quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Prisão


Prisioneira de um lugar
Onde o sol entra por parcelas
Pelas janelas
O cão dorme a ladrar
Sonha que está noutro lugar
As mantas não me tapam o frio
Da solidão
Até o coração para atento ao rio
De mágoas correndo
A sala escurece aos poucos
As letras escondem-se
A inspiração esmorece
Os pensamentos loucos confundem-se!
Há uma tonelada de pesos
Nos ombros
E uma pasta de visco
Condensada nos pés.
A cabeça tomba devido às cinzas
Do meu corpo, ardidas, fundidas.
O meu hálito fede a descontentamento
- é a força do hábito,
a falta da fala para expressar o pensamento.-
Até as rosas murcharam
E o pó ficou acumulado no aparador
E esta dor, esta dor, esta dor!!!
Deixem-me chorar, gritar,
Até que o desespero se faça nuvem
E esta se desfaça
Numa chuva de decisões.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
27/02/2020
(imagem da net)

Doce melodia


Melodia tão doce
Cantada pela manhã
Ninguém mais saberá
A ternura que trouxe
Aquela fruta temporã

Melodia tão doce
Como vinho embriagante
Ninguém mais saberá
A força que traz e dá
Aquela fruta temporã

Cada sabor rubro no palato
Cada tom límpido no cálice
Prova que a melodia do tato
Perdura pelo tempo fora
Naquela fruta temporã

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
27/02/2020

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Flor


Por entre o arvoredo, o seu corpo andava cansado. Não porque fosse tarde ou cedo, mas pelas lágrimas tristes ou pelo enfado. Ao longe viu uma clareira, e um belo manto de erva macia. Desejou tê-lo à sua beira. Calou o pranto, deitou-se e quase o sentia. Abriu os braços na relva, experimentou um perfume a terra e a rosmaninho. Escutou o canto das aves e dos filhos nos seus ninhos. Fechou os olhos e viu o rosto lindo dele. O seu coração floriu, a sua boca ficou sorrindo. No meio daquela erva, foi pétala, estame, carpelo. Deixou-se polinizar. Sentiu as mãos dele no cabelo. Mas o vento não gostou. Levantou-se e o perfume varreu. De repente ela abriu os olhos e o sonho desapareceu…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
26/02/2020

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Ondas


Existe um sol ardente
entre os seios das montanhas
místico calor que lambe
os picos terrenos emergentes
percorrendo com rios
lânguidos lentos
as entranhas
ah! Terra!
que escondes a Lua
num eclipse de um Delta
diluviano
conheces a luz tão pura
vives em ondas de engano…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
24/02/2020

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Coreto


No meio, bem no centro
havia o coreto
de teto desgastado
pelas intempéries
muito quieto
sobre algumas colunas
enferrujadas
e as escadas
feitas de pedras
puídas e encaixadas
no farrusco corrimão
levam até às flores murchas
plantadas em redor
lembrando tantos versos
alguns de amor
de mãos entrelaçadas
e olhar feliz
mas esta é a hora
das folhas acastanhadas
caídas e pisadas
por quem passa
sem ver a graça
de outrora
só o felino caça
uma borboleta
e lambe as patas
erguendo de forma discreta
o corpo maleável
rumo a um canto
banhado de luz
que o acolhe no sono
enroscado da meia sombra
em contraluz…
Sopra a brisa da saudade
e emaranha-me os cabelos
na vontade
que o tempo passou…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
16/02/2020
(imagem da net)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Sonho de mar


Arrepiadas de saudade
cantam as águas
perante a voz do pássaro
esguio, escondido nas folhas
cintilantes das oliveiras

Perdida nos passos
suspiro pelo sol e penas
a voar, sem norte
num céu itinerante,
cigano sem medo da morte

No bolso um lápis
de escrever palavras tristes
e uma borracha
de apagar fragilidades

Aliso a folha amarfanhada
pelo tempo e reescrevo
a canção de me lançar
nos teus braços, quentes

Sou salto do peixe
que respira um segundo
fora da água do teu corpo
ansiando pelo sorriso profundo

Já não sei se amo o gesto
cansado de tanto chorar
ou o som do chilreio
que me faz encantar

Pesa-me o cinzento
das chamas apagadas
da fogueira errante

No peito vagueiam
recordações singelas
e abrem-se as janelas
de par em par

Quero o cheiro
Quero a brisa
Quero olhos nos olhos
Acordar no sonho
De mar que se eterniza

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
13/03/2020
(imagem da net)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Inocente


Hoje dói-me o silêncio
e este gigantesco vazio
que me tolda, que me arrasta
e me verga no frio

Hoje as nuvens cinzentas
correm lentas, vagarosas
sobre campos, sobre estradas
como mantas pesarosas

Hoje as oliveiras paradas
olham-me cobertas de tristeza
sabendo que a miragem
sobre as águas é uma certeza

Também as ervas que crescem
na sua pressa, lentamente,
me fitam num desfolhar,
a chorar pelo sol ausente

Hoje abri os braços
à brisa vinda do poente
senti aquele abraço
de regresso inocente

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
13/02/2020

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

(Des)esperança

Arrasto os passos pela estrada, num movimento desalentado. Sou filha das espigas douradas, tenho no corpo o sol acorrentado. Por isso, tenho a pele morena e mesmo rugas de expressão. Minhas lágrimas são mar salgado, criado p’la imaginação. Meu coração é de papoila serena, minhas veias de céu azul e vento suão. Carrego nos olhos as planícies, ondulando ao som da paixão. Mas meus pés nos tempos difíceis não me dão paz. Apenas solidão. Ensanguentados vão seguindo, por rochas pontiagudas e barro seco, mesmo assim eu vou sorrindo, perante o vazio deste degredo. Ouço ao longe uma voz que chama, e avanço dorida nessa direção. É o rio que corre num turbilhão que me agride, o cheiro da água vestida de limos. Porém, o meu corpo precisa da loucura da luz e da água fria. E eu, lentamente, nua, entro na frescura, lavo-me das tormentas e da ausência de rima. Porque aquilo que sinto é só um poema, despido de ideias ou de esperanças. Aos poucos as frases da boca vão saindo, são versos quebrados, mas repletos de lembranças…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
05/02/2020

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Carrossel de fantasias


Levanto os olhos sonolentos e vejo a erva verdejante bordando as raízes das oliveiras. As folhas prateadas enfeitam as copas, tornando-as rainhas da paisagem. O banco do carro reclinado oferece-me o repouso merecido às memórias. A monotonia do som das águas embala-me alguns sonhos felizes. Um rumor de asas levanta voo para longe e eu afasto um pensamento nefasto. Coleciono palavras tontas no meio do turbilhão de frases descabidas. Sofri um surto de saudades e senti o perfume da tua voz no palato. Uma nuvem de algodão doce beijou-me o rosto carinhosamente e eu pensei no carrossel onde andámos juntos no dia da feira. O alvoroço das minhas saias e as tuas mãos preocupadas, querendo guardar os risos. O meu cabelo emaranhado nas tuas faces coradas e o desassossego do meu coração. A música era a de sempre e não atrapalhava os nossos sentimentos. Escutámos muito bem, quando as nossas bocas proferiram a palavra amor.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
03/02/2020