segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Estou tão cega de momentos...


Estou tão cega de momentos, que não reconheço a poesia dos poentes. Persigo a escuridão da terra, lavrada de estrelas que já partiram, e só escuto o sussurro das pedras. Elas conhecem o segredo, guardado na bebedeira da bruma. Ele escorre por entre as águas partidas em mil vagas, galgando desfiladeiros em busca da tua foz. Mas eu só encontro precipícios bem no fundo da solidão. É de corais a voz gritada das baleias no cio, mas é de areia a fria mordaça de limos escorregadios dos pensamentos. Bastaria uma ponte no meio do oceano, para a calma reinar nos passos da gente. Caminharíamos rumo ao porto, ancorando os corações com cordame do amor lasso. Apenas porque não suportamos aprisionamentos. Quem sabe se depois, não partiríamos rumo ao mar alto, lado a lado, transportando nas mãos a última rosa verde? Não culpemos a brisa que não se fez vento forte para nos agitar as águas. Há uma luz vinda do farol enraizado na terra firme. Sabemos por onde navegar. Vivemos perplexos no nosso reflexo apesar das rugas da saudade. Olhemos, pois, para o horizonte ainda quente do último beijo. Deixemo-nos embalar pela melodia da eternidade. Contudo, deixa-me acordar os olhos para reconhecer a poesia dos poentes…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/10/2019

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Frio


Era o frio. Aquele frio que se entranha na pele, que nos gela as veias e congela o coração. Um coração demente, amargurado, dormente. Era um frio medonho, escuro e silencioso. Propagava-se pelo espaço exíguo do quarto. Agarrado às paredes, trepava até às janelas e derramava-se pelas ruas. Cada candeeiro possuía a sua aura tétrica num plano puramente elevado. Um vento agrestemente cortante sublinhava as frestas das janelas e portas. Além dele, só o ruído das lágrimas cruas, que me galgavam os olhos como rios turbulentos, se ouviam. Ao longe, a lua, no seu rosto branco e belo, comentava com as suas crateras, que a tristeza precisava de um pouco de sol…

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
07/10/2019
(imagem da net)

terça-feira, 1 de outubro de 2019

o calor da palavra


Quem dera sentir o calor da palavra
sobre o tom mudo da pele,
nem que de um suspiro se tratasse
beijando a nuca de verde.
Subindo a árvore do consolo
ramo a ramo matando a sede
e, por fim, entornar no teu colo
o poema de pêssego profano
sentindo o brilho dos teus olhos ao ver-me...

Rosa Alentejana Felisbela