sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Refletindo sobre o tempo verbal Presente sem indicativo


Sempre que vejo destroços empoeirados de cimento, correm-me penas, colossos de lágrimas, pelas crianças erradas no cenário.
Umas olham a tristeza com a distância incrível, que só elas conseguem, desde o cordão umbilical, até ao ponto exato onde jazem.
Outras desviam o olhar do ecrã que as salva da proximidade e comem sortes abissais, às quais perdem o valor num copo de coca-cola.
Umas não sabem onde beber, seguem os cachorros até charcos cheios de destroços.
Outras seguram telemóveis topo de gama e discutem notas para a entrada num canudo que as levará a ver o futuro pela janela.
Umas não conhecem a máquina que as eterniza num ponto qualquer do tempo, que perderam, assustadas com os ruídos dos estilhaços de pão perdido algures…
Outras cospem a mesquinhez no rosto dos pais, envenenam pensamentos e rogam pragas de facas na mão.
Umas escondem pequenos esqueletos, no meio da algazarra dos guindastes e escavadoras obscenas, que descobrem cadáveres incompletos.
Outras prostituem os costumes para conseguirem, sem se importarem com quem morre de fome e medo.
Umas choram o medo dos desconhecidos, levadas por mãos alheias, benfeitoras ou malfazejas.
A Covid é o (pre)texto para um Portugal escrito cheio de rasuras. A explosão em Beirute é o texto cheio de erros ortográficos.
Os fracos serão sempre fracos. Os fortes serão sempre fortes.
Apelo ou agravo?

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
07/08/2020

Sem comentários:

Enviar um comentário