segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Crepe de chocolate

Estava cansada. Assim que colocou a chave na porta de entrada e a sentiu fechar-se atrás de si, atirou com os sapatos para o fundo do quarto, e as roupas que foi atirando, peça por peça, caiam para cima do tapete, da cama, da mesa-de-cabeceira…Não se importava. Sozinha em casa podia fazer o que lhe apetecesse sem dar satisfações a ninguém. Desligou o telemóvel. Ligou o computador, mas só para ouvir as músicas preferidas que descarregara ao longo do tempo.
Em frente do espelho, dançava agora com um copo de sumo de laranja natural na mão. Balançava as ancas, movimentava as pernas e os pés ao seu próprio ritmo, sem pensar na figura triste que podia estar a fazer. Encontrava-se no seu mundo, onde era dona e senhora das suas façanhas.
Quantas vezes tropeçara no tapete e caíra redonda no chão e rira a bandeiras despregadas? Quantas vezes comera gelado a ver TV e quando dera conta tinha a boca, as mãos e até o revestimento do sofá sujos e nem dera por isso, rindo sozinha do disparate? Quantas vezes colocara os óculos para ler mais focadas as letras dos documentos, dentro do frigorífico, andando louca pela casa à sua procura e quando fora buscar qualquer alimento, os vira e gargalhara até chorar?
Viver sozinha tinha destes privilégios e ousadias. Não sentia falta de ninguém para a completar, ela já era uma mulher completa. Tinha o seu emprego, pagava as suas contas, saía quando lhe apetecia, ficava quando queria ficar em casa. Não admitia intromissões na sua vida. Respeitava todos e era respeitada.
Quando as hormonas assim ditavam, lá arranjava uma companhia masculina, sempre na maior subtileza. Os namorados só davam trabalho, e ela queria sentir-se livre para ir ao ginásio, para ir ao cinema, para fazer viagens, para seguir dietas que regularmente transgredia. Tinha um grupo de amigas e amigos com quem saía e privava, mas gostava de estar só.
Naquele dia, o Banco estivera mais movimentado que o costume. Pessoas complicadas a entrar e a sair. Gente mal-humorada aos gritos. E ela, sempre educada, no seu fato de saia e casaco, o ar profissional e arranjado, de lábios bem torneados pelo batom e um sorriso para oferecer a cada um. Aguentara estoicamente a passagem das horas.
Por isso, naquele momento só seu foi até à cozinha e preparou um capricho: um crepe de chocolate.
Entretanto ouviu tocar à campainha da porta. Aborrecida foi vestir um roupão e espreitou pela vigia da porta: um rapaz lindíssimo, que nunca tinha visto, encontrava-se a olhar para a porta com um ar indecente. De sobrancelhas carregadas e um ar de interrogação abriu um pouco da porta e perguntou o que queria.
Com um ar sorridente, o vizinho do lado, que se mudara havia uma semana e percebera os hábitos dela respondeu:
- Ouvi a música, senti o cheiro a crepe de chocolate e vim descobrir se a vizinha me podia matar a gula ou me deixaria aqui com o desejo à porta…

Rosa Alentejana Felisbela
13/08/2018
(tema sugerido pela minha amiga Rute Engrácio)
(imagem da net)

Sem comentários:

Enviar um comentário