quinta-feira, 18 de março de 2021
Amor perdido
O mar subindo a escadaria do areal, as gaivotas perdidas sem local, e o cinza pardo das nuvens a chegar. Logo longas chuvadas alagavam o mar inteiro, produzindo um som medonho, de trovão de boca aberta de raiva, de raios mágicos cruzando a praia. E no farol, lá no cimo do penhasco, dividia o mar entre o seguro e o roedor de cascos. Só uma frase lhe ocorria de dentro do carro, no apeadeiro onde estacionara: quem me dera ter-te aqui, que triste a forma como terminara. Ela continuava a subir aos pinheiros com os olhos nublados, o perfume era mensageiro do seu sonho inacabado.
Mas perante a trovoada, ele de nada sabia. Sozinho se encontrava numa falésia, naquele dia. Também via o mar bravio, a noite crescendo em corrupio, e a saudade feita de esperança morta, amarada, debruçada daquele lugar. Não tinha como lhe comunicar tamanha loucura. Não era cedo. Não tinha cura. Não havia volta a dar. Pensara desde cedo em ir para aquele lugar. Não levara carta alguma, nem despedida anotada em papel, para mandar no bico de um passarinho. Só ele era o ninho, da canção ali cantada.
Num pingo de chuva certeiro, veio um vento arrebatado, envolveu os corpos deles e levou-os desamparados. Não tiveram resistência, nem queriam viver. Quis o destino que ambos, no mar se encontrassem para morrer. Quem diria que cada margem se juntasse tão ternamente, quando a chuva e o vento estoiravam de contentamento nas ondas do entardecer?
Não há clima, nem magia, nem acasos de ternura. Há momentos de alegria, e momentos de secura. Nunca deites o teu amor, que te pertence por natureza, ser levado pela tristeza para o fundo marinho. Faz em terra teu ninho, e bebe da fonte dos beijos, todos os desejos que aqui quiseres viver. Mais vale não se conter o que dá tanto contentamento. Olhem o caso do vento, que ambos levou sem saber, que se amavam há muito, mas esse amor não podia ser. Foi um acaso bonito, que amantes tão amigos, fossem no mesmo dia morrer.
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
quinta-feira, 11 de março de 2021
Conta-me
conta-me onde andas
soletra-me com a tua boca
ao ouvido amargurado
serei a que enganas
a louca que afagas
ou o teu pássaro prisioneiro
do amor que desamparas
a lista incompleta
a lacuna que avaro
guardas mentindo
que veneras
nas horas vazias vagas
mostra-me a flor
que não me deste
se murchou ou ainda vive
oferece-me o que perdeste
que o guardarei como tesouro
que sozinho sobrevive
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
segunda-feira, 8 de março de 2021
Cedo
A beleza não se apaga
do barro moldado
Tal como as palavras
gravadas na memória
das nossas defesas
Indefesa te sentes
no pensamento acabado
e o murmúrio do desejo
a que não acedes
É cedo para alguém
te encontrar
ainda o sol
não está acordado
e na escuridão
escondes o medo
Preferes a solidão segura
do que o meio
onde está gente
Vês a vida por um
prisma cínico: obscuro
Não conheces ninguém
influente
que te dê a mão
e te faça sorrir
Que te ajude nos planos
mais loucos
Só te apetece fugir, fugir
e desaparecer da vida
aos poucos…
Felisbela Baião
desencontrada
Na tua frente está
a fornalha acesa
da vida que fora
se despede
Não és mais
que uma pessoa
que alguns tomam
por gentalha
mas que amarra
a corda e nem sempre
cede
Corres para o fogo
absorto, com sede
por mais um tronco
incapaz
Se pudesses
quebrá-lo
se o trouxesses
cortado para o fim
que na vida calas
Não perguntas a ninguém
se és amada
quem te ama
acolhe-te sob as asas
Que triste é o dia
sabendo que não serás
encontrada
A não ser no cheiro
da morte
que fede…
Felisbela Baião
quinta-feira, 4 de março de 2021
Longe
Longe da rocha
que quebra corações
murcham os edifícios
sedentos do ar
as janelas monocórdicas
espirram com a poluição
um carro ou outro
expele um arroto
parecido ao da moto
e a passadeira passa
tão depressa
que o sinal abre
a correr para te abraçar!
Chegaste, por fim!
Felisbela Baião (Rosa Alentejana)
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