13 de setembro de 2020

Coração partido

Era um dia de maio. As nuvens escuras rasavam os montes. O sol envergonhado, espreitava por entre elas com uma força desmesurada. Haviam combinado encontrar-se junto ao banco de madeira, perto da árvore mais frondosa do jardim. Ele chegou cheio de palavras complexas. Ela a seguir, cheia de luz amorosa. Um abraço desesperado ficou por dar, entre eles. Os sorrisos tristes brincavam como as sombras da ramagem. Sentaram-se como tantas outras vezes e depois de as bocas atirarem perguntas sem respostas, os corações esmoreceram. Ele pediu-lhe um beijo. Ela rendeu-se à saudade. O beijo amadureceu veias, adocicou sonhos e promessas nunca feitas: ambos se afastaram e murmuraram “que saudade”. Ele disse que era tarde. Ela respondeu que se perdera na estrada e que não importaria o caminho. Mas ele levou as palavras nas costas e desapareceu na estrada de pedras. Àquela hora os pardais completavam a árvore e o ruído era ensurdecedor. A partir daquele dia, à mesma hora, os pássaros nunca mais deixaram a árvore, em qualquer estação. O ruído abafava os pensamentos de ambos, para não se recordarem um do outro. Rosa Alentejana (Felisbela Baião) (imagem da net)

domingo, 9 de agosto de 2020

sapatos de tacão alto


Na minha rua havia uma senhora muito fina. Costumava andar maquilhada e com sapatos de tacão alto. Eu achava-a linda. E ela gostava de me ter lá em casa. Não tivera filhos e adorava as minhas conversas. Dizia que eu era muito inteligente para a idade. Tínhamos conversas “sérias” sobre aprendizagens na escola, sobre a minha futura profissão de cabeleireira ou professora. Ela dava-me muita atenção, enquanto fazia o almoço. Às vezes dava-me rebuçados. Um dia encontrei-a muito atarefada a fazer limpezas e fui conversando, enquanto fui ao quarto dela. Calcei uns sapatos com tacão alto, e andei a passear-me por ali a brincar. Quando tirei os sapatos, verifiquei que um dos saltos estava torcido. Tive medo de lhe dizer e fui embora, sem dizer adeus. Ela estranhou e foi ver o que se teria passado. Quando chegou a vez de a minha mãe saber, fiquei uma semana sem poder ir a casa da minha vizinha, e a mãe pagou o arranjo do sapato. A minha vizinha não queria nada disso, porque adorava a minha companhia, mas compreendeu a decisão da minha mãe. A partir daí, só andava com os sapatos com tacão alto com autorização da minha vizinha, e com todo o cuidado.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Refletindo sobre o tempo verbal Presente sem indicativo


Sempre que vejo destroços empoeirados de cimento, correm-me penas, colossos de lágrimas, pelas crianças erradas no cenário.
Umas olham a tristeza com a distância incrível, que só elas conseguem, desde o cordão umbilical, até ao ponto exato onde jazem.
Outras desviam o olhar do ecrã que as salva da proximidade e comem sortes abissais, às quais perdem o valor num copo de coca-cola.
Umas não sabem onde beber, seguem os cachorros até charcos cheios de destroços.
Outras seguram telemóveis topo de gama e discutem notas para a entrada num canudo que as levará a ver o futuro pela janela.
Umas não conhecem a máquina que as eterniza num ponto qualquer do tempo, que perderam, assustadas com os ruídos dos estilhaços de pão perdido algures…
Outras cospem a mesquinhez no rosto dos pais, envenenam pensamentos e rogam pragas de facas na mão.
Umas escondem pequenos esqueletos, no meio da algazarra dos guindastes e escavadoras obscenas, que descobrem cadáveres incompletos.
Outras prostituem os costumes para conseguirem, sem se importarem com quem morre de fome e medo.
Umas choram o medo dos desconhecidos, levadas por mãos alheias, benfeitoras ou malfazejas.
A Covid é o (pre)texto para um Portugal escrito cheio de rasuras. A explosão em Beirute é o texto cheio de erros ortográficos.
Os fracos serão sempre fracos. Os fortes serão sempre fortes.
Apelo ou agravo?

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
07/08/2020

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Diário de um tipo inconveniente


Os cães não param de ladrar no quintal do vizinho. A minha cabeça começa no mesmo rodopio de sempre. As dores nos músculos, no braço, no peito. E a amargura que não consigo engolir de uma só vez. Se eu conseguisse, abria a boca e mordia cada bocado das minhas insatisfações, cada migalha das preocupações, cada grão de pó dos pensamentos retorcidos e comia-os. Podia assim, engravidar de defesas e parir novos sonhos. Quem mos tirou? Quem mos levou? Onde ficaram? Sei que preciso mudar, mas falta-me aquele clik no botão da sabedoria. Os cães continuam na sua azáfama, e as minhas reflexões continuam disparatadas. Um sopro de vento quente inunda a pouca vontade que há em mim. Levanto-me da cadeira e recebo-o pela janela aberta. Mais um dia para recomeçar.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sábado, 1 de agosto de 2020

Colar de contas pretas


Pego naquele colar de contas negras que a avó esconde na gaveta da mesa de cabeceira e saio a correr para o quintal. A avó cuida das galinhas, poedeiras de pintos amarelos, que um dia hei de apanhar para explorar melhor. Levo-o escondido no bolso do bibe aos quadrados azuis e brancos. Passo a correr o lugar onde devia haver uma porta entre os quintais, mas que não existe. Vou para a manta estendida por baixo da figueira e retiro-o com cuidado. Por momentos, coloco-o ao pescoço e caminho pela manta como dama da corte, deixando que os súbditos me beijem a mão. Rapidamente me aborreço, e coloco-o em volta do braço, como tinha visto umas senhoras fazerem televisão. Sou a rainha que se senta no chão a dar conselhos ao seu povo. Poucos minutos depois, tento colocar o colar na perna, mas ao dar a última volta parto-o e na manta espalham-se muitas bolinhas… Fico vermelha e assustada. Apanho todas as continhas negras e vou a correr coloca-lo novamente na gaveta. Com a pressa, esqueço-me da avó, que me segue e vê o que fiz. Só a ouço gritar atrás de mim “Magana, que me partiste o terço”!!!!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Caminhada


Caminhada corrida
Véus pés nus
Flores amarelas
Saída
Cabelos envoltos
Pólen adocicado
Colado ao corpo
Cruz


Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Ferreiro


Vejo os músculos
lisos esbeltos
os ombros
o peito aberto
enigmático coração
conheço a tua forma
o martelo a bigorna
- és a minha solução!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Sobre a cama


Nessa casa de luz azul mourisca
Desaguámos num abraço embrenhados
Corpos ajustados, uma faísca
Para a perdição do fogo talhados

Juntos num ciciar d’ alma aninhados
A boca carnuda, muda e arisca
Coxas, beijos, os cabelos molhados
Cinturas que dançam como Odalisca

Acordámos os lençóis da vergonha
Espiámo-nos no espelho invisível
Quebrando aquele desejo impossível

Ambos sabemos que é inadmissível
Olharmo-nos sem que a vontade exponha
E o amor a tudo se sobreponha

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

A ti caminheiro


Caminheiro sem cama
Nem ninho
Que prossegues o destino
Passo lento
Cheio de alento
Corpo decrescente
Como lua mente
Saboreias o vinho
Delicias-te com o pão
Nunca serás inteiro
Enquanto tiveres espada
E algum coração alheio

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
22/07/2020

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Tristeza


Fogo que morde
Reclama chama a chama
Cada semente de luz
Dor espalhada na palha
Sensações
Pó de pedra entranhada
Poro a poro
Permanece no casulo
Metamorfose?
Sal pimenta malagueta
Não te deixa adormecer
Não te deixa acordar
Eterno ignorar da vida
Ciclo podre que fede
Lágrimas e anoitecer
Espera a foice
Que te trace o pescoço
Sem teres que te mover
19/07/2020

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

domingo, 19 de julho de 2020

Desfaço


Desfaço a cama pela manhã
Sabendo que o lusco fusco me assombra
Com braços de raiva gigante
Com o corpo monstruoso da saudade
Com os gritos estridentes ao comer o chão
Que nunca me salvou
Sinto as ruas vazias de consciência
Enquanto os postes da luz clamam
A evidência

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
19/07/2020
(imagem da net)

Bebo


Bebo da cicuta madrugada
Fumo do cigarro a paz
Pouco me importa a faca
Afiada que tem a tua voz
Os corvos piam agoirando
Sofrimento certeiro
Ângulo raso
Das águas estagnadas
Espera que fica
Envolvendo os olhos
Nevoeiro que cega
Lambendo o doce
Que se desfez algures
na tua foz

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sábado, 18 de julho de 2020

Lendas


Corriam boatos, que na orla dos matos se encontravam passos marcados. Que depois se perdiam pelo meio da relva, embrenhados na selva de árvores e folhas e eiras e poeiras, dissolviam-se no ar. Aquele lugar, que tinha a magia que a população ensinava, na forma de lendas, aos filhos, netos e bisnetos, formaria um livro robusto de contos. Haviam sido tantos os solavancos caídos por terra, que os mais astutos deixaram de tentar entrar naquele lugar. Contudo, quis o destino, que um caminheiro ali passasse mesmo à hora de ver um fumo saído do centro daquele matagal. Julgando ser um incêndio, não vendo ninguém por perto, resolveu penetrar. Os seus pés pisavam lama, depois erva verde, seguida de folhas e flores campestres, das mais lindas que vira. Ao longo do caminho, ouvia cantar os pássaros nos ninhos, a fuga de coelhinhos e outros bichos sem parar. Cansado de caminhar, parou junto a um ribeiro de água pura onde se refrescou e quando olhou, viu uma casa amarela de chaminé a deitar fumo. Percebeu que aquele não era fumo de incêndio, mas de lume caseiro, prontinho para aquecer um lar. Aproximou-se com calma, gritou alto “oh de casa!”…De repente abriram a porta duas crianças, boquiabertas. O caminhante cumprimentou-as cordialmente, retirando o chapéu e perguntou pelos seus pais. A mãe, apressada, vinha a correr do rio onde estivera a lavar roupas, limpando as mãos ao avental. Quando chegou perto do forasteiro trazia uma forquilha e perguntou-lhe o que queria. Ele respondeu que só queria aquecer-se um pouco, porque fizera um longo caminho para ali chegar, achando haver um incêndio, percebendo que fora atraído pela chaminé de sua casa. A mulher acalmou-se e deixou-o entrar, sem perceber como ali chegara sem se assustar. Sentou-o junto à lareira, dando-lhe uma chávena de café feito ali mesmo e um pouco de pão com linguiça. O caminhante agradeceu a hospitalidade, e perguntou pelo marido da senhora. Ela explicou-lhe que não tinha marido, que os pais a tinham colocado para fora do lar, assim que perceberam que ela estava grávida, sendo ainda solteira. Ela entrara pela mata e viera ter àquela casa, onde reconstruíra a vida. Os filhos nasceram ali, nunca tinham contactado com outras pessoas. Ela colocava espanta-espíritos nas árvores, armadilhava rochas para caírem de repente, afugentando animais e os que ali queriam chegar. Transformara aquele paraíso numa lenda de maneira a poder viver em paz com os filhos. Sabia que um dia teria de os deixar ir, mas nessa altura ela já não existiria e eles seriam felizes. O caminhante, emocionado com a sua coragem, foi pedindo para ficar mais uns tempos. Arranjava novas armadilhas, reconstruía o que estivera estragado, tornou o lar ainda mais aprazível. Ficou até que os meninos se tornaram adultos, formavam uma família linda à beira daquela lareira. No dia em que os irmãos se foram embora daquela casa, a mãe chorou nos braços do caminhante, mas pediu-lhes para nunca contarem a sua história. Seria a única forma de guardarem o segredo da mãe. Eles assim fizeram. A mãe e o caminhante ficaram abraçados, à lareira, a vê-los partir, através da janela.
07/05/2020

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sombra


Comprem-me a sombra que te segue
Mais o perfume que te toca a pele
Mandem-me o sorriso que te sabe
E os teus passos junto à minha sede
Ajudem-me a salvar o vício
Que me sinaliza e sulca a vida
Sou um desordeiro amor suspenso
Pelo crime de te amar tanto
E te saber já de partida

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Escuro


É na escuridão das luzes da tua cidade que me sento
Escutando o rumor das águas azuis
Sabendo que o espelho devolve a idade
Não a tua imagem acercando-se da minha
Porque a morte é certeza da fila que termina
E atrás vem a família coberta de flores e lágrimas
Sem um único suspiro a provar que o amor existiu
Num canto qualquer de bolor inocente

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

De noite


De noite sei que caio
No labirinto das minhas entranhas
Solto a fera mansa da amargura
Percorro o fio da navalha
Com pés descalços
E vou soletrando mantras
Para, alucinada, acordar nos braços
De Baco, terminando a dor ruiva
Dos pesadelos
Habituei-me à toada das chamas
Que me ardem sem ti
E às letras cravadas nas teclas
Só não me habituo às noites
Em que caio

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Procuro



Procuro esta espécie de fé
que há em mim, mão de mãe
cruz cruzada, mas não cruel
asa bondosa que não abandone
abraço forte que conforte
cada verso escrito no papel
beijo cálido do cálice sagrado
- Amor fiel -
e ainda hálito de incenso suave
que me rasgue o ventre
antes de nascer
porque rosa sem espinhos
é arte delicada para se entender...

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)


terça-feira, 14 de julho de 2020

Porto perdido


No túnel da noite, uma lua vestida de branco envolve as águas num beijo orvalhado de nevoeiro brando, enquanto a rã coaxa, ao longe, a melodia da saudade. A mão toca a cigarra da tua boca e o coração rima, em socalcos, o vinho doce do teu hálito. Uma pomba eleva-se no ar, assustada, arrulhando banalidades. Só o barro vivo molda a forma mais fácil de dois corações enlaçados. Estátua quieta, no meio da praça engelhada de solidão. Reconheço a silhueta. Desconheces as reticências na frase esquecida sobre a amurada, e já não te lembras do lugar mágico sobre o meu ombro, onde a brisa me beijava. Uma estrela cruza o céu mareando mais longe. Envolvo-me no xaile quente da desilusão e percorro o caminho empedrado de volta a casa. A luz esqueceu-me nas vielas e o barco nunca tornará a este porto perdido.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/07/2020

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Fraco fado


O meu peito
é um jardim
de feras mansas

rebolando de cio
ao som
das doidas danças

meu corpo inteiro
é um rio correndo
cheio de lembranças

nas minhas mãos
crescem orvalhos
abundantes

e nos meus seios
intumescidos
instantes

são só lendas
são só baladas
são só girandolas

os feitiços
as mãos abertas
a quiromancia

um fraco fado
no céu azul
da distancia


Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
22/06/2020

domingo, 21 de junho de 2020

Fábula


Hoje não vejo as garras afiadas da tristeza, sobejam-me possibilidades! Sinto a mão macia da benevolência, afrodisíaco da alma maior. Brotam grilos e cigarras das bermas das estradas onde caminham os meus pensamentos. Transbordam borboletas, entre barrancos e valetas para céus de tule e esperanças que eu tenho. Um rosmaninho quedou-se atento ao movimento do meu corpo, virado para norte, como os búzios do passado. A papoila acalenta o perfume que tem a rosa da minha pele e dança a dança do sol brilhante. Meus braços são alados, dois marinheiros afogados na serra que alegria encerra. Meus pés reúnem pirilampos caminhando passo a passo, conhecedores dos recantos que me levam à constelação. Acendo a vela de alecrim, iluminando o perfume que o eucalipto namora. Sou eu a certeza de outrora. A maga de manto branco, sobre o corpo vibrante. Um fio de estrela escorrega e pela sombra sabe o lugar exato onde a vida recomeça. Sou a “Fénix” feliz, efabulando o futuro que sempre quis!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
21/06/2020

sábado, 20 de junho de 2020

Tranquilidade


O cheiro das ervas, das eras, das violetas, do rosmaninho infiltra-se nos meus sonhos constantemente. Quantas vezes abraço um eucalipto, um sobreiro, uma oliveira como se de braços se tratasse. Ouço o bater do coração da terra sagrada nos troncos. Ao longe, o voo repentino de um bando, brandindo as asas num respirar de infinito e vontade de liberdade, chama-me. Os cascos dos animais e seus chocalhos chocam-me a atenção. Ao virar-me para o Sol sinto o calor dos versos, a magia das rimas iluminando a minha imaginação. Uma ternura rosada emerge das minhas mãos formando uma bolha onde um lugar fica vago. Letras imersas em amor dissolvem-se em átomos sorrindo nas linhas douradas das palmas que tão bem conheço. Um poder alquímico alvitra que está na hora de mergulhar no azul do oceano da minha introspeção. Os meus olhos abertos seguem sempre a mesma direção.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
20/06/2020

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Tu

A luz que me i
lustra
a palavra que me a
mansa
o beijo que me a
doça
juntos na mesma dança

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Mantra mágico


Dorme o teu nome na minha boca, solta-se a Lua, lucerna do céu. Aconchego os teus olhos quando te chego ao colo, retiro-lhes o pó estelar com as minhas mãos mudas. A tua boca arrisca o sorriso raso que me conforta. Fecho a porta perto do peito, para não entrar o ar com a poeira da maldade. Abro os braços e desembaraço-me das feridas feitas por falsos testemunhos. Canto-te o mantra da mãe natura enlaçando as nossas mãos, caídas nas mantas sem ruído. A lucerna cabe-me na concha que deposito a teus pés. A luz intensa acende o incenso perfumado do quadro na parede. Nessa foto, sou eu a menina casadoira de vestido branco e coroa de flores sorrindo de felicidade e esperança, num tempo em que as horas eram eras subindo os muros brancos. Porque não vens despido de mágoas? Porque não colhes as flores para me enfeitares o peito de mulher feita? Sou eu quem te doa o sol, a lua e o fogo. De uma só vez acorda o teu nome na minha boca…TU. Meu mel de mar bravio.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
18/06/2020

quarta-feira, 17 de junho de 2020

abóbada celeste


Sob a abóbada celeste sinto
um arco que me
irís
uma beleza que me a
linha
uma força que me em
laça
e uma presença
que me em
purra rumo ao infinito!

Agradeço à vida - minha e
terna guia!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
17/06/2020

terça-feira, 16 de junho de 2020

escarcéu


Roçagava o fio de luz
ao vento rente ao céu
o pássaro roçava as patas
no azul em grande escarcéu
desatento esvoaçava
não lhe voavam as penas
mas tanto ele vacilava
que o poeta lhe escreveu
poemas

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
foto de Maria Manuel Neves

domingo, 14 de junho de 2020

Provocações


Pela madrugada, levantavam-se os homens para irem buscar as palmas e verduras para espalhar pelo chão. Durante semanas, as moças mais novas da rua, juntavam-se na casa de alguma delas para recortar e colar os papéis com forma de bandeiras em fios que serviam para enfeitar. A charola, toda ornamentada de papéis coloridos ficava ao centro, onde todos os fios iam ligar-se. Era habitual pedir a uma das vizinhas que cedesse a eletricidade, à janela da qual se colocava a aparelhagem para leitura dos discos de vinil com os êxitos da época. Algumas faziam bolos, que eram sorteados durante a noite, para fazer face às despesas. Muitas vezes faziam rifas, ficando com os dedos da cor dos papéis. Naquela noite, o mastro começou às 21 em ponto, tal era a pressa de iniciarem a dança. Apenas nessa altura rapazes e raparigas podiam sentir o corpo amado e conversar de forma descontraída, sem serem admoestadas pelos pais, embora existisse uma proximidade que devia ser respeitada, ou as raparigas ficariam com má reputação. Costumava-se fazer um mastro por cada zona, e rivalizavam-se os enfeites e formas de angariar dinheiro, bem como as músicas. Por vezes, alguns arruaceiros iam promover mau ambiente, para os restantes mudarem de baile. Ainda não tinham chegado as 23 e já um grupo de 4 rapazes de outra zona estavam a chegar. Começaram por pedir às moças com namorado para dançarem com eles. Obviamente, elas recusaram. Os namorados sentiram que os outros estavam a provoca-los, e resolveram dar-lhes uma lição. Encheram uma garrafa com água e groselha e leiloaram-na como se fosse vinho tinto. Os arruaceiros gritavam sempre mais alto, mais dinheiro. Os rapazes, divertidos, qual atores de teatro, fingiam que se importavam com a perda. Quando já tinham uma soma digna, entregaram-lhes a garrafa. Ao verem que tinham sido ludibriados, quiseram entrar em confronto físico, mas os rapazes em maior quantidade expulsaram-nos. E o baile continuou até às 3 da manhã. Sem mais acontecimentos dignos de nota. Desta forma se resolviam as provocações em outros tempos.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/06/2020
(imagem da net)

sábado, 13 de junho de 2020

cicuta


Se me trouxeres a cicuta
da palavra que não escuto
juro que a substituta
subentendida se arrisca
arisca a ser trocada
e nessa paz afunilada
fere com asas de ladra
a alma que escuta
e é tocada
estilhaça-se perdida
em poeira estelar
e eu – sozinha –
não mais te hei de
perdoar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
13/06/2020

sexta-feira, 12 de junho de 2020

popular


Além daquela janela
sinto do alecrim
o perfume a lume
a fogueira a poeira
a mastro o lastro
da cerveja da sardinha
na marcha descalça
do costume...
saudade que é só minha!

Rosa Alentejana Felisbela
12/06/2020

segunda-feira, 8 de junho de 2020

sede


um copo cheio
de nada me bebe
com sede que cede
até me secar
vazia volteio
vozes de candeio
procuro voltar
mas logo incendeio
no teu olhar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

domingo, 7 de junho de 2020

Lua


Sobe a lua
Sabe a vento
Sente a nuvem
Suja a mente
Solta o escuro
Apressado
Segue a noite
Somente
Segura-me
Sinto-me demente
Sem ti a meu lado

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sábado, 6 de junho de 2020

Pureza da alma


Percorri as águas com os olhos benevolentes de quem jamais se afogaria. Bandos de pássaros quebravam os restos de luz do dia, com as suas asas. Os brilhos finais das cores do sol saltavam de gota em gota, como quem procura um remanso para ficar. O frio da tarde agredia-me as faces, como se os açoites me fizessem voltar à escuridão que teimava em chegar. Os faróis dos carros, ao longe, emitiam os seus raios ao passar para lá dos meus pensamentos. Camuflei, mais uma vez, a dor da amargura. Ainda ontem me beijavas à beira margem, me abraçavas com tanta sofreguidão, que o ar rareava e eu nem acreditava em tamanha felicidade. Recordei a mesma hora, o mesmo não. Apercebi-me que nada mais havia a fazer senão gritar. Mas a povoação ficava longe. Já os teus dedos ficavam perto demais, a tua boca assumiu o comando em lugares que eu julgava serem só meus. A tua força quebrou-me a alegria em mil estilhaços. A tua arrogância arranhava-me a garganta. Era como se eu sempre te tivesse pertencido, quando isso não era verdade. Nunca fora de ninguém senão minha. Julgas que a vergonha me tirou as forças? Não. Neste momento, consigo ver a beleza do meu corpo e a beleza da paisagem que me rodeia. Apagaste a minha imagem? Sabes bem que só o meu mel te adoçará a boca, só o meu perfume ficará na tua pele quando tocares outra qualquer. Foste o meu espelho? Nunca! Eu jamais me tornaria nessa imensidão de egoísmo. Abriste-me ao meio? Pois voltei a estar inteira, como sempre o fui. Com a certeza de que sou hoje e serei sempre, uma enorme mulher. Tenho a força de um tufão e o meu amor será o vulcão que queima de desejo o homem que eu escolher para mim. Volto os olhos para as águas e vejo um peixe saltar. Como é bela a pureza de uma alma…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
06/06/2020

Caminhando


estrela
às costas
imigrante
sentinela
gigante
como sol
vontade
de ferro
culpa
calcula
cálculos
enfadonhos
corpo ermo
sentimentos
sonhos
o não
enterra
segue e soma
passos
arriscados
arrastados
lábios finos
fechados
oportunidade
gritante
lágrimas
eternas
instantes…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
06/06/2020

quarta-feira, 3 de junho de 2020

Natureza morta


O aquário vazio
secas as pedras do rio
a sala silenciosa
um fadário forte
ameaça de morte
a rosa dentro da jarra
pendente silente
calvário sem sorte
sem água
luz baça escassa
sobre a pobre mesa
da casa pobre
ambiguidade
a rola a arrulhar
atrás da janela:
saudade

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

terça-feira, 2 de junho de 2020

Os peixes


Havia numa casa dois aquários lado a lado. Cada um tinha um peixe. Um azul e um vermelho. O azul pertencia a uma menina, que lhe enfeitara o lar com a arca de um tesouro, plantas e pedras, e todos os dias conversava com ele. Antes de ir para a escola deitava-lhe um pouquinho de comida e dava-lhe os bons dias. Prometia-lhe voltar cedo. Quando estava de volta, contava-lhe o dia na escola, o que correra bem e o que correra mal. Por vezes, levava-o à janela para receber sol. A menina aproveitava todos os bocadinhos para cuidar o seu peixe. O vermelho pertencia ao irmão da menina, que todos os dias o alimentava, mas tinha apenas pedras no seu aquário. Raramente se aproximava dele durante o dia. Com o passar do tempo, até se esquecia de o alimentar ou mudar a água. Com o tempo aconteceu que o peixe vermelho morreu. O menino ficou inconsolável. A irmã tentava minimizar-lhe a dor, mas não conseguia. Porque o menino percebeu, nesse momento, que não lhe tinha dado a atenção merecida. Que não tinha sido um bom cuidador. Conseguem imaginar a dor do peixe vermelho, ao ver todos os cuidados e atenções que o peixe azul tinha?

(Imaginem-se a cuidar de alguém, a amar alguém)

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
02/06/2020
(imagem da net)

sábado, 30 de maio de 2020

maré


a maré mostra-me
a margem mais
bonita
trai-me a aragem
traz-me coragem
pelo amanhecer
para correr
sem laço nem fita
cabelos soltos
ao compasso
do coração
cigano da sorte
bendita sem fim
de mãos dadas
solitárias caladas
de areia amaradas
sem consorte
só a morte
por dentro de mim

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Um par de meias


Debaixo da figueira
minha avó fazia
meia
com meia dúzia
de agulhas
mas nunca ficava
a meio
era sempre um par
de duas
achava estranho
queria era tentar
mas ela dizia sempre:
“não me venhas
atentar”
de meia não sei nada
mas do meu amor por ela
sempre me hei de lembrar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

quinta-feira, 28 de maio de 2020

horas de jantar


Vou cronometrar
o que Cronos controla
levo uma pistola
e aponto
aos ponteiros
do relógio
lógico
vai quebrar o vidro
e eu vidrada
tentando acertar
escorrega-me
a mão e o pêndulo
pendurado
parado
nem o vento
se acerca
para o acertar
atiro e embirro
com os minutos
e os segundos
que não consigo
controlar
verifico que as horas
são para aproveitar
entretanto
atrasei-me para o jantar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

Sol sonhado e sonhador


Seguro nas mãos
do horizonte
meu sol amado
momento mudado
sempre constante
pó de estrelas
pó de estradas paralelas
distantes
seguro o seguro
amor e uma réstia
do esplendor
que resta de ti
que resta do valor
seguro um auguro
um presságio
um sortilégio
que te envolva
em asas de condor
te proteja e me salve
meu sol sonhado
e sonhador

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
28/05/2020

(foto de Paula Gomes)

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Dor distante


Sede de tantas
palavras
refresco borrasca
de poemas fontes
silêncio não contes
das lavras lavadas
nem das molhadas
varandas
telhas duras falhadas
goteiras
trinando traições
fulminantes
a gota esgueira-se
petulante
e o peito agoniado
ressente-se
na estrada
distante

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
27/05/2020
foto de Paula Gomes

terça-feira, 26 de maio de 2020

Mausoléu


Mergulha no eco
nome nota natal
notícia de jornal
beco filial
estaleca seca
verdade moral
amor marca sinal
corpo cordão
umbilical
sonho surdo
terra absurda
campa
urna
castiçal
castigo antigo
céu celestial
e tu
meu anjo amigo
lamparina
de menina
pecado capital


Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
26/05/2020

segunda-feira, 25 de maio de 2020

não sei

Não sei que cor
adormece
e se tece
no firmamento
quando o sol
desaparece
e não sopra uma
brisa de vento

será que ele
amadurece
ama e entardece
e cai em flor
ou em fruto
sozinho?

sei que abrupto
fica o astro
num querer
ser noite e dia
talvez pedaço
de melancia
lambuzando
os lábios da linha

não sei que deus
terá oferecido
a doçura o melaço
de um sol por
quando a noite
no seu esplendor
vem de vestido
enegrecido

tem um quê
de melado
o horizonte
assim deitado
num universo
entretecido

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(foto Paula Gomes)

domingo, 24 de maio de 2020

Acordo


Percorro
com passos
pesados
compostos
por tombos
tropeços
fins e afins
e começos
passados
e estremeço
combino
com o tempo
um momento
de simples
prazer
as papoilas
as espigas
as amigas
que irão ser
um cheiro
de calor
que calco
que aqueço
o corpo
de amor
adormeço
no tronco
na seara
na fonte
nas folhas
na miragem
a bagagem
com o sol
defronte
que esconde
o acontecer
e grito:
TEM DE SER!!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)