sábado, 30 de maio de 2020

maré


a maré mostra-me
a margem mais
bonita
trai-me a aragem
traz-me coragem
pelo amanhecer
para correr
sem laço nem fita
cabelos soltos
ao compasso
do coração
cigano da sorte
bendita sem fim
de mãos dadas
solitárias caladas
de areia amaradas
sem consorte
só a morte
por dentro de mim

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Um par de meias


Debaixo da figueira
minha avó fazia
meia
com meia dúzia
de agulhas
mas nunca ficava
a meio
era sempre um par
de duas
achava estranho
queria era tentar
mas ela dizia sempre:
“não me venhas
atentar”
de meia não sei nada
mas do meu amor por ela
sempre me hei de lembrar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

quinta-feira, 28 de maio de 2020

horas de jantar


Vou cronometrar
o que Cronos controla
levo uma pistola
e aponto
aos ponteiros
do relógio
lógico
vai quebrar o vidro
e eu vidrada
tentando acertar
escorrega-me
a mão e o pêndulo
pendurado
parado
nem o vento
se acerca
para o acertar
atiro e embirro
com os minutos
e os segundos
que não consigo
controlar
verifico que as horas
são para aproveitar
entretanto
atrasei-me para o jantar

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

Sol sonhado e sonhador


Seguro nas mãos
do horizonte
meu sol amado
momento mudado
sempre constante
pó de estrelas
pó de estradas paralelas
distantes
seguro o seguro
amor e uma réstia
do esplendor
que resta de ti
que resta do valor
seguro um auguro
um presságio
um sortilégio
que te envolva
em asas de condor
te proteja e me salve
meu sol sonhado
e sonhador

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
28/05/2020

(foto de Paula Gomes)

quarta-feira, 27 de maio de 2020

Dor distante


Sede de tantas
palavras
refresco borrasca
de poemas fontes
silêncio não contes
das lavras lavadas
nem das molhadas
varandas
telhas duras falhadas
goteiras
trinando traições
fulminantes
a gota esgueira-se
petulante
e o peito agoniado
ressente-se
na estrada
distante

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
27/05/2020
foto de Paula Gomes

terça-feira, 26 de maio de 2020

Mausoléu


Mergulha no eco
nome nota natal
notícia de jornal
beco filial
estaleca seca
verdade moral
amor marca sinal
corpo cordão
umbilical
sonho surdo
terra absurda
campa
urna
castiçal
castigo antigo
céu celestial
e tu
meu anjo amigo
lamparina
de menina
pecado capital


Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
26/05/2020

segunda-feira, 25 de maio de 2020

não sei

Não sei que cor
adormece
e se tece
no firmamento
quando o sol
desaparece
e não sopra uma
brisa de vento

será que ele
amadurece
ama e entardece
e cai em flor
ou em fruto
sozinho?

sei que abrupto
fica o astro
num querer
ser noite e dia
talvez pedaço
de melancia
lambuzando
os lábios da linha

não sei que deus
terá oferecido
a doçura o melaço
de um sol por
quando a noite
no seu esplendor
vem de vestido
enegrecido

tem um quê
de melado
o horizonte
assim deitado
num universo
entretecido

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(foto Paula Gomes)

domingo, 24 de maio de 2020

Acordo


Percorro
com passos
pesados
compostos
por tombos
tropeços
fins e afins
e começos
passados
e estremeço
combino
com o tempo
um momento
de simples
prazer
as papoilas
as espigas
as amigas
que irão ser
um cheiro
de calor
que calco
que aqueço
o corpo
de amor
adormeço
no tronco
na seara
na fonte
nas folhas
na miragem
a bagagem
com o sol
defronte
que esconde
o acontecer
e grito:
TEM DE SER!!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Desafinações

Carrego o grosso
peso da Lua e suas
constelações
mais o fosso
espesso do
buraco negro
e o desalinho
e o redemoinho
das monções
caí da rede
escrevi frases
baratas na parede
Bebi crases
e acentos agudos
descaí na
garganta arranhada
por duas vezes
e nunca aprendo
que os impulsos
só servem
para cortar pulsos!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Entranhas e estranhas


Se soubesses
do sonho do salto
do medo
do ato
medido a benesses
desde o segredo
até ao facto
não fugias
mesmo
se quisesses
do alto do monte
em ruínas
seguias a fonte
o horizonte
as minas
entranhas da terra
entravas sem entraves
nela
e desabrochavas
em desatino
e flor
para mim

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Noites serão

É sempre a mesma treta
A janela aberta
O cão que ladra
E rouba, não freta
E o estúpido do dono
Mudo de tão calado
E eu que não me mudo
Farta da rua deste lado
Sou a vizinha ideal
Não me queixo
Nem me desleixo
Mas não sou especial
Sou a que escreve
A que lê
Esquece o DVD
E a televisão
Sou a música ao serão
Nos phones sem ruído
Não sou como o cão
Aquele bandido
De latidos na boca
Que me deixa louca
Quando quero dormir
Quando a manhã chega
Abro a porta
E sorrio
Bom dia! Noite não…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

Além mar


Viste o vestido
vanguardista
que a vadia
trazia?
Até encandeava
a vista…
De vil e vedeta
procurava o estafeta
para entregar
na meta
a peta
recriada
para agradar
mas nem um par
de jarras
lhe seguiu o andar
só um com parras
a fez beber
até se embebedar
de sonhos
e depois
jorrar
no mar
sem esperança
sem verde
nem ver-te!!
Ajudas-me a despir
o sofrimento?
Já não tenho
brilho
para te ocupar…
atiro fora o trilho
para te encontrar…

Rosa Alentejana Felisbela

domingo, 17 de maio de 2020

Desfeita


Tenho pena
Do poema
Em forma de rosa
Estival
Sem água
Sem sol
Fica a morte
E a sorte
É arrebol
Intemporal

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
Fotografia © Andrea Kiss

Encanto de sereia


Presa na colmeia
Beijo lábios melados
Alheia ao mensageiro
De ares alados

Sou do mar sereia
Na areia, tresmalhada
Presa na tua teia
De amor, afogada

Em terra sou mulher
Uma simples plebeia
Beijando lábios sábios
Numa eterna cegueira

Se me abraças no mar
O teu beijo é navegante
Sujeita eu vou ficar
Ao teu amor errante

Desconheço outro favo
Que me adoce tanto
Para sempre serás escravo
Do meu doce encanto

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
17/05/2020

sábado, 16 de maio de 2020

Espiga

Tenho mesmo aqui no peito
Uma espiga nova a crescer
Ora, se faço nada de jeito
Como foi isto acontecer?

O meu corpo tornou-se seara
O meu coração fez-se papoila
Tenho um sorriso aqui na cara
Não tenho quem o recolha

Sou a fonte onde brota o pão
Nestes tempos de escassez
Minha boca fechada em botão
Não canta de tanta timidez

Procuro a água bem fresca
Nalgum rio aqui por perto
Mas a sede molha-me a testa
E tenho o desaire aberto

Não penteio os cabelos
Não me visto a rigor
Sou fiel aos pesadelos
Meus olhos não têm cor

Tenho uma espiga no peito
E uma papoila no coração
Sou o campo com defeito
Esqueci-me da satisfação

Moro no morro onde choro
Respiro o ar que me sufoca
Não quero saber do decoro
Que o poema me provoca

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

Da falta que a sensibilidade faz

O sol brincava com as nuvens feitas de desenhos, enquanto um casal se encontrava sobre uma manta a olhar o céu.
Ela dizia: “olha amor, aquela parece uma rosa”…
Mas ele dizia: “ a mim parece-me um gajo nadando mariposa”…
Ela continuava: “olha amor, parece um lindo pássaro”
Ele resmungava: “tu é que pareces um bicho raro”…
Ela apontava: “olha amor, parece mesmo um castelo”
Ele contradizia: “com duas bossas é um camelo…”
Ela afirmava: “olha, uma carinha feliz”…
Ele respondia: “a mulher não sabe o que diz” (e ria)
Até que ela ficou triste e se levantou: “vou lavar a roupa e estender”
E ele, pouco se importando: “olha que vai chover!”

A falta de sensibilidade de alguns homens é gritante. Por isso, os poetas cantam sobre as flores, os pássaros, o céu e a poesia fica imaculada.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
16/05/2020
(imagem da net)

Silêncio meditando:


Largas as passadas
em ruas pisadas
pelo tempo

chove lentamente
chamando por ti

o silêncio meditando

e eu à distância

medindo
sem tento, tanto...

Rosa Alentejana Felisbela
16/05/2020

quinta-feira, 14 de maio de 2020

anoitecendo


Deambular sem estrada
e ver certos lugares
ocupados
são brincadeiras veladas
esgares sarcásticos
acomodados
o afastamento social
não se aplica à amizade
“somos dois, ou mais” quando eu quiser
mas nunca me deixes
para depois
porque o dia de amanhã
pode mesmo não chegar
e a sorte florida
pode vir a murchar
num sorriso alinhado
com máscara
esmorecendo
repara nos traços da Lua
quando vai anoitecendo…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

Dos dias ridículos de amor


Tenho o coração
na concha das minhas mãos,
pulsando ao sabor do céu.

Recolho o pó estelar
e faço-o brilhar
como as asas de um anjo.

Apago a cor do breu
e pinto um arco lindo,
o meu sorriso
refletindo os olhos teus.

Só eu tenho o poder
de te escutar os silêncios
e sobre as nuvens
percorrer
todas as distâncias.

Não te entrego o coração
dá-me agora
a tua atenção
não vás embora ainda.

Dou-te a minha semente
leva-a contigo, é um presente,
e planta-a com carinho.

Verás como irá crescer
mais alta que o pensamento
pois o amor é flor
que deve ser regada
sem qualquer fingimento.

Escreve-a agora num papelinho,
depois dobra o canto do “sim”
para me sentir amada
e sopra-mo ao ouvido…
devagarinho…eu ilumino-te
a estrada…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/05/2020

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Amor azul


Como criança serena, aguardo que as tranças ondulem ao vento, para que as faces da cor das pétalas acalmem o seu rubor. Tenho um casulo de borboletas no coração, batendo asas, vibrando, sabendo. Nas mãos crescem-me poemas em forma de coração, e deixo-os partir como barcos de papel, navegando sobre as águas. Tenho rios de palavras caladas na garganta, à espera que chegue o teu mar. Sei o teu estio. Sei o pássaro do teu olhar, voando para me ver. Conheço o calor do ninho do teu peito, pronto para me receber. E quando chegas, as palavras esquecem-se de sair para a foz, as faces alegram-se num brilho ardente, as borboletas voam em torno da tua luz e eu…e tu…num abraço silente caímos no amor azul.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
11/05/2020

Barcaça


Quando as ondas envolverem o teu corpo, inspira o último suspiro do meu, enquanto nos amámos. Fui fragata firme nas monções, fui barco de casco rijo nos temporais, mas fui casca de noz nas emoções. Eleva-me à tona, agora, não me deixes naufragar. Ainda agito o meu braço, apesar da dor, para saberes o caminho para voltar. Porém, não tornas a vir, és marinheiro de água doce, mantendo, em cada porto, uma sereia que te encanta o cantar. Mas nunca escutaste a minha voz, nunca provaste o meu licor, nunca te dei do meu pão. Como poderias morrer de saudades, de sede ou de fome? Naquela ilha encantada, já não te espero. Ouves o vento a sussurrar? São as vontades que encerro, e abandono a barcaça, se um dia te encontrar.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
11/05/2020
(imagem da net)

domingo, 10 de maio de 2020

Porta


Não deixes a porta aberta, nem sequer o postigo. Não rodes a chave, e muito menos a maçaneta, porque daí advém o perigo. Se encontrares os meus ombros sombreados pela parca luz, que se infiltra no meu coração, ou ousares sentir o perfume que emano das mãos…certamente, irás atirar a porta para trás, ela pode-se quebrar. Basta ver a tinta em lascas e o meu vestido a voar. Se deixares a porta aberta, as escadas irão ranger, aos passos da cor da vontade, quando me transportas nos braços, devagar, sei que me vou perder. E aquele espelho antigo, pendurado na parede, refletirá o sonho da tua sede. Bem sabes, que o branco escrito na folha, ficará amarrotado, por cada abraço louco quando respiras a meu lado. Conheces a cor do linho que se move com a brisa, e eu o tecido de que é feita a tua camisa. Entendo as tuas mãos, como incêndio flagrante, por isso, não deixes a porta aberta, nem sequer um instante.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
10/05/2020

Lição


O menino franzino e limpo retirava, meticulosamente, o estojo, os livros e cadernos, para depois escutar o que a professora pretendia fazer. A sua atenção era apenas dedicada à Dona Mimi. Quando entrara na escola, no ano anterior, tivera a ideia de lhe trazer uma rosa para a jarra sobre a secretária. Porém, os colegas atiçaram-lhe a vergonha, deixando-o vermelho, da cor da rosa que trazia na mão, dizendo-lhe que ele amava a Dona Mimi. Esta agradeceu e colocou-a na jarra, acabando por deixá-la morrer, por estar muito perto da lareira da escola e receber muito calor. O menino não entendeu por que razão ela a deixara morrer. Ele não tinha mais rosas e não tinha dinheiro para comprar. Ficou triste. Nunca mais lhe trouxe nenhuma rosa. Naquele dia, a Dona Mimi pediu uma composição sobre a melhor prenda de Natal que poderiam vir a ter. O menino, que não tinha dinheiro para comprar rosas, escreveu que gostaria de ter um roseiral, só para trazer, cada dia, uma rosa diferente para a Dona Mimi. O colega do lado, ao ver o que ele escrevera, resolveu dizer que também gostava de cultivar um roseiral e fazer grandes negócios e ganhar muito dinheiro com as flores para depois trazer uma rosa todos os dias à Dona Mimi. Ora, Dona Mimi, ao ler ambas as composições, pensou logo que o colega copiara pelo menino e resolveu o assunto da seguinte forma: ao entregar as composições, deixou aquelas duas para o final. Pegou em ambas dizendo que: o tamanho do coração dos meninos mede-se pelas suas atitudes, não pelos bens materiais que eles possam ter. Por vezes, vale mais uma prenda sem preço, do que uma prenda muito valiosa. Disse ainda, que todos na sala deviam compreender que existe um lado doce em cada menino, e para eles nunca o perderem. Reforçou que a inveja é um sentimento que nos vai transformando em pessoas capazes de fazer mal aos outros, como copiar um texto, por exemplo. E por fim, deixou bem claro que cada um deve ter as suas ideias e depois coloca-las aos outros, partilhá-las, porque assim podem surgir coisas maravilhosas, como por exemplo a ideia do menino (ter um roseiral), se todos os meninos trouxessem de casa uma poda de roseira para a escola, todos iriam ter um lindo jardim no pátio. Todos os meninos concordaram com a ideia da professora e entenderam as suas palavras, mas apenas o menino que tinha copiado soube que a lição era para ele e não voltou a fazer o mesmo. No ano seguinte, o pátio daquela escola tinha o roseiral mais lindo de todos. No dia da mãe, todos levaram um ramo para as respetivas mães com um grande abraço.
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
30/04/2020

O meu sorriso para todos os que me leem...

sábado, 9 de maio de 2020

Sonata


Compreendi o porquê da paz distraída entre os meus dedos. Esta vontade trémula de seguir aquele caminho e o oásis perfeito sobre as linhas da minha silhueta. Já não sei se o veneras, se o arrastas pelo chão, como saco pesado, na íngreme subida do horizonte da tua visão. Compreendi que o protesto da minha fala é mudo e que nenhuma palavra compele a existência da tua fome rumo ao meu alimento. Ignoro se preenches o vazio com outras mãos, outras presenças, embora deslocadas do lugar primeiro que nos pertenceu. Um local abandonado, rasgado e rangendo as entranhas como lobo sofrendo a agonia da morte. Abandono aqui a persistência unívoca de um amor exangue, sem forças para morrer. Vejo as nuvens carregadas de cinzento escuro e sei, que mais tarde, ou mais cedo, elas tombarão sobre a minha visão, como tantas vezes fizeram. Não há frio que me mate a ausência, nem calor que absorva a cacofonia que me dás, sem um beijo, sem um abraço. Mas, compreendi que vivemos um tempo em que nada disso é possível. Diz-me apenas se existe um ruído que possa delimitar a sonata que me cantas.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
09/05/2020
(imagem da net)

Para ti tudo


Tu não contas as horas dos turnos, contas o material que precisas para ajudar. Não te importas com os cabelos compridos, ou descorados, importa que caibam na touca. Deixámos de te ver o sorriso, porque andas sempre com a máscara. Nem te lembras de sair para ver a tua sobrinha que fez anos, mas queres que o doente se sinta bem quando vai sair. Deixaste de contar as horas que não dormes, porque o dever fala mais alto e os doentes, sim, têm que conseguir descansar. Quando começares a pensar em ti, ainda terás a família à tua espera? Quando te vires ao espelho, ainda te reconhecerás? Quando te deitares numa cama, na tua casa, poderás dormir sem pesadelos? Hoje encontrei-te e trazias nos olhos a vontade daquele abraço amigo, daquele beijo brincalhão, mas ficaste ali, à distância de segurança. Admiro-te pela coragem, pela forma como consegues ser tão audaz, tão capaz, tão altruísta. Admiro-te como profissional a quem, tantas vezes, denigrem a imagem e não te é dado o valor que realmente tens. Sinto muito. Também eu sou imperfeita. Mas agradeço-te, do fundo do coração cada palavra, cada gesto, cada conselho…Não, não te agradeço a amizade, essa retribui-se, e sabes que estou sempre aqui para te ouvir num telefonema tardio, para te dar o meu ombro amigo…simplesmente estou! E sei que também estás. Na alegria, na tristeza, na saúde e na doença…ai espera! Nós não casámos!!! Ahhahahaahahah Nem era suposto. Amigos existem para as ocasiões…
Felisbela Baião
09/05/2020
(imagem da net)








Aurora


São onze horas de uma manhã cremosa de nuvens sábias. Envolta em lençóis de água cristalina, afago o rasto deixado pelas tuas mãos de cetim. Um murmúrio de brisa dolente, acorda-me as faces quentes. A lembrança de ondas vagas, penetra-me o corpo de anémona silvestre. Tranquilamente, levanto-me da cama de algas, descalça sobre um chão macio de ternura. Sento-me em frente ao espelho e penteio os cabelos com as tuas mãos. Sorris-me mais uma vez, e segredas-me “como te amo” à beira da pele. Um arrepio percorre-me as borboletas, que fazem o bailado do acasalamento por dentro de mim. Solta-se uma asa vermelha e pousa suavemente nos teus lábios, reforçando o meu amor. Abro as janelas e deixo entrar a vida, com todos os sons de andorinhas delirantes, de pardais chilreantes, de árvores vibrantes. Olho-te novamente, e sei que te sou tudo e tanto, como no primeiro abraço.
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
09/05/2020

Imagem: "Meeting the morning" | Abstract female nude | Helenka Wierzbicki | Flickr #beauxarts

quinta-feira, 7 de maio de 2020

ovelha negra

Tenho o pasto rasgado ao meio. De um lado, quem remói exasperado tudo o que digo. Do outro, quem fica fascinado com o que não digo. Ser ovelha negra nunca foi o meu propósito. Foi um ar que me deu, ao nascer. Não suporto que venha o pastor e me mande para outro lugar, porque eu mando-o pregar para outra freguesia. Posso não ser suficientemente rápida. Engulo o sapo, porque às vezes tem que ser. Mas depois solto a língua, e qual víbora, ferro a gosto, de cima a baixo. Marrar comigo não dá resultado, nem me dou a esse trabalho. Sou capaz de virar a cauda e deixar redondinhas mágoas só para alguém saborear. Não sou mole na carne, já sou velha no saber. Mas o sabor, só quem sabe, pode dizer…Deixo os “carraceiros” desparasitarem o meu pelo, porque me dão asas para voar o que eu pretendo. Não uso ninguém em meu proveito. Mas aproveito o que me querem dar. Sou livre de querer. Como o pasto sem dono, para não dever nada a ninguém. Ninguém me sustenta e eu sustento quem me ama de verdade. Refiro-me também à amizade. Meus amigos, está a ficar calor, talvez me deixe tosquiar, mas para mim ficará o cobertor. Tenho a quem o ofertar, e passa-me o calor.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
07/05/2020

quarta-feira, 6 de maio de 2020

Maldições


Para que servem os cantos, iluminados de luz e sombras, se não passas pela minha calçada?
Se eu subo ao candeeiro de olhar imaculado e volto borboleteando sabendo que estou enganada?
Consomem-me os declives, desnivelados nos tacões, que escorregam e nem vês que abalroas corações?
Há sempre uma torneira que reserva a água para o fogo, que o diligente bombeiro apaga na boca do lobo…
Batem as portas dos contadores da luz e da água, sob o vento aterrador da tempestade da mágoa.
Condeno os alarves beirais que, conhecendo o meu pescoço, deitam gotas de saudade sobre o meu alvoroço.
Acendo uma vela vistosa por dentro da janela da sala, indico a jarra à rosa e uma música que a embala.
Viro-me de dentro para fora, num momento de trovoada, até a luz do relâmpago acende a minha triste madrugada.
Maldigo os degraus sinuosos, pelo tempo que tem passado, ajoelho a oração, seguro a faca aguçada.
Pelo sinal que faço da cruz, rogo-te um cigarro aos lábios, sopro incenso de morte, no meu hálito de beata.
Não fumo a pouca sorte, nem é o teu amor que me mata.
São as horas que fico catando, como mãe os cabelos do filho, num tapete ou numa manta, amortecendo o teu trilho.
De que me serve a alcova, se não queres o coração? Ainda assim, aguardo que chova e lave todo o meu…perdão.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
06/05/2020

“Não te amo”


Deixa-me estar no silêncio
branco ou bege
do meu recanto

Não quero um indício
azul ou verde
de mar de encanto

Quero a minha almofada
fofa e quente
Não quero esse mar de gente

Quero ficar só
sem voz nem palavra
Não tenhas dó…

Nem faças da música
a minha miragem

Quero esta minha linguagem
Triste e bucólica

Quero-te à margem
sem rei nem roque
sem lógica

Deixa-me ficar suspirando
Tu não entendes
o meu pranto

Não te quero vestido de
preto ou branco

Quero os meus olhos
limpos e francos
como tu não sabes ser

Bastar-te-ia dizer
“não te amo”

E eu voltaria a viver
sem mágoas o mergulho
da vida, constante…

06/05/2020
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

domingo, 3 de maio de 2020

Palavra


Conheço a tua magia. Desafio-te a quebrares a palavra na parede da tua casa. Cruzo os dedos atrás das costas, pedindo sorte e conto-te: ainda brinco, nas sete noites de Lua cheia, com as tuas mãos no meu corpo, sábio. Mestre de quiromancia, conhecendo as linhas todas da pele, não havia local algum sem saliva. A sede gemia na minha boca palavras insondáveis, mas tu, vedor confesso, encontravas os veios subterrâneos e conhecias a nascente. A seara restolhando deleitava-se pálida de noite, enquanto eu encontrava um trevo de quatro folhas para te ofertar. Mas, era sexta-feira e enganaste-te na encruzilhada. Um cão uivou ao longe e eu fiquei à espera, perto da fonte. Só a tua sombra me procurava. O meu rosto, lívido de lágrimas, recolheu as palavras e recolheu-se à solidão das paredes brancas. O trevo ainda se encontra entre as páginas das minhas janelas abertas. O vento sopra-me histórias ao ouvido, mas tu não quebraste a palavra na parede da tua casa. Eu saberia. O meu sexto sentido não me engana!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
03/05/2020
(imagem da net)

sábado, 2 de maio de 2020

Página em branco

Acendi uma girandola na página só para tu veres. Tantas luzes, tantos desenhos em forma de coração, de rosas, até da palavra amor, explodindo. Escorrendo pela página, como se de lágrimas se tratassem. Confesso que ignorei a lei que proíbe o fogo de artifício. Receei incendiar as palavras formando o teto. Tive tanto medo que as paredes de metáforas não resistissem ao calor das fogueiras de alecrim que perfumavam o ar, só para te encantar. Mas escrevi o teu nome na perna esquerda, tal como mandam as tradições, e saltei de noite por cima do abismo. Eu sei que parece loucura, mas dizem nos velhos alfarrábios, que me irias amar para toda a vida. Mas o ritual do teu olhar nem se deteve. Foste um simples sujeito agramatical, pedindo aplausos para o rodapé. Quando nasceu o dia, só vi orvalhos decorando a página. Eram os meus olhos a enlouquecer. As linhas do meu corpo ficaram registadas a negro numa página amarelada pelo tempo. Hoje cuidei dos meus dedos, feridos de tanto fervor. Amarrotei a página e atirei-a para o lixo. De nada vale “amar pelos dois”…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
02/05/2020
(desconheço o autor da pintura, mas inspirou-me...)

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Superstição

Tristemente fui olhar-me ao espelho. Num suspiro que a renovação evocou, sem querer, deixei-o cair. Os cacos espalharam-se por todo o chão. Refleti em vários tamanhos. Dos meus olhos, dois pingentes transparentes, acenderam a sua luz. A cadeira recebeu-me desolada e só. Do meu coração, duas asas quiseram voar, mas os meus dedos perdidos alcançaram o sal e atiraram-no sobre o ombro esquerdo. Precisava quebrar o quebranto. Mas, como um encanto nunca vem só, ao fim das doze espiraladas da meia-noite, voltou a acontecer a magia. E ao último toque voou. Avé anjo do meu desejo, ampara-me com as tuas asas.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
01/05/2020

Só tua


Conheço o gargalo da garrafa de onde bebes, tem o sabor ameno e amargo do céu que invento. Sou a esquina por onde passas os olhos. Sei de cor o hálito onde me deito despudorada. Mudo o som da rádio quando ouço os teus passos a cambalear de indiferença na rua. De um salto, corro para a porta e abro-a. Sou como o gato branco, tenho sete vidas inteiras à tua espera. Seguro-te na testa e aguardo que vomites os ângulos distantes. Depois deixo-te entrar, para te lavar com as delícias e entregar-te um ramo de amenidades. Há um livro secreto que te leio mil e uma vez, para que não te esqueças que sou só tua.

Rosa Alentejana Felisbela
01/05/2020