domingo, 29 de março de 2020

Pedaço de Primavera


Roçando a cor rosa
da flor

sentindo do fruto
o macio melaço

inspirando o perfume
da tua boca de Baco

da qual conheço o sabor
sedutor

eu mordo da primavera
o meu pedaço…

num simples verso teu
me liquefaço
amor

e num poema cor de lume
embarco no embaraço
do teu abraço…

29/03/2020
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

sexta-feira, 27 de março de 2020

Nenúfar


Tempo haverá em que o perfume fértil da terra serena se limitará a exalar o seu destino de amante das sementes.
Tempo haverá em que as águas gritarão o espelho vocálico dos pássaros, a lentidão do crescimento dos ramos das árvores rumo aos céus.
Tempo haverá em que as montanhas irão concretizar o sonho do sono morno do Sol entre os seus seios de fadas.
Tempo haverá em que as pontes soletrarão o nome dos amantes como desejos pagãos, sequiosas dos pés descalços e das carícias imaculadas.
Tempo haverá em que as folhas encontrarão o refúgio, o tegúrio perfeito para a cópula sob as águas do rio de ternura.
E nesse momento, o ar ressurgirá das bocas enclausuradas e mudas. Um suspiro de amor arfará entre os corações e, de certo, um nenúfar brotará das raízes doces da aventura…
Num tempo em que seremos livres para amar a natureza.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
27/03/2020
(imagem da net)

quinta-feira, 26 de março de 2020

Versos quebrados


Arrasto os passos pela estrada, num movimento desalentado. Sou filha das espigas douradas, tenho no corpo um Sol acorrentado. Por isso, tenho a pele morena e mesmo as rugas de expressão. Meu coração é de papoila serena, minhas veias de céu azul e vento suão. Carrego nos olhos as planícies, ondulando ao som da paixão, mas meus pés nos tempos difíceis, não me dão paz, apenas solidão. Ensanguentados vão seguindo, por rochas agudas e barro seco, mesmo assim eu vou sorrindo, perante o vazio deste degredo. Ouço ao longe uma voz que chama, e avanço dorida nessa direção. É o rio que corre, o perfume que a água emana, vestida de limos, agredindo-me num turbilhão. Porém, o meu corpo precisa da loucura da luz e da água fria. Lentamente, nua, entro na frescura e lavo-me de tormentos e ausência de rima. Porque aquilo que quero e sinto é só um poema, despido de ideias e esperanças. Aos poucos as frases vão saindo da boca, são versos quebrados, mas cheios de lembranças.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
26/03/2020

terça-feira, 24 de março de 2020

Carta de amor...ou pena


Num tempo em que ficar em casa exige um esforço da nossa parte, que tenhamos a mente aberta para escrever sobre o amor…aquele que fica esquecido nas gavetas, mas que sentes o perfume de cada vez que as abres. Esforça-te por te encantares. Hoje é o dia.

Meu querido amor,
Hoje ao acordar, ouvi as bátegas da chuva nas vidraças da janela. Sei que não vais acreditar, mas parecia mesmo o tal “cliché”: quase pensei que estavam a escorrer lágrimas no meu rosto.
Esta angústia no peito vive comigo desde que partiste. E agiganta-se como monstro nas paredes do meu quarto. Dói. Como se uma manta feita de ausências me abraçasse e apertasse e a faca afiada do teu olhar ainda pudesse ir mais fundo.
Por isso, não queria acreditar que chovia lá fora e por dentro de mim. Por um lado, a tristeza embebe a terra fértil do meu coração. Por outro, rega as sementes de doçura que plantaste com as tuas mãos.
Meu amor, quem sabe se o mês de março nos irá trazer, de novo, o florescer da primavera? Não deixes que uma miséria exterior nos corte as asas.
Sabes, um recomeço pode espreitar por entre as folhas verdes das árvores, escondendo o ninho firme do nosso amor.
Somos aves enlevadas pela mesma Lua e pelo mesmo Sol. Se valorizares as minhas asas, o meu voo poderá ir ao teu encontro.
Lembra-te de que as estrelas sobrevivem ao relento, noite após noite, sem medo do frio.
Como podes ter medo das tuas asas de Ícaro num dia de Sol, se o mar te abre os braços na seara dos meus?
Meu amor, o silêncio não sobrevive durante o tempo em que não nos vemos. Há sempre um tom de voz que se sobrepõe aos nossos ouvidos.
Eu consigo amar-te sem pena e sem razão. E tu, consegues amar-me assim?
Despeço-me com um abraço apertado impossível de partilhar e um beijo que só nós dois podemos imaginar!
Adoro-te…
A tua pena

(imagem da internet - Rosa Alentejana - Felisbela Baião)

segunda-feira, 23 de março de 2020

Tédio ou quase…


Percorro o caminho
Ladeirento e deslavado
Que fiz tantas vezes
Contigo

Morro mais um pouco
E de dorso encurvado
Vou contando as palavras
De abrigo

Enquanto o pato mergulha
Em busca de alimento
Eu busco-te – agulha em palheiro –
Nos ideais que invento

Entendo que não és perfeito
Nem eu o quero ser
Mas o amor ao nosso jeito
É pérola rubra que brilha ao nascer

Talvez se apague com o tempo
Talvez a neblina o dissipe
Talvez uma pena - ou um protótipo -
Se levante e no céu se agite

E eu não queira mais
Esse momento

Me recolha à margem
E simplesmente grite!

Porém, o que é dado
Com mesura
Deve ser retribuído
Com a mesma lisura…

Levanto os olhos e vou com a águia
Norteando novamente
A minha triste poesia…

Sou nos meus olhos d’água
Cega da minha humildade
E tu não consegues ler a mágoa
No solo cheio de humidade…

Faço a minha oração
Ao rei Sol que me acolhe
Talvez o teu coração de caracol
Que se encolhe, não seja capaz de subir por ser mole
Este enorme lodaçal…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
23/03/2020
(imagem do Pinterest)

segunda-feira, 16 de março de 2020

Temporal


Sabes, hoje o vento fustiga o meu cabelo em açoites de noite de temporal. O frio entranha-se nos poros e seca-me a pele deste dia sonolento, triste. No recanto do meu quintal observo as folhas viçosas das roseiras e as hastes erguidas em prece por um pouco de paz, mas recebendo uma força incontida que as verga e desampara. A minha garganta seca não transparece a sede que a saudade deixou. Mas o meu olhar não engana. Da fímbria do que sou emerge um amor tranquilo, correto, puro. Ainda o sinto transpirar para fora da tua ausência, esse amor que sabe e sente a suavidade dos dias que passam. O tempo, esse velho de borracha em punho, jamais apagará esse amor, porque não existe borracha de tal tamanho. Sabes, o sol ofusca-me, o sol aquece-me, o sol sustenta a minha vitamina em formato de coração e dá-me força. Mas a Lua despe-me e deixa-me nua à beira do precipício. Por vezes, o abismo chama-me como Eco a ludibriar-me. Os meus pés quase escorregam, mesmo na margem da noite. Mas eu abraço-me e fecho a dor por dentro. Sabes, ainda me falta colher a última laranja madura, saborear o último gomo e lembrar o perfume da flor que me deixaste na mão. Sabes, eu não quero arrancar a raiz da laranjeira do meu quintal, só porque o vento me fustiga os cabelos em açoites de temporal.
Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
16/03/2020

sábado, 14 de março de 2020

Nostalgia


Há tanto tempo
que não abria a mão
não dedilhava a pauta
do vento

Há muito que as gotas
de água fria
não escorriam
poesia

Mas o tempo
quebrou-a
em duas margens
repentinas

E os versos nasceram
de alegria
em cada
uma delas

como papoilas brancas
salpicando o campo
de palavras
de nostalgia…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/03/2020

domingo, 1 de março de 2020

Sobre princesas


A princesa chamava-se Sara
Tinha um vestido comprido
Na cabeça uma bela tiara
Mas não tinha um marido

Passava os dias a bordar
A pintar, tocar ou escrever
Tinha tudo para agradar
Até um príncipe aparecer

Colocava-se sempre à janela
Olhando para o vasto horizonte
Nem um cavaleiro p’ra donzela
Se lembrava de passar a ponte

Um dia, passeando no jardim
Com as suas donzelas e aias
Parou diante de um jasmim
Levantou um pouco as saias

Subiu uma escada empedrada
Nos seus sapatinhos de couro
Sentiu-se um pouco amedrontada
Com receio de cair no bebedouro

Estava um cavalo a beber sedento
Daquela água da fonte fresquinha
A princesa teve um pressentimento
E assim deitou a correr sozinha

P’lo caminho no pajem esbarrou
Mas nem lhe prestou atenção
Desculpou-se e ele se apaixonou
Ela só corria louca para o portão

Mas quando chegou ao salão
Viu um rapaz em tudo atarracado
Uma vozinha que parecia de anão
Olhou-a sem modos embasbacado

Numa vénia respeitosa sem vontade
O estranho rapaz cumprimentou
Mas nenhum dos dois, em boa verdade
Pelo outro sequer se encantou

O pai percebendo o engano
Evitou a palavra “casamento”
Pediu que tocassem piano
Deixou-a sair por um momento

Seus olhos tristes passaram
Nos estábulos bem perto
Com os do pajem se cruzaram
Todo o pátio estava deserto

Começaram a conversar
Como se fossem conhecidos
Ela pronta a desabafar
Ele a oferecer os ouvidos

De repente tudo mudou
Ficou claro como a primavera
E um amor tão profundo
Crescia e envolvia a Terra

Quem passava se enlevava
Pela ternura demonstrada
Até o Rei espreitava
E via não poder fazer nada

Os dias foram avançando
E o Rei sem saber que fazer
Decisões acabou tomando
Os conselheiros deram o parecer

Chamou os dois apaixonados
E decidiu tornar o pajem cavaleiro
Assim podiam ser casados
E não haveria nenhum zombeteiro

A boda foi prolongada
Todos estavam felizes
Finalmente a princesa amada
Teria as suas próprias raízes


Fim

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)