sábado, 18 de julho de 2020

Lendas


Corriam boatos, que na orla dos matos se encontravam passos marcados. Que depois se perdiam pelo meio da relva, embrenhados na selva de árvores e folhas e eiras e poeiras, dissolviam-se no ar. Aquele lugar, que tinha a magia que a população ensinava, na forma de lendas, aos filhos, netos e bisnetos, formaria um livro robusto de contos. Haviam sido tantos os solavancos caídos por terra, que os mais astutos deixaram de tentar entrar naquele lugar. Contudo, quis o destino, que um caminheiro ali passasse mesmo à hora de ver um fumo saído do centro daquele matagal. Julgando ser um incêndio, não vendo ninguém por perto, resolveu penetrar. Os seus pés pisavam lama, depois erva verde, seguida de folhas e flores campestres, das mais lindas que vira. Ao longo do caminho, ouvia cantar os pássaros nos ninhos, a fuga de coelhinhos e outros bichos sem parar. Cansado de caminhar, parou junto a um ribeiro de água pura onde se refrescou e quando olhou, viu uma casa amarela de chaminé a deitar fumo. Percebeu que aquele não era fumo de incêndio, mas de lume caseiro, prontinho para aquecer um lar. Aproximou-se com calma, gritou alto “oh de casa!”…De repente abriram a porta duas crianças, boquiabertas. O caminhante cumprimentou-as cordialmente, retirando o chapéu e perguntou pelos seus pais. A mãe, apressada, vinha a correr do rio onde estivera a lavar roupas, limpando as mãos ao avental. Quando chegou perto do forasteiro trazia uma forquilha e perguntou-lhe o que queria. Ele respondeu que só queria aquecer-se um pouco, porque fizera um longo caminho para ali chegar, achando haver um incêndio, percebendo que fora atraído pela chaminé de sua casa. A mulher acalmou-se e deixou-o entrar, sem perceber como ali chegara sem se assustar. Sentou-o junto à lareira, dando-lhe uma chávena de café feito ali mesmo e um pouco de pão com linguiça. O caminhante agradeceu a hospitalidade, e perguntou pelo marido da senhora. Ela explicou-lhe que não tinha marido, que os pais a tinham colocado para fora do lar, assim que perceberam que ela estava grávida, sendo ainda solteira. Ela entrara pela mata e viera ter àquela casa, onde reconstruíra a vida. Os filhos nasceram ali, nunca tinham contactado com outras pessoas. Ela colocava espanta-espíritos nas árvores, armadilhava rochas para caírem de repente, afugentando animais e os que ali queriam chegar. Transformara aquele paraíso numa lenda de maneira a poder viver em paz com os filhos. Sabia que um dia teria de os deixar ir, mas nessa altura ela já não existiria e eles seriam felizes. O caminhante, emocionado com a sua coragem, foi pedindo para ficar mais uns tempos. Arranjava novas armadilhas, reconstruía o que estivera estragado, tornou o lar ainda mais aprazível. Ficou até que os meninos se tornaram adultos, formavam uma família linda à beira daquela lareira. No dia em que os irmãos se foram embora daquela casa, a mãe chorou nos braços do caminhante, mas pediu-lhes para nunca contarem a sua história. Seria a única forma de guardarem o segredo da mãe. Eles assim fizeram. A mãe e o caminhante ficaram abraçados, à lareira, a vê-los partir, através da janela.
07/05/2020

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

Sem comentários:

Enviar um comentário