quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
A música deles
Ela encosta ao ouvido o búzio da música deles. Aquela que lhe traz conforto ao espírito e desalinho à distância de um pé de laranjeira. Sente o perfume na pele, escorrendo o suco do prazer pelas folhas verdes em sangue derramado. O sabor da flor agridoce entranha-se no seu estômago, voando, qual borboleta encantada de tantos enganos. Quando nos vem à boca a sabedoria popular, o cérebro cansa-se do abandono e estala. Abre-se numa montanha que pariu um filme de Hollywood. Foi a gota que o terreno precisava para florir. Ainda bem que existem atores com vontade de brincar ao filme da vida. Aprende-se muito mais experimentando, tanto o bom, como o mau. Ela às vezes chora. Eu não me queixo.
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
domingo, 21 de fevereiro de 2021
Senão...
No centro, no meio, na boca
Salva-se e morre-se
Silêncio sedado, sentado
Ouvidos cicatrizados
Olhos cercados, cerceados
Um queixo serrado outro não
Salva-se e morre-se
De exaustão
O escuro da seda sacrifica
A pele em comunhão
Não verás, não sentirás
Não serás…senão…
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
(quadro de René Magritte)
Tantas vezes...
Cabe-me no peito a dor
Partida do barco
onde navego
Negro
Tantas vezes acordo
Oco de destino
E saio como louco
Do fundo do mar
Abraço o foco
Quero-o a respirar
Abro as ondas gigantes
Deixo-me elevar
Mas não te dou vida
Sou saco salino
Verde de desalinho
Cabelos encalhados
E olhos cerrados
No turbilhão
Nem numa noite
Vestida de farol
Tu voltas e vives
Como eu queria
Acordar!
Felisbela Baião
(autor desconhecido)
sábado, 20 de fevereiro de 2021
suspirando
leva-me o suspiro
doce que se desfaz
na boca que te evoca
sem querer, sem sonorizar
quando o momento
fermenta e o desejo
não aguenta
e me falta o ar
no forno que arde
na mão que anseia
tocar
Trinca suavemente
A orla exposta
Ao teu olhar
Depois lambe o açúcar
Sem derramar
A forma arredondada
A salivar
Leva-me o suspiro
Que te vou murmurar
Felisbela Baião
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021
Naufrágio
Naufrágio
Que maneiras conheces
de naufragar?
Perder o pé,
perder o barco,
perder o mar?
Eu perco tantas
histórias da tua íris
da tua forma ocular…
De pé na pedra
De pé na areia
Que pena
Não ser sereia
Mergulhar por dentro
Ser mastro, lastro
Neste azul
Para me consolar
Perco o sol sereno
do entardecer
Perco a borrasca
A tormenta farta
A lua crua
Ah! Se a pudesse cozer
Como ovo no ventre
Só para te ter presente
E então naufragar
Braços tatuados
Alados de aconchegar
O filho amoroso
Que trago na boca
Para te doar…
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
desconheço o autor do quadro
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021
Borboleta
Pendura as desolações no cabide da existência. Procura a melhor disposição, veste-a. Penteia os sonhos já brancos, junta-os aos outros e faz um penteado bem bonito. Agora calça a força e veste a coragem nessas belas pernas. Olha-te ao espelho. Dança a canção da vontade enorme e desce as escadas. Não deves nenhum: “boa noite”, mas aprecias um: “olá bonitona”. Percorre a rua devassada pela balança das bebedeiras, que não interessam nem ao menino Jesus. Muda de direção. Entra na danceteria e curte um samba, bebe um trago de ilusão. Senta-te a aprecia as notas que bailam à tua frente. Caras de santos, caras de meninos, caras e caras… Nenhuma te agrada. Mas a boa nova é que és uma borboleta linda, saída do casulo. Transformada és tu. Quando voltas à rotina és apenas ovo. Escolhe a que queres ser.
Felisbela Baião
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