segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

História que não quis terminar

 

Ela escreve na memória

A história que foi vossa

Não importa se é prosa

Ou quintilha já antiga

Se é poema ou cantiga

Ela sabe-a de cor

 

Conhece-lhe por dentro

O eterno sentimento

Que viveram num raio de luz

Um risco no firmamento

Uma pedra rolando

Uma rosa em contraluz

 

Ela escreve a desventura

Dá-lhe um cunho pessoal

Transforma a doce ternura

Num escuro abissal

Tal como toda a história

Que se conta, é natural

 

Desconhece o que os levou

Àquele banco de jardim

Quando o sol anunciou:

- É tempo de chegar ao fim,

De esta história terminar

Mas a história perdura naquele lugar

 

Cada abraço, cada beijo

Contado por ela o desejo

Não faz jus àquele lugar

Só eles sabem quão fracos

Se sentiram nos braços do seu amar

Até hoje vive a história, que não quis terminar


Felisbela Baião 

(Imagem da internet)



quarta-feira, 7 de julho de 2021

História que não quis terminar Ela escreve na memória A história que foi nossa Não importa se é prosa Ou quintilha já antiga Se é poema ou cantiga Ela sabe-a de cor Conhece-lhe por dentro O eterno sentimento Que viveram num raio de luz Um risco no firmamento Uma pedra rolando Uma rosa em contraluz Ela escreve a desventura Dá-lhe um cunho pessoal Transforma a doce ternura Num escuro abissal Tal como toda a história Que se conta, é natural Desconhece o que os levou Àquele banco de jardim Quando o sol anunciou: - É tempo de chegar ao fim, De esta história terminar Mas a história perdura naquele lugar Cada abraço, cada beijo Contado por ela o desejo Não faz jus àquele lugar Só eles sabem quão fracos Se sentiram nos braços do seu amar Até hoje vive a história, que não quis terminar Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Confinamento

Contam-se as vírgulas impressas no texto sempre original. Nem muda uma palavra. Não existe um ponto final. Tantas reticências enganam as linhas. Comem-se verbos decorados, conhecidos. Saboreia-se a sopa de letras e lambem-se os lábios. Nada diferente. A saliva deixa de estar incandescente. Na língua, as papilas inchadas do veneno, eriçam-se mais uma vez. O corpo do poema exagera nas loucuras. O coração segura-se entre duas linhas. Cuidado com o vento, pode vir a trovoada e a revoada de ternura afasta-se brutalmente. O favor apaga-se na metáfora barata. Não são precisos rubis para entender que a mina florida foi fechada. Não há mais refeições na paragem dos autocarros. Maldito confinamento. Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Tranquilidade

No silêncio gritado aos ouvidos vive a mulher tranquila. Sobre o piano está um gato, saltitando de tecla em tecla, negra, branca… Com a sua língua áspera, ele lambe os bigodes, as patas, e ronrona, aninhando-se sobre a tampa lisa, limpa, negra. A mulher recorda o tule, o pliê, o cetim, as pontas dos sapatos, sobre o palco liso, limpo e negro. Vai ter com o gato, numa súbita saudade, em pontas, de pés ligeiramente afastados e virados para fora e segura-o, branco e suave, nos braços brancos e suaves. Sente a tranquilidade. Observa a chuva caindo no exterior da janela. É a trovoada. Segue as gotas que correm velozes para o regato. Sente o gato no colo. Cheira a terra molhada e o gato. Olha-o com a ternura e ele olha-a com a doçura. Escuta uma campainha de bicicleta lá fora e sorri. Coloca o gato no chão. Prepara um banho de espuma, velas perfumadas e incensos. Entra na banheira e só escuta a torneira a pingar, vê os versos através do olhar e lágrimas corridas. Vidas passadas, momentos felizes. Bebe um copo de vinho e sente a pele molhada, o cabelo escorrido e o seu corpo rendido, relaxado. A toalha de veludo envolve-lhe o corpo e ela desliza pelo quarto. O vidro embaciado lembra-a de nomes, beijos, abraços. Deixa entrar o sossego. Relembra a bailarina percorrendo o palco, o silencio, o escuro. Há um som de aplausos e risos flores cores pelo ar. É amada e feliz. A trovoada continua o seu troar, a chuva corre e não sente exaustão. Assusta-se com o turbilhão nuvens esmagadas, encontradas, misturadas. Mas as portas encontram-se fechadas e o silêncio é absoluto na paz do seu recanto. A música continua ali, no seu corpo e coração. O gato dorme. Felisbela Baião (desconheço a autoria do desenho)

quinta-feira, 18 de março de 2021

Amor perdido

O mar subindo a escadaria do areal, as gaivotas perdidas sem local, e o cinza pardo das nuvens a chegar. Logo longas chuvadas alagavam o mar inteiro, produzindo um som medonho, de trovão de boca aberta de raiva, de raios mágicos cruzando a praia. E no farol, lá no cimo do penhasco, dividia o mar entre o seguro e o roedor de cascos. Só uma frase lhe ocorria de dentro do carro, no apeadeiro onde estacionara: quem me dera ter-te aqui, que triste a forma como terminara. Ela continuava a subir aos pinheiros com os olhos nublados, o perfume era mensageiro do seu sonho inacabado. Mas perante a trovoada, ele de nada sabia. Sozinho se encontrava numa falésia, naquele dia. Também via o mar bravio, a noite crescendo em corrupio, e a saudade feita de esperança morta, amarada, debruçada daquele lugar. Não tinha como lhe comunicar tamanha loucura. Não era cedo. Não tinha cura. Não havia volta a dar. Pensara desde cedo em ir para aquele lugar. Não levara carta alguma, nem despedida anotada em papel, para mandar no bico de um passarinho. Só ele era o ninho, da canção ali cantada. Num pingo de chuva certeiro, veio um vento arrebatado, envolveu os corpos deles e levou-os desamparados. Não tiveram resistência, nem queriam viver. Quis o destino que ambos, no mar se encontrassem para morrer. Quem diria que cada margem se juntasse tão ternamente, quando a chuva e o vento estoiravam de contentamento nas ondas do entardecer? Não há clima, nem magia, nem acasos de ternura. Há momentos de alegria, e momentos de secura. Nunca deites o teu amor, que te pertence por natureza, ser levado pela tristeza para o fundo marinho. Faz em terra teu ninho, e bebe da fonte dos beijos, todos os desejos que aqui quiseres viver. Mais vale não se conter o que dá tanto contentamento. Olhem o caso do vento, que ambos levou sem saber, que se amavam há muito, mas esse amor não podia ser. Foi um acaso bonito, que amantes tão amigos, fossem no mesmo dia morrer. Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

quinta-feira, 11 de março de 2021

Conta-me

conta-me onde andas soletra-me com a tua boca ao ouvido amargurado serei a que enganas a louca que afagas ou o teu pássaro prisioneiro do amor que desamparas a lista incompleta a lacuna que avaro guardas mentindo que veneras nas horas vazias vagas mostra-me a flor que não me deste se murchou ou ainda vive oferece-me o que perdeste que o guardarei como tesouro que sozinho sobrevive Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

segunda-feira, 8 de março de 2021

Cedo

A beleza não se apaga do barro moldado Tal como as palavras gravadas na memória das nossas defesas Indefesa te sentes no pensamento acabado e o murmúrio do desejo a que não acedes É cedo para alguém te encontrar ainda o sol não está acordado e na escuridão escondes o medo Preferes a solidão segura do que o meio onde está gente Vês a vida por um prisma cínico: obscuro Não conheces ninguém influente que te dê a mão e te faça sorrir Que te ajude nos planos mais loucos Só te apetece fugir, fugir e desaparecer da vida aos poucos… Felisbela Baião

desencontrada

Na tua frente está a fornalha acesa da vida que fora se despede Não és mais que uma pessoa que alguns tomam por gentalha mas que amarra a corda e nem sempre cede Corres para o fogo absorto, com sede por mais um tronco incapaz Se pudesses quebrá-lo se o trouxesses cortado para o fim que na vida calas Não perguntas a ninguém se és amada quem te ama acolhe-te sob as asas Que triste é o dia sabendo que não serás encontrada A não ser no cheiro da morte que fede… Felisbela Baião

quinta-feira, 4 de março de 2021

Longe

Longe da rocha que quebra corações murcham os edifícios sedentos do ar as janelas monocórdicas espirram com a poluição um carro ou outro expele um arroto parecido ao da moto e a passadeira passa tão depressa que o sinal abre a correr para te abraçar! Chegaste, por fim! Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021

A música deles

Ela encosta ao ouvido o búzio da música deles. Aquela que lhe traz conforto ao espírito e desalinho à distância de um pé de laranjeira. Sente o perfume na pele, escorrendo o suco do prazer pelas folhas verdes em sangue derramado. O sabor da flor agridoce entranha-se no seu estômago, voando, qual borboleta encantada de tantos enganos. Quando nos vem à boca a sabedoria popular, o cérebro cansa-se do abandono e estala. Abre-se numa montanha que pariu um filme de Hollywood. Foi a gota que o terreno precisava para florir. Ainda bem que existem atores com vontade de brincar ao filme da vida. Aprende-se muito mais experimentando, tanto o bom, como o mau. Ela às vezes chora. Eu não me queixo. Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Senão...

No centro, no meio, na boca Salva-se e morre-se Silêncio sedado, sentado Ouvidos cicatrizados Olhos cercados, cerceados Um queixo serrado outro não Salva-se e morre-se De exaustão O escuro da seda sacrifica A pele em comunhão Não verás, não sentirás Não serás…senão… Felisbela Baião (Rosa Alentejana) (quadro de René Magritte)

Tantas vezes...

Cabe-me no peito a dor Partida do barco onde navego Negro Tantas vezes acordo Oco de destino E saio como louco Do fundo do mar Abraço o foco Quero-o a respirar Abro as ondas gigantes Deixo-me elevar Mas não te dou vida Sou saco salino Verde de desalinho Cabelos encalhados E olhos cerrados No turbilhão Nem numa noite Vestida de farol Tu voltas e vives Como eu queria Acordar! Felisbela Baião (autor desconhecido)

sábado, 20 de fevereiro de 2021

suspirando

leva-me o suspiro doce que se desfaz na boca que te evoca sem querer, sem sonorizar quando o momento fermenta e o desejo não aguenta e me falta o ar no forno que arde na mão que anseia tocar Trinca suavemente A orla exposta Ao teu olhar Depois lambe o açúcar Sem derramar A forma arredondada A salivar Leva-me o suspiro Que te vou murmurar Felisbela Baião

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Naufrágio

Naufrágio Que maneiras conheces de naufragar? Perder o pé, perder o barco, perder o mar? Eu perco tantas histórias da tua íris da tua forma ocular… De pé na pedra De pé na areia Que pena Não ser sereia Mergulhar por dentro Ser mastro, lastro Neste azul Para me consolar Perco o sol sereno do entardecer Perco a borrasca A tormenta farta A lua crua Ah! Se a pudesse cozer Como ovo no ventre Só para te ter presente E então naufragar Braços tatuados Alados de aconchegar O filho amoroso Que trago na boca Para te doar… Felisbela Baião (Rosa Alentejana) desconheço o autor do quadro

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Borboleta

Pendura as desolações no cabide da existência. Procura a melhor disposição, veste-a. Penteia os sonhos já brancos, junta-os aos outros e faz um penteado bem bonito. Agora calça a força e veste a coragem nessas belas pernas. Olha-te ao espelho. Dança a canção da vontade enorme e desce as escadas. Não deves nenhum: “boa noite”, mas aprecias um: “olá bonitona”. Percorre a rua devassada pela balança das bebedeiras, que não interessam nem ao menino Jesus. Muda de direção. Entra na danceteria e curte um samba, bebe um trago de ilusão. Senta-te a aprecia as notas que bailam à tua frente. Caras de santos, caras de meninos, caras e caras… Nenhuma te agrada. Mas a boa nova é que és uma borboleta linda, saída do casulo. Transformada és tu. Quando voltas à rotina és apenas ovo. Escolhe a que queres ser. Felisbela Baião

sábado, 9 de janeiro de 2021

Lenda de, quase todas, as ruas de Beringel

Conta-se que há muito, muito tempo, as ruas de Beringel eram feitas com terra batida e muitas rochas. Isto dificultava muito a passagem dos carros puxados pelos burros. Fazia com que as pessoas, no inverno, não saíssem de noite, pois o perigo de caírem era enorme. No verão, o pó espalhava-se formando nuvens quando os carros passavam, até os burros empacarem e não quererem subir ou descer. Quis o destino, que se decidisse fazer um casamento num dia de chuva. Os noivos tiveram que ir de carroça para a Igreja Matriz. Só que, no caminho, o burro tropeçou com os dois, a carroça partiu-se e eles caíram desamparados, morrendo nesse instante. Os amigos e familiares choraram e choraram. Os dias tornaram-se negros. De noite, não se via um palmo, deixaram de existir estrelas no céu. E foi de tal forma, que os habitantes da localidade resolveram vestir as estradas de alcatrão, para sempre o luto pelos noivos nas ruas. A partir daí, acenderam-se candeeiros durante a noite, as estradas ficaram lisas, evitando mais acidentes, e lá no céu, duas estrelas brilham juntinhas iluminando as noites de inverno.