sábado, 9 de maio de 2020

Sonata


Compreendi o porquê da paz distraída entre os meus dedos. Esta vontade trémula de seguir aquele caminho e o oásis perfeito sobre as linhas da minha silhueta. Já não sei se o veneras, se o arrastas pelo chão, como saco pesado, na íngreme subida do horizonte da tua visão. Compreendi que o protesto da minha fala é mudo e que nenhuma palavra compele a existência da tua fome rumo ao meu alimento. Ignoro se preenches o vazio com outras mãos, outras presenças, embora deslocadas do lugar primeiro que nos pertenceu. Um local abandonado, rasgado e rangendo as entranhas como lobo sofrendo a agonia da morte. Abandono aqui a persistência unívoca de um amor exangue, sem forças para morrer. Vejo as nuvens carregadas de cinzento escuro e sei, que mais tarde, ou mais cedo, elas tombarão sobre a minha visão, como tantas vezes fizeram. Não há frio que me mate a ausência, nem calor que absorva a cacofonia que me dás, sem um beijo, sem um abraço. Mas, compreendi que vivemos um tempo em que nada disso é possível. Diz-me apenas se existe um ruído que possa delimitar a sonata que me cantas.

Rosa Alentejana (Felisbela Baião)
09/05/2020
(imagem da net)

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