domingo, 29 de setembro de 2019

Casamento


Hoje foi dia de caminhar pelo cais
Onde nos encontrámos em pensamento
Pelo ar subiam balões dos esponsais
O noivo e a noiva celebrando casamento

A noiva de branco e o branco brilhando
Numa luta de luz, entre agora e o tempo
Alguns saiam do grupo rindo e fotografando
E a vida fugindo, fugindo num sopro de vento

O noivo de azul, da cor do firmamento
Seus olhos sorrindo, sorrindo de enlevo
E todos querendo manter o momento
Juntando a felicidade ao quadro em relevo

Meus olhos intrusos saíram voando
Ao ritmo do sino da torre da igreja
Meu desejo estaria no adro dançando
A dança cigana num vestido da cor da cereja

No bico dos pombos um ramo ficou
Caiu nas águas e ficou flutuando
O passado, por um instante, voltou
Mas um salpico tocou-me passando

A sonoridade dos pássaros em melodia
Rasou-me os cabelos de forma harmoniosa
Asas de borboleta cresceram na nostalgia
E eu levantei voo e transformei-me em mariposa

Hoje apetece-me que o mundo saiba
Que beijo o teu anel, de mel a silhueta
Aguardando que no meu dedo caiba
Esse outro anel da cor da pena do poeta

As cordas das harpas as letras sublinham
Numa morte quase, quase iminente
Caem-me as asas, com o tempo definham
E sabem que o poema é de amor ausente

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
29/09/2019

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Inocência


Para lá da utopia que trazem as promessas, deixamos a porta aberta para os sonhos. Eles que são feitos da magia que esquecemos, frequentemente, sobem como balões de tempo, rumo ao oásis da nossa inocência. Ela reside no mais recôndito espaço que mora na inconsciência. Ela brilha numa miríade de estilhaços caindo no olhar, como se uma chuva pirotécnica de feira se abrisse de par em par. E cada gota é capaz de despertar em nós a força acobardada nos medos, nas fragilidades. Perante o espetáculo do futuro, uma boca de espanto abre-se, deixando cair cada novelo de solidão, cada fiapo de tristeza, no chão da fantasia. Aí germinam lírios de alegria azul, rosmaninhos de regozijo rosa, alecrins de sorrisos verdes, e solta-se um perfume inebriante para os sentidos. A dança onde dormimos seguros desliza para a pista num passo arrojado em pontas de algodão. E giramos nos braços de mais uma ilusão, num novo porto seguro.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
27/09/2019

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Sorriso doce de outono


Peço-te que me transbordes o outono nos olhos de troncos hirtos de castanho, nos lábios de romã vermelha, nas mãos de andorinhas grávidas de amor brando. Afaga-me os sonhos de nozes caídas em chão de folhas secas, e soletra-me o amor ao ouvido. Mostra-me as palavras frescas que a brisa vem sussurrar na pele arrepiada das águas. Traz-me o agasalho do manto alaranjado que tem o céu do sol por trás dos montes. Inspira-me o perfume que as rimas abrasam nas minhas veias. Desconheço a encruzilhada onde a fogueira arde. Não procuro as bermas que se ajustam ao corpo sem teto. Abro os braços à chuva e sigo as pegadas do teu sorriso. Ainda hei de sentir a impressão digital que me ficou na boca descomposta, entre os cabelos libertos de futuros, na marca vermelha entre os seios encrespados de “ais”, sobre o ventre de terra fértil de alegrias…Ouço os teus passos na areia silenciosa e o coração dispara murmúrios de fantasias, e a tua doce gargalhada. Só assim me sinto feliz!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
19/09/2019
(IMAGEM DA NET)

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

violino


Uma história sob o sol do violino clama a ausência. Um poema escrito c’o a pena da paixão exala o seu perfume através do chão puído e baço. Uma vela acesa brilha a um canto da sala e ilumina o esboço de uma dança sob os dedos manchados de grafite. A poeira ecoa no quarto escurecido pela noite pesada, enquanto uma colcha antiga sugere o compasso da música que os corpos ousaram amarrotar. O papel amarelou na parede desgastada, mas o amor, esse é sempre o mesmo! Este é o altar da vida. Não há tempo para o tempo passado, mas a memória acolhe a bem-aventurança do toque que ficou no violino! Um beijo flutua no eco que o abraço selou na música de sempre…Abro os olhos e sei que vai correr tudo bem.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
18/09/2019
Still Life With Violin Andrey Morozov

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Multicolores


Multiplicam-se os véus entre os caules, suaves em ondas, como se de espuma se tratasse. São as obreiras de corpos macios e com muitas patas que os fabricam. Ligam verdes a lilases, sementes a troncos. E os dedos, mínimos, pousados, seguram-se a fios impossíveis, tão leves como as plumas que vestem os corpos de bicos direitos e olhares espertos e atentos. Ao mais pequeno ruído, o voo é certo. Ao mais silencioso movimento apanham o verme lento, que caminha imprudente, rumo a alguma folha pretendida. Perante um chilreio ou outro, a vida continua no seu ritmo de fantasia, enquanto a realidade nos dita as horas e diz de dedo em riste: Amanhã há escola!
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
16/09/2019
(foto de Maria Manuel Neves)

domingo, 15 de setembro de 2019

De Roma


De Roma te escrevo letras ciganas. Rodo a saia colorida ao ritmo da nossa balada. Mostro o decote generoso, do meu peito apaixonado. Mas as minhas palavras gentias, não cabem no teu mundo de romance proibido. Pousas num verso, alcanças uma rima, mas voas cada vez mais alto, mais longe, mais distante. O barco onde navego naufraga-me na dor, mas nunca no tamanho. Se a minha silhueta não cabe nas tuas retinas, não insisto, nem me diminuo. Penteio os cabelos com o silêncio negro e envio-te o abraço da cinza que transforma o horizonte onde o sol se deitou em chamas. Do cimo dos meus pés descalços vejo o mundo coberto de pétalas de rosa. Sentes o perfume?

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

terça-feira, 10 de setembro de 2019

apaga


Apaga-me os planos, apaga-me o rosto, apaga-me o sorriso. Mas não deixarei de existir na tua vida. Saberás que estive nos teus braços, naquele ponto íntimo que tem a estrada antes do anoitecer. Saberás que me apoiei no teu ombro na curva mais larga, quando as rodas do carro tremiam de antecipação. Saberás que horas eram no relógio pejado de vida e a palavra soprada pelo ponteiro do relógio de sol. Saberás que o meu perfume te suspirou ternuras ao ouvido, e que as nossas mãos se tocaram na sombra curta do calor. Faz frio esta noite. E a lua caminha em forma de cigana pela minha rua. A cinza da fogueira ficou adormecida…ronronando brasas que podem ser de despedida.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
10/09/2019
andrea torres balaguer photography

domingo, 8 de setembro de 2019

Chuvisco


Há um chuvisco guardado na nuvem pesada de céu. O vento cativa o cheiro a terra molhada. Uma poeira arenosa vasculha os cantos dos olhos e ficam a relampejar raios de sangue por dentro do branco quebrado do globo ocular. Sinto o vidro rachado do brilho arranhando com unhas de tristeza. Por fora há uma torrente que me escapa, conhecendo a tua ausência por dentro. Esse sal que ecoa no silêncio das palavras que conhecemos amarfanha-me a alma vazia de tão cheia! Suplico-te a pureza da razão, o segredo da verdade sublime…Do céu tombam, finalmente, flores da cor do arco-íris, colorindo os abraços dos amantes. O poema é um gesto diluído nas linhas de uma nova página.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)