quinta-feira, 29 de outubro de 2020

Lamento...

Lamento as sombras. Lamento as lágrimas. Lamento o tempo perdido. Só não lamento o carinho que dediquei. Porque é ilimitado. Eu sou amor ilimitado, para os que me querem bem. Porém, existe em mim um NÃO tão redondo que nem consigo agarrar. Um CHEGA tão espesso que me é impossível ultrapassar. Dei e recebi. Muitas lições ficaram dentro do coração, outras deixei-as de fora para não me manipularem. Protegi-me como pude. Só não me protegi do amor. Ele vive em mim, sempre. Só não sou capaz de o passar para o papel. Isso dói. Magoa. Apodrece-me as palavras. Elas que são as raízes. E que árvore consegue vingar sem a sua raiz? Uma delas foi-me levada e nunca mais suportei a perda. Hoje a noite está negra… Felisbela Baião

domingo, 25 de outubro de 2020

Este ano

Este ano está marcado de noite contaminado tem fases da lua iguais tem planícies montados estações e hospitais asséticos médicos enfermeiros professores auxiliares desempregados tem pregos nos caixões ladrões de liberdade muita palha e fardos cada vez mais pesados famílias famintas e ideias geniais todas na rede como animais rebanhos vegetarianos obedientes alarmistas mentiras e tiras nas máscaras faciais corações iludidos cabisbaixos e fascistas e comunistas e arraiais cada vez com mais espetadores propagando a propaganda de extremistas mas a felicidade está dentro da casa que sabe ao sabor da vida! Felisbela Baião 25/10/2020

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Trevo

Procuro o trevo atrevo-me a querê-lo porque a paz passeia na ideia de o possuir não se trata de ver com os olhos focados mas de comer a sorte em bocados e sorver o travo para não enlouquecer Felisbela Baião 02/08/2020

domingo, 11 de outubro de 2020

Predição

Pela divisão corria uma luz etérea. Vinha das estrelas que a janela deixava entrar. Lídia e a irmã, encostaram-se uma à outra, brancas de aflição, vestidas de negro. Branca era a parede onde uma bailarina parecia dançar em pontas os seus pliés. Brancos eram os dois galgos espantados, que a olhavam de soslaio, lançando uns uivos e latidos medonhos. Brancas as rendas suspensas, que anunciavam as brisas mágicas, qual fantasmas a assombrar o compartimento… Sobre a mesa havia bolas de cristal, movimentando-se de um lado ao outro da mesa, descendo a toalha, percorrendo o chão, numa azáfama sem mãos que as tocassem. Para completar a atmosfera, do lado oposto, encontrava-se um corpo com cabeça de pode branco, sentado num banco. Este acenou a cabeça. As meninas mantiveram-se em pé e fizeram a pergunta que vinha cravada nas gargantas: “Senhor, onde se encontra o nosso pai, que saiu de casa há dois dias e não voltou?” Nesse momento, nuvens escalaram as paredes e ocuparam o teto, como previsão de mau augúrio. Ele respondeu que o seu corpo se encontrava no desfiladeiro a Norte, mas teriam que correr para o apanharem vivo. As meninas agradeceram e saíram a correr para alcançarem o pai ainda vivo… 10/10/2020 Felisbela Baião (imagem da net)

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

As sete bruxas

Sete bruxas se encontraram. Sete juras se firmaram na encruzilhada escura. Sete unhas rasgaram ramos e sete lareiras acenderam. Por luz traziam sete velas, as sete bruxas mais belas que a noite já pariu. Sete línguas arrastaram, pela terra. Sete vezes piou o mocho, de olhos arregalados. Sete gritos ecoaram nos sete cantos do mundo. Sete pecados vibraram num sismo atroz, bem fundo. Sete sombras se ergueram bem alto, e tão alto que os céus tocaram. Sete anjos acordaram com seus braços erguidos. Sete rezas rezaram e correram e voaram, e as lareiras apagaram, esconjurando as setes bruxas. As luzes das velas pingaram, na escuridão formaram e multiplicaram cada uma sete estrelas. Por isso, o céu fica tão iluminado, com as estrelas guardado, pelos anjos que as benzeram. E as bruxas correram, gritando de medo e susto, seguindo o seu Belzebu. Felisbela Baião 08/10/2020 (ilustração de Paula Rego)