quinta-feira, 9 de agosto de 2018

O mistério da rosa


Foram as mãos do jardineiro que adubaram a terra argilosa. Recordo-me do corte diagonal na estaca, e da forma cuidadosa como a colocou na batata para criar raízes, enterrando-a depois, mantendo-a húmida. Foram tempos de nascimento, ou renascimento, como lhe queiramos chamar.
Curiosamente, há pessoas que não se importam com as suas raízes, mas eu preservava-as, porque sem elas não seria o que, mais tarde me viria a transformar. O jardineiro confidenciava-me, com razão, que tudo dependia da sorte, da meteorologia (o inverno deveria estar a acontecer), da terra, mas o cuidado era essencial.
Após a rega, cresceram as hastes e pequenas folhas. Evidentemente os espinhos faziam parte desse pequeno tronco, pois não há rosas sem eles. Penso que seja uma das formas de nos defendermos das tentações de sermos colhidas demasiado cedo, já que somos o símbolo dos apaixonados…
Aos poucos foram nascendo os ovários, os estames e as pétalas, perfumadas e coloridas. Mas, a minha cor era azul, que significa o verdadeiro amor eterno, raro, forte, que nunca se abala ou descolore, e isso tornava-me cobiçada. Dizia-me o jardineiro que em algumas culturas o azul significa mistério ou a busca/alcance do impossível. E seria impossível alguém maltratar-me, pois ele não deixaria.
Foi dessa forma que cresci e me tornei adulta, de folhas silenciosamente orvalhadas, de sentidos despertos à admiração dos caminhantes do jardim. O jardineiro guardava-me, mas o medo tomava conta de todas as horas do dia. Apenas de noite descansava os pensamentos ocultos.
Mas, num dia raro de nevoeiro intenso, foi com surpresa que dei por mim nas mãos imberbes de um rapaz ladino, de olhos travessos e nariz adunco. Nada pude fazer perante a sua perícia de mãos ágeis e do sorriso trocista. Nem os espinhos o impediram de me colher.
Percebi que ele nada entendia de rosas. Que a sua intenção não era senão plantar-me nas mãos de uma menina de bibe aos quadrados e de sardas nas maçãs do rosto.
Morri na minha tristeza no meio de um caderno quadriculado, perdendo o perfume nas páginas, secando as pétalas num amarelo desbotado… Um trunfo de amor sem importância que o lixo mais tarde acarretou.
Ainda se tivesse morrido no meio de um livro de poesia, com as palavras dançando no meio de um amor verdadeiro…

(Tema proposto pela minha amiga Wilma Gonçalves)
Rosa Alentejana Felisbela
09/08/2018
(imagem da net)

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