terça-feira, 14 de julho de 2020

Porto perdido


No túnel da noite, uma lua vestida de branco envolve as águas num beijo orvalhado de nevoeiro brando, enquanto a rã coaxa, ao longe, a melodia da saudade. A mão toca a cigarra da tua boca e o coração rima, em socalcos, o vinho doce do teu hálito. Uma pomba eleva-se no ar, assustada, arrulhando banalidades. Só o barro vivo molda a forma mais fácil de dois corações enlaçados. Estátua quieta, no meio da praça engelhada de solidão. Reconheço a silhueta. Desconheces as reticências na frase esquecida sobre a amurada, e já não te lembras do lugar mágico sobre o meu ombro, onde a brisa me beijava. Uma estrela cruza o céu mareando mais longe. Envolvo-me no xaile quente da desilusão e percorro o caminho empedrado de volta a casa. A luz esqueceu-me nas vielas e o barco nunca tornará a este porto perdido.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/07/2020

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