segunda-feira, 13 de maio de 2019

Tantas vezes…


Deste lado
não há amarras
nem cordame

somente barro
lavrado
cigarras e enxames

deste lado
não há marés
ou maresia

apenas o luar
derramado
aos nossos pés

e a eterna
calmaria

mas as nuvens
escuras
trazem o temporal

e o vento
convida à vida
ao vendaval

da poesia
da loucura
do amor

e tantas vezes
da alegria…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Liberdade de sonhar


"Se atravessar a aldeia montado no meu cavalo, chegarei mais depressa, mas se for a pé, verei mais coisas e os meus amigos convidar-me-ão para entrar em suas casas ..."
(in Papalagui)
Deixei a Casa do Professor para trás, no meio do branco das moradias lembrando os Mouros. As nuvens cinzentas abraçavam o sol, num namoro tímido e espaçado. A estrada havia rasgado os campos e seguia negra por baixo das rodas da minha viatura. Pensei na liberdade, de cabelos ao vento cheia de aromas primaveris e de sorriso no rosto. É bom poder usufruir da Natureza, do ar mais puro…A berma da estrada, enfeitada de magarças e papoilas, captava o meu olhar livre como o vento. Embrenhada em pensamentos capazes de fazer transbordar positividade do coração cheio de alegria, senti o alvoroço das asas de uma cegonha e imaginei-me a voar. A vontade de peito em quilha, a decisão de bico longo, e todo o azul do céu entrando pelos olhos, cruzando as asas brancas num mimoso planar… O pouso sobre a rocha num riacho ruidoso, ou por cima de uma amendoeira em flor, ou sobre as terras barrentas, o poder de resolução agarrado às penas e a esperança nos caules das plantas… Diminuí a velocidade e reparei que estava a chegar a casa. Só então me apercebi que vinha a poluir o ambiente no meu automóvel e que isso não era justo, embora o livre-arbítrio me permitisse deslocar da maneira que quisesse. Mas não podia ter ido a Aljustrel a pé, separam-nos alguns quilómetros… Ocorreu-me que tenho que fazer mais caminhadas ao ar livre. Livre como eu!

Felisbela Baião

domingo, 5 de maio de 2019

Lua


A lua derramava o seu tom prata sobre as ruas carregadas de sombras sinistras. Descalça, sentia as vibrações da terra, a liquidez das ervas e a vontade cortante de algumas rochas afiadas. Raras eram as coisas que lhe causavam tamanho prazer. A não ser o perfume da chuva na terra, ou o vento a acariciar-lhe o rosto. Sorria às estrelas que trazia bordadas no manto negro que lhe cobria a cabeça e todo o corpo, e cuja bainha começava a arrastar por causa do peso da lama que se agarrava ao tecido de lã. A noite continuava a abraçá-la de uma forma única e inalcançável para outro ser humano. Desde criança que tinha este ritual: em noites de lua cheia saía de casa sozinha, vestida da maneira descrita e dirigia-se para a barragem. Chegada ao local que poucos se atreveriam a procurar, por estar coberto de rochas e árvores e limos e de uma aura mágica, onde a bruma fazia a sua morada, ela desabotoava o manto com as suas mãos níveas e deixava-o cair no chão. O seu corpo bebia a cor da lua, os olhos cintilavam como pirilampos. Os seios firmes, como botões de rosa a desabrochar, o ventre liso como água escorrendo de um rio, o triângulo enfeitado com a penugem de um pássaro em início de vida, as pernas longas e sedosas, os pés perfeitos a caminhar rumo ao fundo daquelas águas tranquilas. Enquanto o líquido engolia aquele corpo jovem, os grilos cantavam na margem, as rãs coaxavam nas rochas próximas, e um silêncio assomava aos seus ouvidos, num deleite compensador. Ali se mantinha durante uma hora, a flutuar ou apenas sossegada, a sentir a força da água, a adrenalina da escuridão, o equilíbrio do natureza que tanto amava. Por fim, saía lentamente da água, enroscava-se no manto e voltava para casa, fazendo o mesmo percurso. Regressava revigorada, feliz. Chamavam-lhe “estranha”, “bruxa”, não gostavam da sua presença. Tudo o que é distinto causa algum desconforto e desconfiança. Todavia, ela era apenas uma mulher diferente…
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
05/05/2019
(imagem da net)