sexta-feira, 31 de julho de 2020

Caminhada


Caminhada corrida
Véus pés nus
Flores amarelas
Saída
Cabelos envoltos
Pólen adocicado
Colado ao corpo
Cruz


Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

segunda-feira, 27 de julho de 2020

Ferreiro


Vejo os músculos
lisos esbeltos
os ombros
o peito aberto
enigmático coração
conheço a tua forma
o martelo a bigorna
- és a minha solução!

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Sobre a cama


Nessa casa de luz azul mourisca
Desaguámos num abraço embrenhados
Corpos ajustados, uma faísca
Para a perdição do fogo talhados

Juntos num ciciar d’ alma aninhados
A boca carnuda, muda e arisca
Coxas, beijos, os cabelos molhados
Cinturas que dançam como Odalisca

Acordámos os lençóis da vergonha
Espiámo-nos no espelho invisível
Quebrando aquele desejo impossível

Ambos sabemos que é inadmissível
Olharmo-nos sem que a vontade exponha
E o amor a tudo se sobreponha

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
(imagem da net)

A ti caminheiro


Caminheiro sem cama
Nem ninho
Que prossegues o destino
Passo lento
Cheio de alento
Corpo decrescente
Como lua mente
Saboreias o vinho
Delicias-te com o pão
Nunca serás inteiro
Enquanto tiveres espada
E algum coração alheio

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
22/07/2020

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Tristeza


Fogo que morde
Reclama chama a chama
Cada semente de luz
Dor espalhada na palha
Sensações
Pó de pedra entranhada
Poro a poro
Permanece no casulo
Metamorfose?
Sal pimenta malagueta
Não te deixa adormecer
Não te deixa acordar
Eterno ignorar da vida
Ciclo podre que fede
Lágrimas e anoitecer
Espera a foice
Que te trace o pescoço
Sem teres que te mover
19/07/2020

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

domingo, 19 de julho de 2020

Desfaço


Desfaço a cama pela manhã
Sabendo que o lusco fusco me assombra
Com braços de raiva gigante
Com o corpo monstruoso da saudade
Com os gritos estridentes ao comer o chão
Que nunca me salvou
Sinto as ruas vazias de consciência
Enquanto os postes da luz clamam
A evidência

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
19/07/2020
(imagem da net)

Bebo


Bebo da cicuta madrugada
Fumo do cigarro a paz
Pouco me importa a faca
Afiada que tem a tua voz
Os corvos piam agoirando
Sofrimento certeiro
Ângulo raso
Das águas estagnadas
Espera que fica
Envolvendo os olhos
Nevoeiro que cega
Lambendo o doce
Que se desfez algures
na tua foz

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sábado, 18 de julho de 2020

Lendas


Corriam boatos, que na orla dos matos se encontravam passos marcados. Que depois se perdiam pelo meio da relva, embrenhados na selva de árvores e folhas e eiras e poeiras, dissolviam-se no ar. Aquele lugar, que tinha a magia que a população ensinava, na forma de lendas, aos filhos, netos e bisnetos, formaria um livro robusto de contos. Haviam sido tantos os solavancos caídos por terra, que os mais astutos deixaram de tentar entrar naquele lugar. Contudo, quis o destino, que um caminheiro ali passasse mesmo à hora de ver um fumo saído do centro daquele matagal. Julgando ser um incêndio, não vendo ninguém por perto, resolveu penetrar. Os seus pés pisavam lama, depois erva verde, seguida de folhas e flores campestres, das mais lindas que vira. Ao longo do caminho, ouvia cantar os pássaros nos ninhos, a fuga de coelhinhos e outros bichos sem parar. Cansado de caminhar, parou junto a um ribeiro de água pura onde se refrescou e quando olhou, viu uma casa amarela de chaminé a deitar fumo. Percebeu que aquele não era fumo de incêndio, mas de lume caseiro, prontinho para aquecer um lar. Aproximou-se com calma, gritou alto “oh de casa!”…De repente abriram a porta duas crianças, boquiabertas. O caminhante cumprimentou-as cordialmente, retirando o chapéu e perguntou pelos seus pais. A mãe, apressada, vinha a correr do rio onde estivera a lavar roupas, limpando as mãos ao avental. Quando chegou perto do forasteiro trazia uma forquilha e perguntou-lhe o que queria. Ele respondeu que só queria aquecer-se um pouco, porque fizera um longo caminho para ali chegar, achando haver um incêndio, percebendo que fora atraído pela chaminé de sua casa. A mulher acalmou-se e deixou-o entrar, sem perceber como ali chegara sem se assustar. Sentou-o junto à lareira, dando-lhe uma chávena de café feito ali mesmo e um pouco de pão com linguiça. O caminhante agradeceu a hospitalidade, e perguntou pelo marido da senhora. Ela explicou-lhe que não tinha marido, que os pais a tinham colocado para fora do lar, assim que perceberam que ela estava grávida, sendo ainda solteira. Ela entrara pela mata e viera ter àquela casa, onde reconstruíra a vida. Os filhos nasceram ali, nunca tinham contactado com outras pessoas. Ela colocava espanta-espíritos nas árvores, armadilhava rochas para caírem de repente, afugentando animais e os que ali queriam chegar. Transformara aquele paraíso numa lenda de maneira a poder viver em paz com os filhos. Sabia que um dia teria de os deixar ir, mas nessa altura ela já não existiria e eles seriam felizes. O caminhante, emocionado com a sua coragem, foi pedindo para ficar mais uns tempos. Arranjava novas armadilhas, reconstruía o que estivera estragado, tornou o lar ainda mais aprazível. Ficou até que os meninos se tornaram adultos, formavam uma família linda à beira daquela lareira. No dia em que os irmãos se foram embora daquela casa, a mãe chorou nos braços do caminhante, mas pediu-lhes para nunca contarem a sua história. Seria a única forma de guardarem o segredo da mãe. Eles assim fizeram. A mãe e o caminhante ficaram abraçados, à lareira, a vê-los partir, através da janela.
07/05/2020

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sombra


Comprem-me a sombra que te segue
Mais o perfume que te toca a pele
Mandem-me o sorriso que te sabe
E os teus passos junto à minha sede
Ajudem-me a salvar o vício
Que me sinaliza e sulca a vida
Sou um desordeiro amor suspenso
Pelo crime de te amar tanto
E te saber já de partida

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Escuro


É na escuridão das luzes da tua cidade que me sento
Escutando o rumor das águas azuis
Sabendo que o espelho devolve a idade
Não a tua imagem acercando-se da minha
Porque a morte é certeza da fila que termina
E atrás vem a família coberta de flores e lágrimas
Sem um único suspiro a provar que o amor existiu
Num canto qualquer de bolor inocente

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

De noite


De noite sei que caio
No labirinto das minhas entranhas
Solto a fera mansa da amargura
Percorro o fio da navalha
Com pés descalços
E vou soletrando mantras
Para, alucinada, acordar nos braços
De Baco, terminando a dor ruiva
Dos pesadelos
Habituei-me à toada das chamas
Que me ardem sem ti
E às letras cravadas nas teclas
Só não me habituo às noites
Em que caio

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Procuro



Procuro esta espécie de fé
que há em mim, mão de mãe
cruz cruzada, mas não cruel
asa bondosa que não abandone
abraço forte que conforte
cada verso escrito no papel
beijo cálido do cálice sagrado
- Amor fiel -
e ainda hálito de incenso suave
que me rasgue o ventre
antes de nascer
porque rosa sem espinhos
é arte delicada para se entender...

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)


terça-feira, 14 de julho de 2020

Porto perdido


No túnel da noite, uma lua vestida de branco envolve as águas num beijo orvalhado de nevoeiro brando, enquanto a rã coaxa, ao longe, a melodia da saudade. A mão toca a cigarra da tua boca e o coração rima, em socalcos, o vinho doce do teu hálito. Uma pomba eleva-se no ar, assustada, arrulhando banalidades. Só o barro vivo molda a forma mais fácil de dois corações enlaçados. Estátua quieta, no meio da praça engelhada de solidão. Reconheço a silhueta. Desconheces as reticências na frase esquecida sobre a amurada, e já não te lembras do lugar mágico sobre o meu ombro, onde a brisa me beijava. Uma estrela cruza o céu mareando mais longe. Envolvo-me no xaile quente da desilusão e percorro o caminho empedrado de volta a casa. A luz esqueceu-me nas vielas e o barco nunca tornará a este porto perdido.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
14/07/2020