quarta-feira, 6 de julho de 2022

Cenários

 

Entendam que ele, hoje, vestiu a sua camisa branca, imaculada.

Por trás das suas costas, o teatro agiganta-se e abre as cortinas com pó, com palavras e com fachadas. Espectadores e espectadores caem em valas comuns abertas em feridas cruas, numa terra dura.  Estilhaços de dor vão corroendo as vidas cansadas.

Entendam que ele, hoje, vestiu as suas calças bege, perfumadas.

O cheiro pútrido da fuga resiste em estradas vãs. Finos fios de ajuda humanitária cruzam-se num tempo demasiado entardecido. De vez em quando, um murro da voz de mães, um estalo dos olhos lacrimosos de crianças, e o martelo da indiferença não atrapalha. E ELES? O que fazem?

Entendam que ele, hoje, calçou as meias limpas.

As SUAS vozes, a meias, vendem pecados, vomitam vazios, enfatizam projetos de paz alheia à nação. Incham os egos. Ofendem-se comadres. Pasmam-se descrenças. Incubam-se vinganças e alcançam-se espasmos de vitórias. Joga-se o jogo do “unidos pela pátria”, quando a festa começa e o povo já não tem pão.

Entendam que ele, hoje, calçou os sapatos novos.

Olha os pés com pedaços de pranto atrás da orelha. Sacode-os num gesto simples.

Entendam: ele caminha porta fora com o filho nas mãos…

Felisbela Baião (Rosa Alentejana)

(imagem da net)